Debatendo regras:
NP em Mutantes e
Malfeitores
Um
debate que é recorrente e que tenho certeza que muitos de vocês, que jogam
Mutantes e Malfeitores, já fizeram alguma vez – qual a importância do Nível de
Poder (NP) para as aventuras.
Primeiro
vamos recapitular o que vem a ser o NP. O Nível de Poder seria uma convenção,
dentro do sistema, para identificar o limite dos poderes e de algumas
características que os personagens usam em determinada aventura. Esse NP é
determinado pelo mestre graduando assim, o grau de dificuldade que será
apresentado e cobrado aos personagens dos jogadores e possibilitando que não
hajam discrepâncias exageradas.
A
sua função é muito simples – manter um nível de dificuldade que não torne a
aventura nem muito fácil, nem muito difícil. Seu uso obriga que os jogadores
criem seus personagens dentro de certos parâmetros (apresentados no Módulo
Básico, página 24) de duas formas. Primeiro não ultrapassando um total de
Pontos de Poder para criação do personagem, total esse determinado pelo NP da
aventura. Em segundo, não ultrapassando certos limites para muitas das
características do personagem – habilidades, salvamento, perícias, nível do
poder, ataque etc. Sua importância não pode ser menosprezada, correndo o risco
de que uma ótima aventura ou campanha se torne insossa ou impossível.
Mas
até que ponto a utilização do NP é importante? Isso é que vamos debater aqui e
já adianto que não chegaremos à uma resposta conclusiva. Tudo dependerá do que
vocês – mestres e jogadores – esperam do seu jogo.
Por que usar?
A
função do NP é muito importante, pois possibilita um equilíbrio interessante e,
muitas vezes, necessário. Ninguém gosta de logo na primeira situação
desafiadora ver seu personagem perecer ao enfrentar um adversário complicado
demais. Imagine você como, com seu personagem recém criado, ainda descobrindo
como usar seus poderes, dando de cara com o Hulk, e morrendo diante do primeiro
soco do monstro esmeralda. Seria frustrante.
Da
mesma forma o NP serve para que as aventuras não se tornem desinteressantes e
anêmicas. É igualmente frustrante passar sessões e sessões derrotando os
desafios com um ou dois ataques e sem nunca se sentir ameaçado.
O
NP serve para que sanemos isso, deixando o desafio como protagonista do RPG, e
suas vitórias, ou mesmo as derrotas, como ponto alto das sessões.
Outra
função muito importante, ao meu ver, principalmente nos dias de hoje, com essa
nova geração de rpgístas, é obrigá-los a construir personagens dentro de um
certo grau de realidade. Um problema muito grande que temos hoje em dia é a
incômoda mania que novos rpgístas possuem de sempre tentar criar um PC mais
overpower que o anterior, com dúzias de combos e infinitas possibilidades de
ser invencível. A estranha mania que eles possuem de não querer ver seu
personagem morrer, ou mesmo de ver seu personagem ser o ‘mais’ importante e
maravilhoso dentre todos, é um problema recorrente e o uso do NP sana isso.
Os
benefícios são grandes, mas principalmente dois. Primeiro, doutrina os
jogadores em se preocuparem com o equilíbrio, em detrimento do ego. Em segundo,
exercita a capacidade dos jogadores de racionalizarem tanto a construção do PC
como a sua utilização dentro das muitas possibilidades do sistema e de sua
mecânica.
Ao
mesmo tempo, para o mestre, é importante, pois facilita sua função de levar a
sessão sem grandes discrepâncias e disparidades, possibilitando que ele planeje
antecipadamente os passos que a aventura seguirá, deixando pronto de ante-mão
encontros, personagens, capítulos ou outra forma qualquer que ele se valha para
levar cronologicamente a aventura.
Já
joguei muitas aventuras que, com um ótimo mestre (Drux) e com o uso do NP, tive
anos (sim anos) de muita diversão em uma mesma campanha de M&M.
Por que não usar?
Não
existe uma razão para não usar o NP, mas sim um conceito de aventura. Eu sempre
fui adepto das aventuras as mais realistas possíveis. Realistas em que sentido
em M&M? Realistas no sentido de que nem sempre encontramos desafios
condizentes com a nossa capacidade de enfrentá-los.
Muitas
vezes ao dobrar uma esquina, esperando enfrentar um mero capanga, podemos, por
que não, dar de cara com o maquiavélico chefe, o boss, o vilão da aventura?
Enfrentar um desafio muito maior do que nossa capacidade é um elemento que
deveria ser apresentado aos grupos.
Essa
situação díspar acrescenta um novo nível de diversão às sessões de M&M. O
grupo terá que encontrar uma forma de fugir, ponderando a situação limite em
que se encontram, ou poderão tentar, ultrapassando todos os desafios e
problemas, superar o desafio. Claro que podem simplesmente morrer
miseravelmente.
Mas
o que importa é que “dar de cara” com uma situação que está além de suas
possibilidades trás um elemento muito interessante para as aventuras – o
elemento da escolha, da ponderação.
Logo
de cara, em qualquer sistema, ou na grande maioria deles, sempre que um grupo
de jogadores encontra um ou vários adversários ele já sabe de antemão que no
mínimo este é um desafio possível. O grupo sabe que na grande maioria das vezes
aquele desafio poderá ser ultrapassado e que o mestre sempre coloca uma ou mais
formas e possibilidades de o matar. Isso é quase que um direcionamento. Para
alguns isso é apenas um amontoado de situação que inevitavelmente levarão à um
crescimento do nível do jogador. Como eu já disse, isso ajuda em muito o
mestre, mas para mim ainda é chato e pode muito bem tornar uma aventura
enfadonha se nas mãos de um mestre sem grande habilidade narrativa e de
construção de enredo.
