Ronin RPG
- Resenha -
Gostem
ou não, Mörk Borg impactou significativamente o cenário dos jogos de RPG
nos últimos tempos. Embora tenha surgido como uma marca de RPG de fantasia com
tema black metal e com isso tenha atraído um público específico, a indústria
caseira de RPGs que surgiu em torno dela é indiscutivelmente grande, robusta e
diversificada ao ponto de surgirem coisas de uma única página no itch.io a
hacks publicados completos como Pirate Borg em grandes editoras. Aqui
entra Ronin, que acabou de entrar em financiamento coletivo pela Tria Editora (LINK) e
que recebi antecipadamente sua versão traduzida em PDF e pronta para a
impressão para avaliação.
O
PDF de Ronin tem 128 páginas, e como algo do clã Mörk Borg ele já chega dizendo
à que veio. Na capa vemos o que parece ser um ninja ou personagem adjacente a
um ninja cometendo suicídio ritual (seppuku) ou tendo sido ferido mortalmente.
Isso está de acordo com o tom geral do jogo e imediatamente o coloca em posição
oposta à um higienizado Legend of Five Rings e semelhantes. Todo ele é sombrio
e perigoso, violento e sangrento. Não à toa que logo no início temos um
"aviso de gatilho" sobre seppuku, mas depois dessa capa, parece
desnecessário.
O cerne de um jogo inspirado em Mörk Borg são as tabelas aleatórias, e
Ronin tem muitas delas. Elas começam imediatamente dentro da capa (no
início e no final do livro) e vão do simples (nomes) ao sanguinário (ferimentos
debilitantes). Eles não estão brincando aqui. A morte é frequente e feia
em Ronin. E tenha em mente que ainda nem passamos do índice.
Vale a pena salientar que Ronin é um livro lindo. As ilustrações geralmente são
de temas sombrios — o cenário do jogo propicia isso — mas são de qualidade que
me agrada muito. Não à toa li em uma outra resenha que “Ronin é um livro de
arte com um jogo”, e sou obrigado a concordar com isso. Se lembrarmos Mörk
Borg, Ronin segue a linha de que a aparência é tão importante quanto o conteúdo.
Começando a folhar o livro, inicialmente temos cerca de vinte de cenário. O
cenário de Ronin é Kage no Shima, que pode ser traduzido como Ilha das Sombras.
É uma ficcionalização do Japão Edo, completa com um xogunato, um misterioso clã
ninja, monges de batalha, castelos assombrados por demônios e muito mais. Este
território está sob o manto de um eclipse perpétuo, onde há constantemente
escuridão. O mundo está prestes a acabar e, embora o povo de Kage no Shima
possa ter descoberto isso, eles não sabem como ou quando o fim chegará.
De acordo com a aparência e a sensação do cenário, tudo é sombrio em Kage no
Shima e está piorando. Guerra, fome e a devastação de demônios hediondos
cobraram seu preço. É miserável nesta ilha, e pode-se argumentar que a morte
será uma bênção quando chegar. Embora a honra e a tradição tenham seus lugares,
as circunstâncias aqui exigem que a sobrevivência venha primeiro.
Mas não imaginem terem tudo pronto com essas páginas sobre o cenário. Ele não
está aprofundado em detalhes. Esses são deixados para o Mestre resolver, o que
é bom. Os jogadores não precisam saber os detalhes de nenhum cenário, a menos
que seja específico para seu personagem ou para a história. Isso já é uma
premissa da linha Mörk Borg. Mas como tudo, há aqueles detalhes incríveis que
fazem dele sensacional. Estou falando do Calendário Sombrio.
O Calendário Sombrio é uma ótima forma de determinar para onde o cenário está
indo. Numa série de círculos concêntricos há 66 marcações de eventos que seguem
a linha de “o mundo está caminhando para seu derradeiro fim”. Esses eventos
serão rolados pelo mestre e ocorrerão ocasionalmente (e não se repetirão), cada
um durando um certo período de tempo.
Temos
desde “O céu, já escurecido torna-se completamente negro por três dias e
três noites. Todas as luzes tremulam e apagam, deixando todos em uma escuridão
inescapável.” Até um “Vendavais varrem as vilas carregando espíritos
malévolos consigo”. Dependendo de quanto tempo você espera que sua campanha
dure, ocasionalmente rolará dados para ver se algum evento cataclísmico
atingirá Kage no Shima. Se isso acontecer, os eventos podem ser grandes ou
pequenos, mas sempre significativos, aumentam de intensidade até que o sétimo
evento ocorra: o apocalipse. Isso traz aquela dose saudável de inesperado e
surpresa para apimentar sua campanha e fazer tudo mudar de uma hora para a
outra.
