Usando enigmas e charadas
em
aventuras de RPG
“Tenho rios
sem água,
florestas sem
árvores,
montanhas sem
pedras
cidades sem
casas.
Quem sou?”
Depois
de um tempinho sem postar (motivos pessoais) eis que volto com umas dicas muito
interessantes pescadas na rede – enigmas. Nem sempre precisamos (ou podemos)
simplesmente chutar uma porta ou uns traseiros para entrar em um local proibido
ou restrito ou para conseguir uma boa informação. Muitas vezes essa passagem
pode ser trabalhada um pouco mais, seja pelo mestre e seus NPCs, seja pelo
personagem sendo desafiado. Conseguir ir adiante, sem ter que destruir,
derrubar ou matar, pode ser muito mais vantajoso, divertido ou mesmo rentável
(em pontos de experiência).
Para
tudo isso enigmas ou charadas são muito uteis. Lembro de uma sessão de O senhor
dos Anéis RPG, em seu sistema CODA, mestrada pelo Ian (um amigo de longa data)
em que eu estava atuando como um mago. Lá pelas tantas em Bree, eu e meus
colegas tínhamos que passar por certas provas que estavam sendo realizadas para
escolher um grupo de aventureiros para escoltarem uma caravana. Haviam todos os
tipos de provas e para mim sobrou um simples enigma com algumas moedas postas
sobre uma folha de papel. Confesso que não me lembro hoje em dia do que se
tratava (já se passam pelo menos uns dezessete anos. Lembro que falhei no
teste, mas foi uma das coisas mais divertidas pelas quais o nosso grupo passou.
O
que é um enigma? Por definição enigma
(charada usado como sinônimo) é algo ou alguma coisa de difícil compreensão ou
definição, caracterizado por ser metafórico ou ambíguo. Esses enigmas podem ir
desde perguntas sobre algo dito em uma frase ou texto, ou perguntas sobre algo
físico como mover peças, até mesmo algo físico sem nenhuma informação que o
grupo deverá adivinhar como fazer.
Os
enigmas e charadas são elementos que possuem uma peculiaridade que os tornam
únicos na mesa de RPG. Eles quebram a mecânica... eles rasgam as fichas em
pedaços... eles riem da sua cara. Quando jogamos uma boa sessão de RPG da
maioria dos sistemas tradicionais nos acostumamos a deixar a ficha quase que
jogar por nós, embora gastemos um bom tempo e esforço interpretando nosso
personagem. Preciso fazer algo? Jogue os dados. Preciso lembrar um nome? Jogue
os dados. Quero tentar atingir alguém com um golpe? Jogue os dados. Tento
interpretar um mapa? Jogue os dados.
Enigmas
e charadas, se bem utilizados, fazem com que mesclemos nosso personagem com o
que sabemos como jogadores. Eles nos obrigam a pensar, não mais por meio de
nossa ficha, mas além dela, pela nossa própria cabeça de jogador. Com isso
somos levados à uma nova sensação que nos desnuda frente à um desafio. Nem
ficha, nem dados nos ajudarão. Estamos dependentes de inteligência,
perspicácia, raciocínio e lógica. E isso é maravilhoso.
Os
jogadores são verdadeiramente desafiados. Não adianta olhar para as fichas ou
para o rosto do mestre que estampa um sorriso enigmático de satisfação. Cabe
apenas ao jogador, quem sabe, se possível e permitido, com ajuda dos colegas de
aventura, passar pela prova. Neste momento o futuro do grupo está dependendo de
você... sem ficha... sem nada.
Dicas
Mas
não basta simplesmente jogar os enigmas e charadas na frente dos jogadores e
deixar eles se desesperarem. O mestre tem que ter claro quais usar, como usar,
quando usar e em qual quantidade. Trago algumas dicas uteis.
Nível do
Enigma:
muito cuidado com isto. Como tudo em RPG a intenção do mestre não pode ser
simplesmente criar uma barreira intransponível. O fim deve ser sempre a
diversão. Use (ou crie) enigmas possíveis. Se mais fácil ou mais difícil, isso
é muito relativo, pois é quase impossível determinarmos se o jogadores (ou o
grupo) conseguirão decifrá-lo. Muitas vezes somos surpreendidos com jogadores
falhando em enigmas que nos parecem simples, mas temos que usar um pouco de bom
senso (e muito cuidado) e tentar adequar o enigma ao grupo. Mas um ‘porém’ é
importante aqui... o enigma deve desafiar o jogador
e não o personagem. Não pense no enigma para o personagem que possui uma ficha
com baixa ou alta inteligência (ou outro grau qualquer que mensure isso), pense
no enigma para pessoa por detrás da ficha. Isso sim criará um interessante e
divertido desafio.
