sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Debatendo Regras: o uso do Nível de Poder em Mutantes & Malfeitores


Debatendo regras:
NP em Mutantes e Malfeitores

Um debate que é recorrente e que tenho certeza que muitos de vocês, que jogam Mutantes e Malfeitores, já fizeram alguma vez – qual a importância do Nível de Poder (NP) para as aventuras.

Primeiro vamos recapitular o que vem a ser o NP. O Nível de Poder seria uma convenção, dentro do sistema, para identificar o limite dos poderes e de algumas características que os personagens usam em determinada aventura. Esse NP é determinado pelo mestre graduando assim, o grau de dificuldade que será apresentado e cobrado aos personagens dos jogadores e possibilitando que não hajam discrepâncias exageradas.


A sua função é muito simples – manter um nível de dificuldade que não torne a aventura nem muito fácil, nem muito difícil. Seu uso obriga que os jogadores criem seus personagens dentro de certos parâmetros (apresentados no Módulo Básico, página 24) de duas formas. Primeiro não ultrapassando um total de Pontos de Poder para criação do personagem, total esse determinado pelo NP da aventura. Em segundo, não ultrapassando certos limites para muitas das características do personagem – habilidades, salvamento, perícias, nível do poder, ataque etc. Sua importância não pode ser menosprezada, correndo o risco de que uma ótima aventura ou campanha se torne insossa ou impossível.

Mas até que ponto a utilização do NP é importante? Isso é que vamos debater aqui e já adianto que não chegaremos à uma resposta conclusiva. Tudo dependerá do que vocês – mestres e jogadores – esperam do seu jogo.

Por que usar?
A função do NP é muito importante, pois possibilita um equilíbrio interessante e, muitas vezes, necessário. Ninguém gosta de logo na primeira situação desafiadora ver seu personagem perecer ao enfrentar um adversário complicado demais. Imagine você como, com seu personagem recém criado, ainda descobrindo como usar seus poderes, dando de cara com o Hulk, e morrendo diante do primeiro soco do monstro esmeralda. Seria frustrante.

Da mesma forma o NP serve para que as aventuras não se tornem desinteressantes e anêmicas. É igualmente frustrante passar sessões e sessões derrotando os desafios com um ou dois ataques e sem nunca se sentir ameaçado.

O NP serve para que sanemos isso, deixando o desafio como protagonista do RPG, e suas vitórias, ou mesmo as derrotas, como ponto alto das sessões.


Outra função muito importante, ao meu ver, principalmente nos dias de hoje, com essa nova geração de rpgístas, é obrigá-los a construir personagens dentro de um certo grau de realidade. Um problema muito grande que temos hoje em dia é a incômoda mania que novos rpgístas possuem de sempre tentar criar um PC mais overpower que o anterior, com dúzias de combos e infinitas possibilidades de ser invencível. A estranha mania que eles possuem de não querer ver seu personagem morrer, ou mesmo de ver seu personagem ser o ‘mais’ importante e maravilhoso dentre todos, é um problema recorrente e o uso do NP sana isso.

Os benefícios são grandes, mas principalmente dois. Primeiro, doutrina os jogadores em se preocuparem com o equilíbrio, em detrimento do ego. Em segundo, exercita a capacidade dos jogadores de racionalizarem tanto a construção do PC como a sua utilização dentro das muitas possibilidades do sistema e de sua mecânica.

Ao mesmo tempo, para o mestre, é importante, pois facilita sua função de levar a sessão sem grandes discrepâncias e disparidades, possibilitando que ele planeje antecipadamente os passos que a aventura seguirá, deixando pronto de ante-mão encontros, personagens, capítulos ou outra forma qualquer que ele se valha para levar cronologicamente a aventura.

Já joguei muitas aventuras que, com um ótimo mestre (Drux) e com o uso do NP, tive anos (sim anos) de muita diversão em uma mesma campanha de M&M.

Por que não usar?
Não existe uma razão para não usar o NP, mas sim um conceito de aventura. Eu sempre fui adepto das aventuras as mais realistas possíveis. Realistas em que sentido em M&M? Realistas no sentido de que nem sempre encontramos desafios condizentes com a nossa capacidade de enfrentá-los.

Muitas vezes ao dobrar uma esquina, esperando enfrentar um mero capanga, podemos, por que não, dar de cara com o maquiavélico chefe, o boss, o vilão da aventura? Enfrentar um desafio muito maior do que nossa capacidade é um elemento que deveria ser apresentado aos grupos.

Essa situação díspar acrescenta um novo nível de diversão às sessões de M&M. O grupo terá que encontrar uma forma de fugir, ponderando a situação limite em que se encontram, ou poderão tentar, ultrapassando todos os desafios e problemas, superar o desafio. Claro que podem simplesmente morrer miseravelmente.

Mas o que importa é que “dar de cara” com uma situação que está além de suas possibilidades trás um elemento muito interessante para as aventuras – o elemento da escolha, da ponderação.


Logo de cara, em qualquer sistema, ou na grande maioria deles, sempre que um grupo de jogadores encontra um ou vários adversários ele já sabe de antemão que no mínimo este é um desafio possível. O grupo sabe que na grande maioria das vezes aquele desafio poderá ser ultrapassado e que o mestre sempre coloca uma ou mais formas e possibilidades de o matar. Isso é quase que um direcionamento. Para alguns isso é apenas um amontoado de situação que inevitavelmente levarão à um crescimento do nível do jogador. Como eu já disse, isso ajuda em muito o mestre, mas para mim ainda é chato e pode muito bem tornar uma aventura enfadonha se nas mãos de um mestre sem grande habilidade narrativa e de construção de enredo.