A criação de personagens básicos pode ser resumida em uma coleção de
equipamentos e habilidades aleatoriamente rolados. Não há compra pontual, mas
também não há classes. Você ganha o que ganha e um personagem básico
normalmente terá (ou poderá ter) uma morte rápida. Nas regras opcionais há a
indicação de escolher uma classe (ou rolar para pegar uma delas aleatoriamente)
e rolar dentro de suas tabelas específicas. Temos as classes Ronin Esquecido,
Samurai Erudito, Monge Bêbado, Shinobi Corrompido, Onmyoji, Bakuto, Yamabushi,
Dançarino Indomável, Sumô Imprudente e Santo da Espada. É uma boa coleção de
opções. Elas funcionam da mesma forma que qualquer classe em qualquer sistema
influenciado por D&D. Elas têm modificadores para testes de habilidade,
então cada uma tem pontos fortes e fracos e diferentes níveis de Pontos de
Vida, etc. Mais importante, porém, elas têm Características. As Características
são habilidades especiais que apenas as classes possuem. Por exemplo, em Ronin
Esquecido, o personagem poderia ser um mestre da espada que pode infligir bônus
de dano ou ter uma habilidade particular de aparar. Ele pode até ter uma katana
amaldiçoada com um gosto pelo sacrifício de sangue. Depende do que você
escolher ou rolar.
Uma das coisas interessantes sobre os Borgjogos é como eles
refletem alguns aspectos do clássico primeiro D&D enquanto pegam emprestado
de edições posteriores. Atributos são uma dessas coisas. Os jogadores rolam 3d6
para Rapidez, Espírito, Vigor e Resiliência, mas jogam o resultado depois de
fazerem uma referência cruzada em uma tabela que lhes dá um modificador.
Rolagens médias (9-12) não geram modificador. Rolagens excepcionalmente altas
ou baixas podem ter um modificador de +3 ou -3 anexado. O que isso significa?
Bem, vamos pegar Rapidez como nosso exemplo. Ela governa rolagens relacionadas
a defesa, equilíbrio, natação, fuga e coisas do tipo. Ao resolver uma tarefa
com um d20 contra um número alvo que se deve exceder (parece familiar?),
aplica-se o modificador à rolagem. Isso pode fazer ou quebrar uma situação para
um PJ.
Outra coisa que personagens precisam determinar em suas fichas de seus
personagens (tendo ou não uma classe) é sua Honra. Honra é uma rolagem de 3d6. Personagens
com um resultado maior que 10 são honrados, enquanto aqueles abaixo não são.
Isso não significa que eles não podem tender na direção oposta, não importa o
que rolem, e esse número muda durante o jogo, mas dá a você uma noção de onde
seu personagem está na escala cármica logo no início. Cada uma das classes tem
qual código de honra segue e elas são descritas detalhadamente em uma seção
específica. Honra tem mais aplicabilidade do que apenas ser um elemento
interpretativo. Ela impacta a geração de personagens mais tarde em uma
campanha. Jogadores cujo personagem honrado morre recebem bônus para aplicar ao
seu novo personagem. Jogadores que deixam seus personagens caírem em território
desonroso sofrem penalidades ao gerar um novo personagem.
Adorei
isso... Ao rolar um novo personagem, adiciona-se +1 às rolagens de pontuação de
habilidade se o último personagem foi honrado, mas recebe -1 se desonroso. Essa
pequena, mas significativa mudança pode fazer a diferença entre um bom
personagem substituto e um péssimo. Mas existe uma última maneira de restaurar
a Honra se um personagem não se saiu bem: seppuku. Assumindo que um personagem
é bem-sucedido no ato do seppuku (é preciso um teste de Resiliência e
Espírito), ele recebe 2d6+2 em sua Honra. Isso (provavelmente) o levará acima
do limite de 10 e permitirá que ele faça um personagem com um bônus para rolar.
Gosto
desse tipo de mecânica que mescla a preocupação do depois com a preocupação das
ações no agora.
Como parte do processo de criação, você também rola para Virtudes, que são a
meta-moeda deste jogo. Você não terá mais do que duas Virtudes para começar,
então sua habilidade de alterar a dinâmica do jogo é limitada. Isso não
significa que elas sejam inúteis. Ronin, como outros jogos da linha Borg, podem
depender da utilização criteriosa desse recurso.
