Encontros Aleatórios
- role com moderação –
Uma
das perguntas que mais escuto de mestres novatos é quando e como usar as tão
faladas tabelas de encontros aleatórios.
Há uma receita? Há uma média? Há um formato conforme o sistema? As questões são
muitas.
Para
quem não sabe do que estou falando, o encontro
aleatório é uma ferramenta de jogo muito popular na grande maioria dos
sistemas de RPGs tradicionais. Basicamente ele consiste em um valor de
probabilidade de um personagem, ou grupo de personagens, se deparar com algum
perigo “inesperado”. O grau da probabilidade do encontro é determinado por
inúmeras variáveis: sistema de jogo, o nível (se utilizado) dos personagens, o
grau de dificuldade da aventura, o cenário onde a aventura se passa, além de vários
outros possíveis. Se o encontro for confirmando o grau de dificuldade surge
para os heróis sob a forma de uma tabela com diversos tipos e periculosidades
de oponentes. Tudo decidido, em última análise, pela rolagem do dado. Isso é
uma explicação curta e fria do que seriam os encontros aleatórios. Normalmente
esses encontros pretendem simular o perigo que os personagens passam ao estarem
em determinados locais (meio de florestas, dungeons, áreas perigosas em uma
cidade, planeta estranho etc).
Há
algum debate sobre a validade, importância e uso dos encontros aleatórios. Para
alguns lhes falta realismo. Outros vão mais longe e dizem que servem apenas
para ocupar o tempo dos jogadores. Para outro tanto são um subterfúgio para que
os jogadores acumulem experiência e moedas e terem condição de completar as
quests.
Historicamente
os encontros aleatórios surgiram com a primeira edição de Dungeon &
Dragons. Poderíamos imaginar que sua criação foi pensada desde o início com a
mecânica que possuem atualmente. Não. A concepção do jogo criado por Gygax, com
a possibilidade inovadora para a época - interação dos personagens com NPCs e
com o ambiente - transformou o jogo em uma caça à riquezas como mote onde os
jogadores perdiam infindável tempo revirando cada ‘cômodo’ antes de seguir para
o que realmente interessava. Uma verdadeira caça aos tesouros. Não tenho
certeza da veracidade dos dados, mas em um fórum de fora que debatia a história
da mecânica do RPG em seus primórdios, dizia-se que originalmente os jogadores
gastavam cerca de três quartos do tempo do jogo na exploração de cada fresta
por onde passassem para conseguirem riquezas que posteriormente seriam trocadas
por melhores equipamentos, armas e armaduras, e apenas um quarto do tempo era gasto
em ação de fato proposta pela aventura. Isso deixava o jogo arrastado e lento e
era considerado uma falha na mecânica. A saída de Gygax foi dar um
empurrãozinho na movimentação dos jogadores. Os encontros aleatórios deveriam
ocorrer à cada dez minutos de tempo de jogo. Com isso o tempo gasto para
‘benefício’ dos jogadores teria um pedágio proporcionalmente alto, com uma
curva de periculosidade que deveria fazer os jogadores pensarem duas vezes
antes de decidir o que fazer. Com o tempo os encontros aleatórios foram
ocupando uma cadeira cativa nas mecânicas das mais variadas naturezas de
sistemas de RPG, enquanto sua importância e relevância em jogo foram sendo
alteradas. Hoje eles são quase que uma etapa obrigatória do jogo.
Como
eu vejo os encontros aleatórios? Eles são uma ferramenta, como muitas coisas em
RPG, mas que devem ser usados com uma razão específica, sempre subordinado à
aventura e nunca como uma regra fria que tem de ser usada, e principalmente,
requerendo preparo e cuidado do mestre. Com razão a utilizações dos encontros
aleatórios pode afastar os jogadores da sensação de imersão pelas situações que
pode criar. Um dos argumentos dos seus defensores é que em um mundo de
fantasia, seja medieval seja futurista, o perigo ronda à cada canto ermo do
ambiente, espreitando vítimas descuidadas. Por mais que isso seja ‘verdade’, os
dados podem nos pregar peças não por sua aleatoriedade, mas devido à uma tabela
construída sem muitos critérios, podendo criar situações onde o perigo rolado cause
estranheza ao grupo de jogadores. Críticos dos encontros se sustentam que de
nada adianta apenas lotar os espaços vazios entre as cenas com esses combates,
é preciso que os jogadores acreditem no perigo, mas dentro dos parâmetros da
aventura.
