quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Urban Shadows 2ed - Resenha

Urban Shadows 2ed - Resenha

 

Alguns dias atrás iniciou o financiamento coletivo de Urban Shadows 2ed, que está sendo trazido ao Brasil pela Tria Editora. Esse é o típico RPG que muitos ansiavam e poucos acreditavam que realmente viria para o Brasil. A Tria conseguiu de novo e está trazendo esse querido para cá com toda a qualidade que eles colocam em todos os seus projetos... como por exemplo já disponibilizar o PDF pronto da obra assim que a meta básica do financiamento é atingida. Ou seja, Urban Shadows 2ed já está entre nós!

Com isso em mãos era óbvio que uma resenha tida que ser trazida... Então, aproveitem a leitura, participem do financiamento coletivo (LINK) e deleitem-se com esse RPG!

A visão de Urban Shadows sobre um terror fantástico ambientado em uma cidade cria uma teia complexa de relacionamentos e obrigações. Jogando como uma criatura da noite (vampiro, fada, lobisomem, etc.) ou como um investigador mortal com diversas nuances, este jogo irá provocá-lo com poder, ao mesmo tempo que o sobrecarrega com dívidas e ameaças. Embora tanto seus temas quanto a mecânica baseada em Powered by the Apocalypse se inspirem em fontes familiares, não há como negar o olhar apurado da Magpie Games para o foco e o layout da obra.


Antes de entrar nos detalhes da mecânica e da escrita, posso dizer que o livro básico em si tem muitos pontos positivos. Li a versão em PDF, com 322 páginas e um esquema de cores preto e roxo que exala estilo sem sacrificar a legibilidade. A variedade de cenários e personagens apresentados transmite uma atmosfera de terror urbano perfeita, que te coloca totalmente imerso no jogo.

O livro apresenta um sumário conciso, porém eficaz. Tanto o sumário quanto o índice ocupam uma única página, mas a variedade de tabelas no final do livro compensa isso de sobra. O Apêndice contém um conjunto de lembretes de regras de fácil leitura, Movimentos básicos e outros, lista de progressão do manual, diversos gatilhos específicos para uso do jogador ou do mestre, listas de itens e tags, equipamentos e tabelas aleatórias para geração de dados. Falta um resumo das regras básicas, que eu considero essencial para que o apêndice pareça completo, mas, como se trata de um jogo PBTA, quase tudo isso está contemplado nos próprios movimentos.

Mecanicamente e filosoficamente, este é um jogo Powered by the Apocalypse (PbtA), o que nos leva a discutir o significado dessa expressão e como ela afeta o design. Já joguei antes alguns jogos que usam a mecânica PbtA antes e é um sistema que me agrada muito. O nome é inspirado no Apocalypse World de D. Vincent Baker e esses jogos compartilham algumas mecânicas básicas, mas são principalmente regidos por princípios que definem a interação dos jogadores com o mundo e com o jogo.

Em sua essência, PBTA e Urban Shadows dividem suas mecânicas em Movimentos, que são semelhantes, mas distintos das perícias em outros jogos. Os personagens possuem quatro atributos que fornecem bônus e penalidades, e os Movimentos exigem que você role 2d6, adicionando ou subtraindo os atributos e os modificadores apropriados. Resultados de 1 a 6 é uma falha, seguindo o "princípio do avanço após a falha", segundo o qual as falhas sempre impulsionam a trama. De 7 a 9 é um sucesso parcial, no qual você obtém êxito com alguma complicação para o futuro. 10 ou mais é um sucesso absoluto, sem nenhuma desvantagem ao personagem do jogador.


A diferença entre PBTA e RPGs "tradicionais" reside no foco narrativo, evidenciado pelos Movimentos. Os Movimentos diferem das perícias em alguns aspectos sutis, porém cruciais. Eles não representam áreas amplas de conhecimento, mas sim tipos específicos de ações que um determinado personagem realizaria de forma consistente. Em vez de Intuição ou Empatia, Urban Shadows tem Sacar Alguém. Os Movimentos possuem gatilhos mais específicos para a narrativa, em vez de serem de aplicação geral, com listas de seus efeitos baseadas na sua rolagem. As regras gerais são muito simples, 2d6 + modificadores, mas se desdobram nos diversos Movimentos para você, sua facção, suas dívidas e a própria cidade.