Seguindo
em frente, chegamos ao equipamento, que todo mundo adora. Compras! Exceto que o
primeiro lote de equipamento depende da sua classe. Você só rola se tiver
escolhido fazer um personagem "personalizado". E se você teve a sorte
de obter uma quantia decente de dinheiro antes ao rolar seu personagem, você
pode escolher na lista de equipamentos e armas.
Algumas classes recebem Textos, essencialmente pergaminhos mágicos, embora
filtrados pelas lentes culturais japonesas. Por exemplo, eles podem transformar
sua arma em uma marca ardente ou lançar luz sobre uma área. Os usos do texto são
limitados. Todo dia, rola-se Espírito+4 para saber com que frequência se pode
usar um texto. E quando esse texto é usado, faz-se um novo teste de Espírito
para determinar se funcionou corretamente. Aqueles que erram esse teste perdem
Pontos de Vida e ficam tontos e com uma condição por um tempo. Aqueles que
rolam uma falha crítica (um em um d20) devem consultar a tabela A Vingança do
Kami onde a reação espiritual a esse erro é detalhada. Que tipo de reação
espiritual? Que tal isso? “Seus ossos ganham senciência e malevolência. Em
momentos de estresse, eles se torcem e se contorcem dentro de você, causando
dor insuportável e sangramento interno por d4 de dano.” Então a sugestão é
– não falhe criticamente!
Você pode se perguntar o que significa fazer rolagens de d20 e adicionar ou
subtrair modificadores. Isso, como tudo no jogo, é simples. A maioria das
tarefas tem um Nível de Dificuldade; rola-se um d20, aplica-se modificadores e
obtém-se um resultado. Igual ou maior ao valo do nível de dificuldade é um
sucesso; menor que isso é um fracasso. Tirar 20 significa um sucesso
espetacular, enquanto 1 pode potencialmente dar vida aos seus ossos
(heheheheheh). O nível de dificuldade é quase sempre 12, embora isso possa
variar.
Posteriormente
somo apresentados às regras para combate. Iniciativa é uma rolagem simples de
um d6. Atacar usa Vigor contra um nível de dificuldade 12. Ataques à distância
usam Espírito contra dificuldade 12 também. Defender usa Rapidez contra 12. E
Aparar (que pode ser utilizada uma vez por combate ao invés de usar Defesa) usa
Resiliência contra 12. Doze é um número mágico aqui e Mestres não rolam dados
para essas coisas. O sucesso depende dos jogadores. Ocasionalmente, o Mestre
rola para coisas como Moral para ver se os oponentes fogem, mas na maioria das
vezes, a rolagem de dados é restrita aos jogadores. Acertos Críticos causam
dano duplo. Sucessos críticos ao rolar defesa permitem um ataque livre. Ao
aparar, um sucesso crítico causa dano duplo ao inimigo e reduz sua armadura em
um nível.
A armadura em Ronin não é ablativa, mas tem algumas dessas propriedades. Cada
peça de armadura tem um Nível, e esse Nível depende de quão eficaz ela é. A
armadura de Nível 1 é algo como armadura de kendo, que é basicamente apenas
acolchoamento. Ela reduz o dano em d2. A armadura de samurai é de Nível 2 e
impede dano d4. Há também a armadura de Nível 3, mas é incômoda e afeta
negativamente as jogadas. Quando alguém perde um nível, isso significa que a
armadura está danificada e fornece menos proteção. No entanto, as regras não
dizem se as penalidades associadas a armaduras mais pesadas ainda se aplicam.
Eu considero que sim. Uma vez que a armadura é reduzida ao Nível 0, ela é
inútil e deve ser reparada ou substituída.
Duelos são algo interessante nesse RPG. As regras de duelo são uma maneira mais
envolvente de resolver o combate do que jogadas diretas. Os participantes
escolhem entre alguns movimentos — Ataque, Bloqueio, Contra-Atacar — e tentam
pensar melhor e manobrar melhor que o oponente. Isso só entra em jogo quando um
jogador incorre em uma ação que desonre um NPC e sua família, já que os duelos
podem restaurar a honra do vencedor. O interessante que esse elemento de Duelo
ocupa apenas duas páginas, mas pode ser um elemento incrivelmente interessante
e determinante numa campanha.
Quanto à evolução do personagem? Ele não ganha experiência para ficar “melhor”?
Não... quase sempre ele vai morrer! Falando sério, talvez seu personagem tenha
sorte e dure um pouco mais e nesse caso o Mestre pode ter pena de você como
jogador e lhe dar um avanço do personagem. Isso é feito inteiramente a critério
do Mestre, então não há pontos de experiência. Você ganha um avanço quando
ganha. Para ser justo, um personagem que é "subido de nível" pode
ficar bem forte. Você rola 6d10; se o total exceder o PV atual do seu
personagem, ele ganha d6 PV adicionais. Isso pode ser um grande negócio, já que
alguns personagens podem começar com apenas 1 PV.