Em
uma aventura sem o uso do NP como limitante, os jogadores vão se deparar com os
desafios e nunca saberão se são meros capangas ou algum tipo de boss. A dúvida
imperará antes de qualquer ação e isso trará uma emoção que sei que a grande
maioria ainda não experimentou. Os PCs terão maior liberdade ainda, uma
liberdade real, uma liberdade vívida, a liberdade de poderem morrem à qualquer
passo em falso. Os jogadores terão de se esquivar de combates, fugir de
adversários, superar limites inimagináveis, em última análise, terão de suar
sangue para avançar na campanha.
Essa
situação sempre me atraiu muito e posso dizer que meus melhores momentos no
mundo do RPG foram dentro desta incerteza, mesmo nas mortes foram memoráveis e
extremamente apreciadas. Muitos torcem o nariz para essa alternativa, pois
temos enraizada aquela noção de que a diversão está associada diretamente ao
sucesso, à vitória, à superação dos outros. Posso dizer, ou acredito, que essa
seja apenas uma das possibilidades de diversão, e não podemos de forma alguma
restringir tudo apenas à esta concepção.
Falando
agora exclusivamente do uso do NP na criação do personagem, isso pode ser
revisto também. Mas aqui temos que ter um cuidado maior. Como já disse,
sofremos de um mal nos últimos tempos de que os PCs têm de ser “o máximo”, eles
têm de conseguir superar qualquer um, eles têm de ser os melhores. Para muitos,
a construção de um personagem é apenas a oportunidade de mostrar ao outros como
o jogador é bom e como ele consegue criar um personagem indestrutível e
imbatível. A obrigatoriedade do NP foi criada por causa desses estranhos
jogadores.
Caso
venhamos a desconsiderar os limites impostos pelo NP para a criação dos
personagens, é imperativo que comecemos com uma verdadeira doutrinação com os
jogadores. A criação de um personagem deveria, deve, seguir um conceito, uma
forma de agir, deve deixar de ser uma criação pelo simples ímpeto de ser ‘perfeito’.
Todas as vezes que experimentei isso, tanto como mestre como jogador, a
conversa e o debate entre o grupo ajudava muito. Isso fazia com que a prévia da
sessão em si fosse tão divertida quanto o jogo propriamente dito.
Para
que esta modalidade funcione é preciso que o jogador veja o personagem como uma
forma de vivenciar algo e não apenas uma desculpa para vencer, vencer e vencer.
Ele precisa perceber que um belo background e um personagem ‘único’ valem mais
que mil vitórias sem sentido.
A questão das adaptações
As
adaptações são um capítulo à parte quando falamos sobre NP. Quando adaptamos
qualquer personagem de qualquer origem – cinema, quadrinho, literatura ou game –
temos que ter claro que ele não tem a pretensão de ser minimamente coerente
dentro das mecânicas do RPG. Nosso desejo de adaptá-lo é o único elemento que o
liga ao RPG.
Tendo
isso claro nos resta uma pergunta. O que pretendemos com a adaptação –
fidelidade ao personagem em si ou fidelidade o sistema em questão?
Para
essa pergunta também não uma resposta correta. Para mim, e esta é uma visão
muito pessoal, as adaptações necessitam ser fiéis ao personagem. Como eu já
tenho a minha visão peculiar com relação ao NP, como externei neste pequeno
artigo, não me é difícil fazer as adaptações meramente com relação ao
personagem. O M&M é um RPG de super-heróis e dentro deste universo o que
menos temos é coerência e equilíbrio. Seria impossível imaginar que seria
possível montar um personagem seguindo regras que proporcionem equilíbrio. Não
que seja impossível montar uma adaptação dentro deste ou daquele NP, mas nunca
será nem parecido com o personagem que lemos ou assistimos. Não acredita? Faça
a experiência e experimente adaptar um personagem de sua escolha com e sem
limites de NP.
Isso
acontece, como disse, pois estamos tentando transportar um personagem de um
universo próprio para o RPG. Não é uma falha do sistema ou mesmo do RPG, muito
menos do personagem... Podemos dizer que é apenas uma peculiaridade.
Como
tudo neste artigo isso ainda é uma questão de conceito e entendimento
próprio...
Por fim, um alerta
Depois
de tudo isso pode ter ficado a errônea idéia de que as regras de nada servem em
M&M ou que elas podem ser mudadas ao seu bel prazer. Claro que não! As
regras de mecânica do sistema, da mecânica do funcionamento dos poderes,
perícias, feitos, combate e tudo mais em si são fundamentais e de nada servirão
se forem jogadas para o alto.
O
debate que propus aqui, sobre o elemento limitador do NP, é um pequeno detalhe no
que diz respeito à forma de condução do jogo dentro de um cenário de M&M.
Mesmo essa minha preferência funciona apenas quando em comum acordo com todos
os membros do grupo e com muitas ressalvas.
Lembrem
que da mesma forma que a liberdade expressa por mim aqui tende a proporcionar
um ótimo jogo com uma experiência sensacional, também pode proporcionar um
trágico desfecho.
Meu
conselho? Experimente aos poucos e com cuidado. Converse com seu grupo e crie
situações para testá-la. Para todos aqueles que não vêem o RPG de forma
radical, será uma ótima oportunidade para testar algo que tenho certeza que
agradará. Essa dica pode servir tanto para M&M como para outros tantos
sistemas que são jogados todos os dias.
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