O
estranho preconceito dos
adeptos do RPG
Uma
noção que sempre tive era de que os adeptos do RPG eram, em sua maioria,
pessoas bem resolvidas, de mente aberta e sempre prontos para as novidades. Por
muito tempo tivemos, principalmente em nossos primeiros anos de caminhada deste
hobby pelo Brasil e pelo mundo, que enfrentar os rótulos de ‘estranhos’, o
estereótipo de nerds recalcados e a alcunha de adoradores das forças ocultas.
Não foram poucas as vezes que notamos as caras de espanto ou de desprezo de
parentes, pais e amigos quando contávamos de nosso gosto pelo RPG. Toda a
geração inicial do RPG no Brasil se lembra disso.
Como
jogador de RPG, não que isso me faça (ou nos faça) melhor do que os outros, mas
sempre dei importância para as novidades, para o inovador, para o ímpar. O
mesmo sentido de inovação foi o que possibilitou que o RPG evoluísse e
desenvolve-se numa prática agora sem barreiras e com tatos adeptos.
Por
tudo isso acho muito estranho que dentro do próprio segmentos dos rpgístas
exista tanto preconceito enrustido. Tenho percebido isso nos últimos tempos não
em vários segmentos do imaginário e dos gostos que dividimos.
De
uns tempos para cá a escolha de certos sistemas têm sido quase que um dogma
religioso. Existem grupo que não podem nem ouvir falar deste ou daquele sistema
que se armam até os dentes e partem para o combate dos ‘infiéis’. Essa atitude
existia nos primórdios dos anos noventa, mas pelo menos os debates eram mais
maduros e embasados em questões conceituais. O tripé GURPS-AD&D-VAMPIRO
rendia bons e divertidos debates sobre o porquê de este ser melhor do que
aquele e pior do que aquele outro.
Mas
as redes sociais, fóruns e sites nos mostram uma atitude muito diferente de
tempos para cá. Ou você curte tal sistema ou é inimigo. Ou compartilha tal
opinião ou não serve para ser do ‘nosso’ grupo.
Ok,
sei que isso é um reflexo da sociedade atual, mas, repetindo o que disse no
início, achei que os adeptos do RPG não passariam por esse fenômeno. Não que
sejamos superiores, mas por toda a nossa história.
Outra
coisa que me chamou a atenção foram as reações exacerbadas de muitos ‘nerds’ de
plantão e neófitos com certos conceitos de que se adonaram. Um grande exemplo
disso foram as reações desse grupo sobre os zumbis.
Foi
impressionante a reação deste ‘seleto’ grupo de ‘entendedores e formadores de
opinião’ quando foi lançado o trailer do filme “Meu namorado é um zumbi”,
dirigido por Jonathan Levine e que estreia este ano. Para quem não sabe nada
sobre o filme ele é baseado na obra literária “Warn Bodies”, de Issac Marion e
lançado pela editora Leya no Brasil, onde ele mostra o mundo pelos olhos de um
zumbi que acaba se apaixonando por uma garota. Na minha época isso se chamava sátira.
Mas para esse grupo de ‘entendedores’ é uma afronta ao conceito tão adorado e
venerado por eles.
Nas
redes sociais tivemos todo o tipo de comentário pejorativo mesmo sem o filme
ter sido lançado. Muitos nem devem ter lido o livro. As justificativas pela
desaprovação eram das mais hilárias, para não dizer deprimentes. Diziam que
isso iria acabar com a visão séria sobre o assunto, que isso era uma afronta e
uma gozação com aquilo que adoravam, que todos deviam boicotar o filme. Se
dependesse desses entendedores revistas como “Mad” e os filmes teatralizados do
grupo Monty Python nunca teriam saído do chão. Ou será que nerd não pode rir?
Outro
exemplo foi com a Saga Crepúsculo e seu conceito de Vampiro. Nunca vi tantos
comentários que iam do maldoso ao impublicável simplesmente por que uma autora
teve a ‘audácia’ de ter uma ideia diferente do conceito ‘comum’ sobre o tema.
Esquecem que, não importando a forma de usar o conceito, autoras como Stephen
Meyer ou J.K. Rowling foram as responsáveis por um enorme incentivo à leitura e
à criação de uma grande massa de novos leitores. Ou será que isso não importa
se não for Tolkien ou George Martin?
Esses
grupos de novos nerds (se é que posso chamar assim) simplesmente se adonaram de
conceitos e acham que possuem sua patente. Não quero parecer defensor deste ou
daquele conceito. Quero é repudiar a atitude que, se me lembro bem, foi um
problema que tanto rpgístas quanto nerds sofreram muito. Eles agem como se tudo
o que é publicado de literatura fantástica ou novos sistemas de RPG fossem uma
das sete maravilhas do mundo. Agem como se fossem a palavra final da qualidade
de qualquer tipo de produção artística. Agem como se fossem os visionários que
acham que são.
De
onde veio tudo isso? Muito foi de uma noção equivocada de que os ‘nerds’, e
dentro deste grupo os rpgístas, fossem eruditos ou sofisticados. Sempre
percebemos das vantagens e qualidades do RPG, meu tema principal, e assuntos
afins para: se aprender uma nova língua (quando traduzíamos livros e mais
livros importados); para incentivar leituras e pesquisa que temas que nos agradava
ou que desejamos usar em nossas campanhas; para liberar a imaginação de formas
que nem imaginávamos. Por isso e por muito mais nos víamos, e passamos a ser
vistos pelos outros, como intelectualizados, eruditos, sofisticados e tantas
outras alcunhas.
Em
resumo... esses conceitos subiram à cabeça de muitos, principalmente a geração
mais nova que já chegou com nosso espaço conquistado e não passou por muito do
que nós tivemos de passar.
A
inovação, o diferente, o novo, essas noções foram justamente as maiores e mais
importantes alavancas que transformaram o que o RPG é hoje.
Essa
postura equivocada deve ser repudiada e abolida. Essas errôneas concepções
foram os alvos de nossa luta por muito tempo. E justamente esta luta foi o que
possibilitou que desenvolvêssemos tanto o RPG, a literatura fantástica e tantos
outros segmentos afins. Não podemos confundir nossa preferência com uma
ditadura maniqueísta do certo e errado. Incentivar o novo sempre foi a melhor
forma de chegarmos ao desenvolvimento.