Particularmente
minha preocupação se divide em dois pontos: função e lógica. Como eu disse
antes, os encontros aleatórios são uma ferramenta (ao meu ver válida) dentro da
mecânica de muitos sistemas, cuja função é gerar pontos de tensão ou conflito determinados
pelas características do cenário. Até aqui perfeito. Se esses encontros
aleatórios têm a função de emular a periculosidade de uma área em um cenário,
espera-se que, por lógica, isso seja encadeado de forma consistente não só ao
cenário, mas também à aventura. Os encontros aleatórios não podem ser
simplesmente um meio de manter os jogadores ativos, nem de preencher o tempo e
muito menos de apenas gerar experiência e renda.
Qual
a melhor maneira de usarmos os encontros aleatórios, então? Baseando-me nos
dois pontos que indiquei anteriormente – função e lógica – podemos facilmente alinhavar
algumas poucas diretrizes.
A
principal delas é fazer com que esses encontros aleatórios não se banalizem na
aventura. Use-os quando realmente eles puderem acrescentar algo à história. Não
precisamos rolar essas tabelas à cada hora de jogo ou à cada quinhentos metros
andado em meio à uma floresta. Se não tomarmos esse cuidado corremos o risco de
nossa sessão parecer um episódio do Animal Planet com toda a espécie de animais
ferozes, monstros e criaturas atacando o grupo. Depois do segundo combate
desnecessário isso se torna irreal e maçante.
Esse erro é muito cometido por mestres e grupos novatos. Para o mestre é
uma segurança para que o jogo continue sempre em movimento. Para os novatos,
que estão se familiarizando com o RPG, pode parecer emocionante no início, mas
depois de algum tempo será enfadonho.
Outra
dica é fazer suas próprias tabelas de encontros. Não me venha dizer que isso é
difícil ou cansativo. A maioria dos principais sistemas de RPG tradicionais
disponibilizam dezenas, quem sabe centenas, de fichas de animais e criaturas.
Como mestre, perca algum tempo montando tabelas conforme os locais que o grupo visitará
na sessão sempre imaginando como isso se encaixará na história da aventura. Use
o bom senso e a lógica para isso. Não pense apenas no impacto da periculosidade
ou fama de alguns monstros ou criaturas. Pense bem se aquele dragão vermelho ou
mesmo aquele tarrasque estariam ali para infernizar os jogadores! Por mais
perigosa que seja uma localidade, cidade ou masmorra, é impensado que alguns
seres, mesmo estando nas tabelas pré-prontas, apareçam para o grupo.
Outra
dica é deixar de lado a repetição de encontros. Caso seja ‘muito’ necessária a
realização de mais de um encontro aleatório em uma determinada cena, tome o
cuidado para não repetir exaustivamente as mesmas criaturas ou monstros por
mais que a rolagem dos dados indique isso – ou corremos o risco dos jogadores
acharem que temos uma superpopulação ali! Existem muitas outras maneiras de
manter os jogadores preocupados e atentos.
Outra
coisa a se pensar é nas idas e vindas dos personagens. Principalmente em
dungeons e castelos os personagens acabam perambulando por corredores e
cavernas passando mais de uma vez pelo mesmo lugar. Já me deparei com mestres
que à cada vez que o grupo voltava em determinado lugar ele rolava sua preciosa
tabela de encontros aleatórios. Meu amigo, isso é irreal, além de ser
irritante. Use o bom senso. Não podemos imaginar centenas de seres convivendo
pacificamente nesses corredores apenas esperando para atacar os personagens em
levas organizadas (só mesmo no antigo Dungeon Keeper isso acontecia... e era
divertido). O grupo passou por determinado lugar e venceu as criaturas da
tabela que você rolou? Aceite e supere isso e cria outras maneiras de
infernizar os jogadores em suas andanças.
Tendo
isso claro percebe-se que por mais que existam infinidades de tabelas prontas
para esses encontros aleatórios, espalhadas por outra infinidade de manuais e
suplementos, nenhuma delas se encaixará tão bem quanto aquela que for criada
pelo mestre pensando exatamente na aventura na qual será usada e no ponto
específico dessa aventura que pretende que seja usada. Tudo isso visando a
diversão.
A
primeira reação de alguns leitores poderá ser a descrença pela dificuldade de
produzir algo assim. Não vou mentir – é sim trabalhoso. Mas, ao mesmo tempo, se
o mestre pretende exercer sua função de forma plena, garantindo a diversão de
seus jogadores em uma aventura crível, esse trabalho valerá à pena. Use como
medida a diversão que você pretende proporcionar aos jogadores e você não
errará e nem se arrependerá!
Bom
jogos!!