A mulher depreciada no RPG...
...ou o caso da semana nas redes sociais
É
impressionante, mas o RPG parece um chamariz para polêmicas... Então quero
tentar analisar isso da forma mais fria e direta possível.
O Fato
Houve
a postagem de uma foto em uma fanpage no Facebook sobre RPG. A foto mostrava
(veja abaixo) um pingente de um dado de vinte faces sobre o busto de uma moça
com os dizeres “Quem disse que RPG e mulher não combina?” Isso bastou ... foi
como acender o pavio de um barril de pólvora dentro de um paiol repleto de
pólvora! As reações foram quase que imediatas e pipocaram por muitos cantos das
rede sociais da comunidade rpgística.
Sim, um horror
Uma
coisa que tenho batido na tecla à algum tempo e que tenho recebido um feedback
positivo é de que a comunidade rpgística não é tão ‘legal’ e ‘superior’ quanto
muitos pensam ou gostam de alardear. Vinte e tantos anos trás a imagem que
tínhamos da comunidade rpgística (pequena, é verdade) era de que seus
componentes, deslocados das convenções socialmente aceitas, tinham, com sua
experiência de vida, assimilado uma série de valores que os faziam mais
agregadores, receptivos, abertos.
Mas
isso não livrou a comunidade dos ‘idiotas’, que na verdade não eram tão poucos
assim. O que deveria ser uma construção para pessoas melhores, virou o
contrário. Muitos membros da comunidade rpgística (e nerd, por que não), usava
da desvalorização dos que estavam de fora como forma para se valorizarem como
grupo (algo sociologicamente compreensível). Quem nunca ouviu, na época, piadas
e comentários maldosos e depreciativos sobre todos os que estavam de fora do ‘círculo
nerd’? E nisso as meninas também eram alvo. O grupo de rpgistas (e nerds) por
muito tempo se tornou recluso e fechado por escolha própria, ao contrário do
que muitos pensam ainda.
Meus
caros, os tempos são outros e as coisas só pioram. Ser nerd virou modinha. Ser
rpgísta, gamer, colecionador de actions figures ou quadrinhos, jogador de
boardgame, tudo isso virou modinha. A comunidade de rpgistas (e afins) cresceu
por conta disso e não por que perceberam os benefícios de liberdade da
imaginação de que os jogos de contar história trazem. Com isso criamos um
enorme amálgama de pessoas de todos os tipos, valores e visões de mundo. E como
de costume as coisas ruins ou dispensáveis são aquelas que acabam perdurando e
prevalecendo quando os grupos crescem.
Hoje
ser rpgístas (e nerd), com tudo o que foi apresentado acima por mim, foi
acrescido de alguns elementos peculiares. Temos agora pessoas (e grupos) em
eternos conflitos de egos alimentados nem sei pelo que. A competitividade
doentia, seja por sistema, por forma de mestrar, por cenário, não importa, tudo
é motivo para competição acirrada e estrelismo. Unam isso ao que já tínhamos e
vocês terão o perfil do rpgísta/nerd de hoje...
Com
isso é imperativo que tomemos uma posição clara e firma contra casos que acabem
por denegrir a imagem não do que somos, mas a imagem do que desejamos para o
RPG (e por que não para toda a comunidade nerd). Nestas quase três décadas de
envolvimento com RPG já fiz muitas inimizades por desejar ver o RPG além do
simples hobby e tentar trazer algo à mais para ele.
A
postagem em questão foi no mínimo mal encaminhada pelo texto colocado junto,
pois deixou no ar apenas uma conotação sexual. Mas, de qualquer forma é um reflexo
dos nossos adorados ‘rpgistas’. Não esqueçam que estamos no Brasil... um lugar
que é racista por mais que digam que nossa cultura multi-racial ultrapassou
esta barreira... um lugar que é machista por mais que digam que aqui todos são
iguais... um lugar que vê a mulher como objeto por mais que jurem de pés juntos
que não... um lugar que é preconceituoso por mais que existam campanhas contra
bullying... um lugar onde os rpgístas são reflexo da sociedade por mais que
digam que ‘eles’ são os caras... um lugar, enfim, igual à todos os outros.
Tenho
uma filha e a estou trazendo para o RPG aos poucos e vejo com muita preocupação
esse caso. Não gostaria de a ter em um grupo de rpgístas e nerds de hoje, por
mais que eu faça parte desta comunidade.
Não, nem tanto
assim
Mas,
e sempre existe um ‘mas’ em tudo, vamos fazer o papel de advogado do diabo. Realmente,
quando eu vi a imagem ontem, não a achei ‘tão’ ofensiva assim... no máximo de mal
gosto. Nem percebi uma intenção tão clara de depreciar a mulher. O que mais me
preocupou foram os comentários feitos na postagem. Mas de qualquer forma ela
poderia ter passado batida que não teria feito diferença. Mas não.
Uma
coisa que tenho percebido, e acredito que não sou o único, é que qualquer coisa
hoje em dia, ainda mais no meio rpgista/nerd, vira motivo para debate e
polêmica. E sempre acalorada e passional. Se você curtiu a foto em questão
todos te taxam de segregador ou de machista. Se você criticou a foto é porque
você não tem visão aberta para uma piada bem feita. É tudo preto e branco.
Muitos berros e pouquíssima análise de verdade.
Isso
acaba nos remetendo à primeira parte do meu texto. É resultado do mesmo tipo de
‘pessoa’ que integra a comunidade de hoje. Quando eu ingressei nesse mundo
maravilhoso de rpgs (e coisas afins) eu tinha uma visão apaixonada que esse era
o caminho para uma liberdade de ‘pré’conceitos, uma possibilidade de vermos
todo o espectro de cores em tudo o que fôssemos debater, estudar, ler e criar.
Imaginava que isso levaria à muitos debates fortemente embasados e sustentados
por argumentos bem estudados. Ilusão... enveredamos por um caminho que na
verdade é simplesmente ‘mais do mesmo’.
o O o
Sou plenamente favorável à qualquer campanha de inclusão ou tolerância no RPG, mas no
final das contas este caso todo é triste e decepcionante, embora seja um indicativo de
para onde vamos!