O efeito disso nos jogos PBTA é o de decompor os muitos elementos que uma narrativa deveria conter em uma série de Movimentos predeterminados. Eles não possuem mecânicas que modelam uma situação, criando verossimilhança para os jogadores; em vez disso, os Movimentos fornecem uma narrativa focada que se constrói em torno desses Movimentos, criando um caminho mais guiado de como a narrativa irá prosseguir.

Isso é bom ou ruim? Depende das suas preferências pessoais como jogador, sua expectativa para a mesa e do grupo com o qual está jogando. Os benefícios são óbvios: o jogo é super fácil de aprender, com todas as opções bem à sua frente e uma história com tom e temas consistentes. Os jogos PBTA são estruturados diretamente em torno de um tema ou enredo específico, facilitando a condução do mestre e proporcionando interações procedurais baseadas nesses temas.


Embora esse foco seja o principal benefício, também é a principal desvantagem para algumas pessoas. Há pouca ou nenhuma variação mecânica, tudo o que você faz no jogo é realizar uma série de rolagens semelhantes... e para muitos jogadores isso é engessado demais. Particularmente, esse elemento é o que mais me agrada. O foco fica totalmente direcionado para a história.

Como exemplo, vou usar Avatar Legends, um dos lançamentos recentes da Magpie. Ele adapta Avatar sem praticamente nenhuma mecânica ligada à dobra em si. Em vez disso, o interesse do jogo reside na tensão entre o senso de equilíbrio dos personagens diante de ideais conflitantes e como isso afeta sua saúde mental e seus relacionamentos pessoais. Ele dispensa regras de combate complexas sobre dobra, com quase nada relacionado à característica mais singular e interessante do cenário. Assim, seu sistema de combate, e na verdade a maioria das regras e Movimentos, são construídos em torno da manutenção ou perda desse equilíbrio. Amo!

Quanto à fluidez do texto, os autores deste livro tiveram o cuidado de manter o texto conciso e de fácil leitura. Os conceitos raramente ocupam mais de uma página ou duas, e os conceitos gerais são resumidos em breves introduções com termos em negrito.

Como jogador, tudo o que você realmente precisa é de um guia para saber como criar seu personagem e entrar no jogo. Os Manuais [ou Playbooks] funcionam como classes/arquétipos gerais que definem os objetivos, métodos e características gerais do seu personagem. O design do manual é um ótimo recurso, economizando muito esforço para dar início ao jogo. Um detalhe a se levar em consideração é que em algumas ocasiões, há muito texto na página, que às vezes modifica outros movimentos anteriores ou posteriores... então entender rapidamente suas capacidades pode ser um tanto difícil. Tudo se resume a essas descrições longas e complexas. Mas pelo menos elas estão ali, bem na sua frente.


Esses manuais, assim como algumas partes do livro, são um pouco prolixos. Aprender a diferença entre um Caçador e um Juramentado exige uma análise minuciosa dos movimentos, porque o parágrafo explicativo no topo da página tem muita atmosfera, mas pouca informação prática – mas nada que impeça o jogo. Alguns tópicos seriam mais eficazes e dariam mais liberdade do que esses parágrafos de prosa. Isso também se reflete nos Movimentos (e acho que é o caso da maioria dos PbtAs), com nomes temáticos que podem obscurecer numa primeira olhada sua função real. Atravessar paredes é “Parede? Que Parede?”. Ao mesmo tempo isso concede um charme especial e temático para eles.

Explicar a mecânica não é complicado: basta calcular 2d6 + modificadores em três conjuntos de valores. Aliás, todas as regras são assim. São bastante concisas, fáceis de aprender, mas um pouco dispersas devido à grande quantidade de explicações. Dito isso, o Apêndice é um recurso tão valioso para (a maioria) dessas regras que muitos jogadores não precisarão se aprofundar no texto para aprender o jogo.

Quanto à criação de personagens, a maioria das decisões é tomada automaticamente pelos manuais. Os nomes são temáticos. Há momentos em que você precisa consultar conceitos do livro, como os componentes das magias do Mago, mas na maior parte do tempo tudo o que você precisa está contido na própria ficha.


Os Manuais incluem: o Desperto(investigador mortal desperto para a verdade), o Feérico, Caçador (que trabalha com uma sociedade de caçadores semelhantes), Diabrete, Oráculo, Espectro (com traumas/âncoras especiais), Juramentado (defensores da ordem, trabalhando com um poder superior), Maculado (possuído), Sanguessuga, Veterano, Mago e Lobo. Se você sempre quis jogar uma campanha de Mundo das Trevas com várias raças sem precisar aprender todas as regras extras, aqui está a solução. Tudo em um único pacote!

