terça-feira, 11 de novembro de 2008

Diário de um Escudeiro - 14

Vigésimo segundo dia de Cyd de 1392.

A chuva não cessa. Ontem passamos o dia inteiro em marcha lenta tentando vencer o lamaçal que se formou. Nosso passo foi tão lento que não conseguimos chegar às estalagens que meu mestre pretendia. Tivemos de passar a noite numa caverna – pelo menos estávamos secos. Até conseguimos acender uma pequena fogueira.

O humor de Sir Constant estava tão negro quanto aqueles últimos dias. Aos poucos vou conhecendo-o melhor. Ele não é do tipo que gosta de passar necessidades ou carências. O chão duro de uma caverna lhe é um martírio. Ele é mais afeito à camas macias e lençóis de cetim. Eu já cresci sempre em meio às maravilhas de mãe Allihanna e muitas vezes estranhava mais a cama macia do que o chão duro.

De qualquer forma ele não pode ser recriminado. O que sei eu sobre a vida comparado a um cavaleiro de Khalmyr? Nada, com certeza nada.

Hoje o dia amanheceu ensolarado. É uma diferença e tanto. O ambiente até parece mais hospitaleiro. Consigo agora enxergar bem mais longe nas grandes planícies de Yuden. Mas ao mesmo tempo consigo perceber mais facilmente onde nossa “escolta” está. Pelo que Sir Constant comentou ele tomam muito cuidado com todo o estranho que adentra em suas terras. E na verdade eles só ficam torcendo para que cometamos um erro e para poderem tomar providências.

Quando já estava anoitecendo vislumbramos luzes ao longe. Era o indicativo de um vilarejo. Sir Constant pediu-me que esperasse onde estava e galopou em direção à nosso permanentes acompanhantes. Voltou minutos depois.

“- Vamos garoto. Hoje passaremos a noite numa cama e não ao relento”.

“- Não chegaremos lá muito tarde senhor?”

“- Sim, por isso fui avisar aqueles animais que estávamos nos dirigindo para lá assim mesmo” – ele disse essas palavras escarrando para um dos lados.

“- Eles se acham muito importantes, a ponto de se acharem no direito de fiscalizar por onde vamos e a que horas. É um absurdo!”

- Mas se o senhor não concorda por que foi lá avisar?”

Ele não respondeu nada, apenas me olhou com o canto dos olhos e começou a trotear. Tenho certeza de que ele não gostou da minha pergunta.

O vilarejo parecia igual aos outros. Mas tudo em tons de cinza. Parecia um desenho em que falta se colorir.

Eles nos levaram até uma taverna sem nome. Falaram algumas palavras com o proprietário e nos indicaram que entrássemos. Ninguém trocou uma só palavra conosco embora ficassem nos encarando fixamente. O constrangimento é impossível de se evitar. Tentei comer o mais rápido possível e corri para meus aposentos. Só quero dormir e sair logo daqui amanhã.