Dicas: muitos
enigmas já trazem em si as dicas para sua resolução, dicas estas percebidas
pela lógica de quem o lê. Mas nada impede que o mestre distribua auxílios ou
dicas ao longo da sessão ou campanha. Mas seja esperto e faça isso de forma
sutil. Não jogue na cara dos jogadores (“isso
é uma dica para algo importante no futuro...”). A resposta para um dado
enigma é “árvore”? Faça com que eles estejam tentando achar essa resposta para
abrir uma passagem secreta dentro de uma árvore, ou que tenham pego um
pergaminho importante uma ou duas sessões atrás com o timbre de um árvore ou
mesmo que tenham encontrado aquele anel mágico com aquela árvore talhada nele.
Lembrem que dicas são possíveis, mas não são fundamentais.
Tema: use enigmas
condizentes com o tema do jogo. Se estão jogando uma aventura de fantasia
medieval não me venha com enigmas com termos e elementos modernos (pessoas
famosas, equipamentos eletrônicos, etc). Use termos que sejam comuns ao
universo do cenário. Não é por desafiarmos os jogadores que precisamos acabar com a imersão ao cenário. Isso
mantém o jogador dentro do cenário, embora ele esteja sendo desafiado ao invés
de sua ficha.
Quando usar: não comece a
colocar um enigma à cada esquina que o grupo dobre. Assim como armadilhas em
uma dungeon, enigmas possuem uma linha tênue entre o maravilhoso e o enfadonho.
Embora não exista uma fórmula exata de quantos usar, como mestre você conhecer
seu grupo de jogadores e deve ter alguma percepção da quantidade ideal para
agradá-los. Enigmas, como qualquer elemento em uma aventura, devem ser pensados
e pesados para serem colocados no lugar ideal, que os tornem significativos. Muito
provavelmente não haverá um enigma para abrir o armário de armas da milícia da
vila, mas poderá haver um para abrir o armário de pergaminhos e tomos na loja
de magia ou na sala real.
Pesquise bem: com o advento
da conectividade não há desculpe nem barreira de idioma para que o mestre não
pesquise enigmas e charadas dos mais diferentes tipos e naturezas. Junte um
considerável banco de dados com várias opções. Em algum momento elas poderão
ser usadas. O importante saber é que enigmas, principalmente para grupos
regulares de jogadores, têm vida útil de apenas um uso, assim você precisa de
muitas e muitas.
E se não
conseguirem resolver?
Esta é uma pergunta que todo mestre se faz quando em usar enigmas. Isso é possível
e provável mais vezes do que possamos imaginar. Como não temos como criar uma
relação entre dificuldade e possibilidade de resolução frente à qualquer grupo,
é impossível sabermos de antemão se os jogadores conseguirão elucidá-lo. Aqui o
mestre deve ter jogo de cintura. Se o grupo
se empolgar com a dificuldade leve o problema adiante com o enigma quase
como uma quest e faça-os ir atrás da resolução. Nada muito longo – pesquisa na
vila próxima, questionar o ancião do templo que conhece histórias antigas e
esquecidas, vasculhar a biblioteca de algum lugar. Lógico que ninguém encontrará,
rabiscado em um pergaminho, “resposta: árvore”. Mas é uma boa oportunidade para
dar uma ou duas dicas ao grupo. Mas se o
grupo não for muito afeito à este tipo de elemento, facilite as coisas.
Essa facilidade pode ser por alguma dica que o mestre jogue à eles ou mesmo
alguma artimanha do ladino... ou mesmo a solução da força bruta.
Reviravolta: nada melhor
do que surpreender os jogadores. Faça-os achar a resposta de um enigma antes
deles o encontrarem. Então, quando eles chegam ao momento de usá-lo... nada
acontece! Enigmas podem ser mudados, principalmente se para acesso à lugares ou
coisas. Nada impede que um enigma seja alterado. Este é um ótimo momento para o
grupo dar dois passos para trás e retornar na história na tentativa de encontrar
a resposta ou dicas ou simplesmente tentar decifrá-lo.
Usos
Cada
lugar terá uma natureza de enigma própria. Veja abaixo algumas dicas de uso:
Guildas
de magos ou ladrões são lugares ótimos para isso. Nestes ambientes os enigmas
não serão incomuns, principalmente para aposentos particulares ou áreas com
objetos preciosos. O que for relacionado com magos normalmente é representado
por enigmas orais – jogos de palavras ou charadas. Uma placa ou inscrição na porta.
Já com ladinos os enigmas tendem a ser físicos no sentido de movimentar peças
ou objetos – mover trincos em uma determinada ordem ou mover peças em um
sentido respondendo à uma pergunta. Mas não podemos imaginar magos ou ladrões
gastando muito tempo para entrar em seu próprio quarto. Nesses dois casos
devemos ter respostas rápidas, mas que mudarão de tempos em tempos. Já para o
acesso à uma área restrita mas comum, o enigma tende a ser muito mais
elaborado.