Os Manuais possuem seus próprios movimentos e desvantagens, todos bem integrados aos seus conceitos gerais, além de gatilhos especiais de Corrupção. Poderosa, porém perigosa, a Corrupção recompensa e pune sua ambição simultaneamente. Ao se deixar levar demais pela escuridão, seja ignorando laços mortais para lidar com o sobrenatural ou sofrendo de aflições sombrias, você ganhará habilidades especiais por estar marcado pela Corrupção, mas se aproximará cada vez mais da perda definitiva do seu personagem e de vê-lo transformado em um NPC antagonista.


A outra característica principal do personagem está relacionada aos Círculos e ao seu lugar no cenário e nas estruturas de poder do jogo.

Os Círculos são esferas gerais de poder, contendo suas próprias facções e esquemas. Cada personagem possui Status nos quatro Círculos de Mortalis (humanos conscientes do sobrenatural), Noite (criaturas das trevas como vampiros ou fantasmas), Poder (aqueles que obtiveram poder por meio de acordos ou pesquisas) e Limiar (fadas e demônios). Ganhar Status em um Círculo diminui o Status em outro, forçando você a escolher onde construir e sacrificar relacionamentos.

Sua interação com os Círculos e suas facções é dividida em Movimentos, no nível do Círculo ou da Cidade, dependendo do seu Status. A mecânica de jogo proposta consiste em aventuras que lhe concedem mais poder, o qual desbloqueia novos movimentos que lhe permitem participar do jogo maior de acumular poder por toda a cidade.

As dinâmicas de facção acontecem ao longo do tempo, nas quais as facções de NPCs respondem a você ou umas às outras. É uma ferramenta útil para ensinar novos mestres a conduzir uma história. Isso guiará o desenvolvimento orgânico à medida que as facções reagem às ações dos personagens e constroem uma cidade viva. As facções têm poucas estatísticas, o que é uma vantagem. Elas não precisam ser complexas. Este é um conjunto de notas de referência, não um NPC de combate.

A mecânica de dívidas permite negociar e gerenciar obrigações com diversas partes. Como você pode ver abaixo, elas têm grande importância, tanto em termos de mecânica quanto de narrativa, influenciando o jogo maior “dos tronos”, ou, neste caso, das cadeiras do conselho municipal.


O combate é muito simples e limitado. Você tem apenas 5 PV, na prática, e pode sofrer uma das Cicatrizes (dano permanente de atributo) para evitar dano. As Cicatrizes representam momentos cruciais e sérios para o seu personagem. No fim das contas, como o livro afirma explicitamente, é muito difícil matar um personagem. Existem apenas 4 tipos de armas, mas esse não é o foco do jogo. Seu personagem só deve morrer se você assim o decidir, como parte da narrativa, e não como uma consequência natural do perigo do combate.

O livro se complementa com alguns exemplos de cenários e conselhos generosos para o Mestre. Embora bem-vindos, não os considero particularmente necessários. Urban Shadows é tão bom em criar a experiência de jogo pretendida que você pode não precisar de ajuda para criá-la.

Um PBTA atinge seu potencial máximo relativamente rápido, mas essa é a intenção. Em vez de um jogo de Vampiro que dura quatro anos e te leva de um Neófito a Príncipe, Urban Shadows se desenvolve mais rapidamente, com menos progressão mecânica. Todo esse desenvolvimento está ligado a momentos narrativos importantes. Há menos rolagens de dados e subidas de nível em PBTA porque elas são construídas para pontuar desenvolvimentos narrativos específicos. O jogo faz isso bem, e a única questão para você é se você aprecia a maneira como ele aborda e incentiva esses desenvolvimentos.

Finalizando, Urban Shadows 2ª Edição é um jogo de terror/fantasia focado, que permite explorar as consequências da busca e obtenção de poder, sobrecarregado por dívidas e necessidades em seus relacionamentos. Possui todo o foco típico de jogos de tabuleiro com temática de terror, sendo um dos melhores exemplos do subgênero.

Comentário final... Corre e participe do financiamento coletivo agora!

[Resenha adaptada das resenhas de Gamingtrend e Gamingtavern]