Um aumento ainda mais considerável está nos valores de atributos. Rola-se um d6
para cada atributo, e se for maior que o número atual — -3 a +3, lembra? — o
modificador é melhorado em um passo, potencialmente até +6. No entanto, se um
personagem vive o suficiente para atingir +6 em qualquer habilidade, ele deixa
de ser um Ronin.
Personagens também podem treinar para receber um bônus de +d2 em uma habilidade
relacionada. Então, por exemplo, um personagem pode treinar com um grande
sensei fazendo coisas como pegar moscas com pauzinhos à lá Senhor Miagui,
eventualmente ganhando um bônus de +d2 em Rapidez. Mas isso só pode ser feito
uma vez e nunca mais até para não banalizar e desequilibrar a proposta deste
RPG. Um personagem precisa aprender com um professor por 2d6 dias antes de
fazer um teste de dificuldade 12 contra a estatística relacionada. Claro, o
teste pode falhar, e o tempo é desperdiçado.
Como já dissemos anteriormente, Virtudes são a meta-moeda do jogo, permitindo
que os personagens inflijam o máximo de dano ou repitam um ataque falho. Uma
das suas propriedades mais valiosas é negar um erro crítico. Personagens, em
geral, começam com duas Virtudes e podem recuperá-las após seis horas de
descanso. Você pode ganhar uma Virtude escrevendo um haiku no personagem,
representado por um teste de Espírito contra dificuldade 12.
Para finalizar o personagem, pode-se rolar em algumas tabelas opcionais para
obter peculiaridades e traços de caráter. Elas variam de dentes enegrecidos e
podres a uma necessidade obsessiva de limpar suas armas e armaduras. Talvez seu
personagem colete orelhas e sussurre segredos para elas. Ou talvez seja caçado
por um monstro aterrorizante que não pode derrotar. As consequências de rolar
nessas tabelas são muitas e variadas.
Personagens em Ronin podem e vão morrer. Muito. Mas alguns podem retornar para
lutar outro dia porque cada personagem que morre vai para um reino inferior
chamado Yomi, onde eles enfrentam um demônio em combate individual. Se o
personagem derrotar o demônio, ele retorna à vida. Se não puder, então ele é devorado.
Se o combate for particularmente difícil e os personagens estiverem caindo como
moscas, eles aparecem em Yomi juntos e podem se unir contra o demônio, ganhando
assim suas vidas de volta. Os personagens só podem retornar de Yomi uma vez, o
que parece bem apropriado para não banalizar os perigos e a morte.
A maior parte do resto do livro é composta por criaturas e inimigos
explicitamente projetados para matar seus personagens. Alguns, como os Bandidos,
são relativamente fáceis de derrotar. Outros, como o temível Daimyo Esqueleto,
têm uma tonelada de PV (40) e armadura pesada, são resistentes a praticamente
qualquer magia que você possa imaginar e podem ressuscitar a si mesmos. Sim, um
Daimyo Esqueleto aniquilará seu grupo.
O final do livro tem, em duas páginas, o resumo de todas as regras, que é
completo, fácil de ler e bem-organizado. Jogadores que nunca tocaram em Ronin antes
podem pegar essa folha e pegar o jogo em minutos.
Impressões finais
Penando
que Ronin vem de Mörk Borg, em muitos aspectos ele é um exemplo perfeito de
como um jogo deve ser adaptado de um sistema existente. Ele tem os elementos
que você espera conhecer e amar, mas acrescenta diferença suficiente para que
seja reconhecível como algo próprio.
Todos
vão gostar de Ronin? Se você é fã de regras para cada detalhe e que nos obrigam
a revisitar o livro básico à cada dois minutos para decidir como agirm, provavelmente
não vai gostar. Ronin é um jogo de simplicidade e detalhes. Eu não quero deixar
você com a falsa impressão de que Ronin não é nada além de um moedor de carne
(desde que os dados cooperem). Há elementos suficientes, como o sistema de
Honra, Virtude e de Combate, para agradar e muito os jogadores. O ponto em
Ronin é como sobreviver em um mundo à beira do fim, onde a vida anda
literalmente sobre o fio da navalha e quando temos apenas nossa honra, história
pessoal e uma espada para nos guiar.
Corra
e apoie financiamento coletivo de Ronin (AQUI) e aproveite a emoção na ponta da
espada!
Nenhum comentário:
Postar um comentário