A guarda da cidade possui um
capitão excêntrico – ele gosta de enigmas. Por isso, para dar acesso à
determinadas zonas do quartel, ele periodicamente inventa enigmas para testar
os guardas ou outras pessoas para ganharem acesso. Um ótimo momento para jogo
de palavras.
A taverna pode ser muito mais
do um local para beber e dormir. Imaginem o grupo sendo desafiado para uma
disputa de enigmas por um velho e aposentado bardo local, onde o prêmio será o
contrato para a aventura de suas vidas. Faça os jogadores se prepararem
procurando eles mesmos algumas adivinhações. Estabeleça algumas regras e
realmente faça o torneio mestre x jogadores. Estabeleça um clima de festa na
taverna com torcidas, use algum método de contagem de tempo (um ampulheta será
o máximo) e comece o torneio. Se os jogadores vencerem lhes conceda a honra do
contrato. Se os jogadores empatarem com o velho bardo, ele reconhecerá seu
valor e também os contratará. E se os jogadores perderem o bardo pode
estabelecer uma nova disputa no dia seguinte (próxima sessão) ou os mandar em
uma aventura menor para testar suas reais qualidades. Por tudo isso, eu sugiro
que isso seja feito ao final de uma campanha ou sessão. Peça anteriormente (dias
antes ou sessões antes) ao grupo para procurar seus enigmas, mas sem revelar o
porquê. Faça a disputa ao final de uma jornada e mesmo que eles falhem, ficará
o suspense para a próxima sessão onde vencendo ou falhando irão para a aventura
estabelecida pelo velho bardo.
O uso de enigmas sempre foi
algo muito apreciado por nobres e intelectuais. Um grupo de aventureiros pode
ser desafiado por seu anfitrião em solucionar um enigma para receber um
benefício ou informação.
Exemplos de enigmas
-
Acima de uma porta selada há a inscrição “os olhos são o espelho da alma”. No
ambiente há alguns espelhos. Um deles reflete alguns objetos fora de ordem. A
porta só se abrirá se os objetos forem dispostos na posição correta segundo o
reflexo. Para dificultar ainda mais, ela só se abrirá se alguém permanecer em
frente ao espelho.
-
Faça o grupo encontrar um poema ou texto. Cada primeira letra de cada palavra do
texto cria a resposta para ser escrita em um pergaminho mágico que abrirá uma
porta.
-
Uma balança está à frente de um golen gigantesco que guarda uma porta. Ele está
com a mão estendida. Ao lado da balança estão doze moedas com inscrições de 1 à
12. Quando os jogadores tentarem dar uma (ou várias) moeda ao golen ele dirá – “apenas
uma é a correta... este é o último aviso”. Se os jogadores forem perspicazes
eles perceberão que deve haver apenas uma moeda diferente, mais leve ou mais
pesada... qual será?
-
O grupo achou um diário de batalhas históricas. Ao longo do corredor, que leva
à uma porta selada magicamente, há uma série de quadros com batalhas com suas
legendas. As batalhas estão com um dos quadros fora da ordem cronológica. A
porta só se abrirá quando os quadros forem colocados em ordem e para isso o
grupo terá que consultar o diário.
-
Cinco moedas dispostas sobre um tabuleiro. Seu arranjo correto libera a
passagem para o interior do templo. Três moedas grandes e duas moedas pequenas,
dispostas alternadamente (G-P-G-P-G) e encostadas umas nas outras em linha. As
regras estão descritas ao lado do tabuleiro: Em cinco movimentos as moedas
devem ser deslizadas, não recolhidas , duas
moedas adjacentes (sempre de tipos diferentes) devem ser movidas a cada vez, pelo
menos um do par movido deve tocar uma terceira moeda após o movimento, as
moedas movidas não devem mudar sua posição – esquerda/direita - para orientação
(por exemplo, G-P deve ser não virado para P-G). Ao final elas devem estar
agrupadas com todas as grandes de um lado e todas as pequenas do outro.
-
Um viajante chega a uma bifurcação na estrada que leva a duas aldeias. Numa aldeia
as pessoas sempre dizem mentiras, e na outra aldeia as pessoas sempre dizem a
verdade. O Viajante precisa realizar negócios na aldeia onde todos dizem a
verdade. Há um homem de uma das duas aldeias em frente a bifurcação, mas não há
nenhuma indicação de qual aldeia ele é. O viajante se aproxima do homem e faz
uma pergunta. Depois de ouvir a resposta, ele sabe qual caminho seguir. O
que o viajante perguntou?
Nota: resposta do enigma do topo da página - o mapa.