Em uma aventura sem o uso do NP como limitante, os jogadores vão se deparar com os desafios e nunca saberão se são meros capangas ou algum tipo de boss. A dúvida imperará antes de qualquer ação e isso trará uma emoção que sei que a grande maioria ainda não experimentou. Os PCs terão maior liberdade ainda, uma liberdade real, uma liberdade vívida, a liberdade de poderem morrem à qualquer passo em falso. Os jogadores terão de se esquivar de combates, fugir de adversários, superar limites inimagináveis, em última análise, terão de suar sangue para avançar na campanha.

Essa situação sempre me atraiu muito e posso dizer que meus melhores momentos no mundo do RPG foram dentro desta incerteza, mesmo nas mortes foram memoráveis e extremamente apreciadas. Muitos torcem o nariz para essa alternativa, pois temos enraizada aquela noção de que a diversão está associada diretamente ao sucesso, à vitória, à superação dos outros. Posso dizer, ou acredito, que essa seja apenas uma das possibilidades de diversão, e não podemos de forma alguma restringir tudo apenas à esta concepção.

Falando agora exclusivamente do uso do NP na criação do personagem, isso pode ser revisto também. Mas aqui temos que ter um cuidado maior. Como já disse, sofremos de um mal nos últimos tempos de que os PCs têm de ser “o máximo”, eles têm de conseguir superar qualquer um, eles têm de ser os melhores. Para muitos, a construção de um personagem é apenas a oportunidade de mostrar ao outros como o jogador é bom e como ele consegue criar um personagem indestrutível e imbatível. A obrigatoriedade do NP foi criada por causa desses estranhos jogadores.


Caso venhamos a desconsiderar os limites impostos pelo NP para a criação dos personagens, é imperativo que comecemos com uma verdadeira doutrinação com os jogadores. A criação de um personagem deveria, deve, seguir um conceito, uma forma de agir, deve deixar de ser uma criação pelo simples ímpeto de ser ‘perfeito’. Todas as vezes que experimentei isso, tanto como mestre como jogador, a conversa e o debate entre o grupo ajudava muito. Isso fazia com que a prévia da sessão em si fosse tão divertida quanto o jogo propriamente dito.

Para que esta modalidade funcione é preciso que o jogador veja o personagem como uma forma de vivenciar algo e não apenas uma desculpa para vencer, vencer e vencer. Ele precisa perceber que um belo background e um personagem ‘único’ valem mais que mil vitórias sem sentido.

A questão das adaptações
As adaptações são um capítulo à parte quando falamos sobre NP. Quando adaptamos qualquer personagem de qualquer origem – cinema, quadrinho, literatura ou game – temos que ter claro que ele não tem a pretensão de ser minimamente coerente dentro das mecânicas do RPG. Nosso desejo de adaptá-lo é o único elemento que o liga ao RPG.

Tendo isso claro nos resta uma pergunta. O que pretendemos com a adaptação – fidelidade ao personagem em si ou fidelidade o sistema em questão?

Para essa pergunta também não uma resposta correta. Para mim, e esta é uma visão muito pessoal, as adaptações necessitam ser fiéis ao personagem. Como eu já tenho a minha visão peculiar com relação ao NP, como externei neste pequeno artigo, não me é difícil fazer as adaptações meramente com relação ao personagem. O M&M é um RPG de super-heróis e dentro deste universo o que menos temos é coerência e equilíbrio. Seria impossível imaginar que seria possível montar um personagem seguindo regras que proporcionem equilíbrio. Não que seja impossível montar uma adaptação dentro deste ou daquele NP, mas nunca será nem parecido com o personagem que lemos ou assistimos. Não acredita? Faça a experiência e experimente adaptar um personagem de sua escolha com e sem limites de NP.

Isso acontece, como disse, pois estamos tentando transportar um personagem de um universo próprio para o RPG. Não é uma falha do sistema ou mesmo do RPG, muito menos do personagem... Podemos dizer que é apenas uma peculiaridade.

Como tudo neste artigo isso ainda é uma questão de conceito e entendimento próprio...


Por fim, um alerta
Depois de tudo isso pode ter ficado a errônea idéia de que as regras de nada servem em M&M ou que elas podem ser mudadas ao seu bel prazer. Claro que não! As regras de mecânica do sistema, da mecânica do funcionamento dos poderes, perícias, feitos, combate e tudo mais em si são fundamentais e de nada servirão se forem jogadas para o alto.

O debate que propus aqui, sobre o elemento limitador do NP, é um pequeno detalhe no que diz respeito à forma de condução do jogo dentro de um cenário de M&M. Mesmo essa minha preferência funciona apenas quando em comum acordo com todos os membros do grupo e com muitas ressalvas.

Lembrem que da mesma forma que a liberdade expressa por mim aqui tende a proporcionar um ótimo jogo com uma experiência sensacional, também pode proporcionar um trágico desfecho.

Meu conselho? Experimente aos poucos e com cuidado. Converse com seu grupo e crie situações para testá-la. Para todos aqueles que não vêem o RPG de forma radical, será uma ótima oportunidade para testar algo que tenho certeza que agradará. Essa dica pode servir tanto para M&M como para outros tantos sistemas que são jogados todos os dias.


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