Sim, e...
- Improvisação no RPG -
Uma
das coisas que mais desafiam os mestres de RPGs é a improvisação. Não importa o
quanto de atenção e esmero o mestre tenha colocado na preparação de sua
aventura, a beleza da liberdade de ação que o RPG proporciona aos seus
jogadores invariavelmente o leva para situações que ele não está preparado ou mesmo
que ele sequer tenha imaginado. Trocar de rota, matar um NPC imprescindível,
salvar o vilão, beber aquela poção suspeita ou, muitas vezes, coisas ainda mais
simples. É loucura imaginar que o mestre pode imaginar tudo, passo a passo, de
antemão.
Quando
isso acontece o mestre só tem uma alternativa – improvisação. Tudo pode dar
erradamente certo em uma sessão de RPG graças ao inesperado e saber como sair
desta armadilha espontaneamente criada pelos jogadores possui vários caminhos. Mas
a improvisação vai além disso, principalmente em debates atuais. Para muitos a
improvisação vem do desenvolvimento constante da cena em que os jogadores estão
inseridos. O mestre não precisa que seus jogadores atuem como instrumentos que
conscientemente mudam o eixo da história para ter a iniciativa da improvisação.
Improvisação seria o uso de cada oportunidade, estimulada pelos jogadores e ou
por circunstâncias de jogo, que possibilitem acrescentar elementos à história,
a melhorando.
Quero
começar confessando que não existe uma fórmula correta, tampouco fácil, para
solucionar o momento em que o mestre é pego no contrapé. E isso já começa por um
debate que não vem de hoje entre preparo
prévio x espontaneidade como
ficou claro no parágrafo anterior.
Com
propriedade David Nooman, designe da terceira e quarta edições de D&D, diz
em um artigo na saudosa Dragon Magazine que “preparar-se para improvisar soa
como uma contradição em termos, mas eles são dois lados da mesma moeda”. Para
Nooman a preparação é a palavra chave e pode ser sim a saída para um mestre em
apuros quando vê sua aventura mudar de rumo. Por
outro lado, e uma tendência cada vez mais crescente no meio rpgistico, como em
artigos de Shawn Ellsworth, temos a visão de que a boa improvisação conta com a
participação narrativa dos jogadores com o mestre servindo como um instigador e
moderador de oportunidades.
Existe
a fórmula certa? Não, o que existe é a fórmula adequada para seu grupo, sua
aventura, e sempre com a intenção de proporcionar um bom e divertido jogo. Eu
particularmente prefiro um viés mais participativo trazendo o grupo de
jogadores para a posição de contar a história junto com o mestre. Mas uma
preparação tem sim sua importância.
Improvisação planejada
Nooman
coloca muito de sua improvisação dentro de um quadro de controle do mestre.
Devemos ter certos elementos já pensados para que tenhamos facilidade e
sobretudo rapidez na resposta às ações dos jogadores. Em seu artigo ele centra sua
preocupação com a improvisação sobre questões que os jogadores podem levantar
na mesa e que não precisam ser pensadas no momento. Qual o nome do taberneiro,
quantas lojas de armas têm na vila, qual a floresta mais próxima ou mesmo o
sobrenome da família que controla a cidade. São questões para as quais a
preparação prévia pode sim ajudar.
Ele
apresenta um método de anotações tal qual uma cola escola presa ao escudo do
mestre que confesso ser um pouco confusa, embora tenha seus pontos positivos. O
certo é que uma preparação prévia pode auxiliar em muito.
Algumas
questões são recorrentemente levantadas pelos jogadores em nossas mesas: nomes,
locais, caminhos, distâncias, valores etc. Listas abrangentes com nomes de
pessoas e locais, podem nos salvar naquele momento em que ficamos tentando
imaginar qual o raio do nome que um taverneiro em uma pequena vila teria. Ou
uma lista de nomes que serviriam para locais (se não tivermos um mapa
preparado) que podem nos salvar no momento de inventar um nome para o
desfiladeiro que fica ao norte da cidade e que os jogadores não precisarão
visitar.
Esse
tipo de preparação nos economiza tempo precioso para que não percamos o ritmo
da cena. Todos sabem o quanto é anticlimax parar uma cena para procurar
informações ou pesquisar dados. Ter algumas informações prontas à mão fazem a
diferença entre uma pausa desconcertante e enfadonha e uma continuidade
adequada. Essas informações podem abranger tudo aquilo que o mestre considere
importante para ajudá-lo na manutenção do ritmo da sessão.
Isto
é improvisação? Para alguns mestres, como Nooman, sim. E não deixa de estar
certo. Seria uma improvisação dirigida, primando pela manutenção da segurança
do mestre na condução de sua aventura. Mas esta é uma forma de improvisação que
centra-se no mestre. Embora os jogadores sejam os agentes que obrigam o mestre
em sair de sua zona de conforto e procurar auxílio em suas anotações, fugindo
da linearidade inicial, a improvisação inicia e termina no mestre. Não há muito
espaço para uma relação mútua de participação dos jogadores na construção da
aventura. Pode-se dizer que é uma alternativa mais conservadora, embora não
totalmente errada. Ela mantém os jogadores presos à um certo leque de
possibilidades de perguntas e repostas.
Participação e cooperação
Não
é de hoje que ouvimos e lemos expressões como jogo de contar histórias quando algo está se referindo ao RPG. A expressão
nunca esteve mais certa. Mesmo que seja uma história direcionada por um mestre,
o âmago está na emulação de personagens em situações e ambientes imaginários
onde sua vivência do todo vem da participação interpretativa dos jogadores e
sua relação com o meio (cenário).
Seguindo
esta noção a improvisação ganha um caráter complementar, ao mesmo tempo que
estimulante, frente aos seus participantes. O mestre tem o papel de, ao mesmo
tempo que conduz a aventura, trazer
para o jogo a visão dos participantes, improvisando dentro deste conjunto de
estímulos o cenário e as ações. Ou seja, há uma troca retroalimentativa (por
que não dizer dialética) entre mestre e jogadores em um vai e vem constante,
onde o objeto – a história – se constrói paulatinamente dentro de um
gerenciamento compartilhado.
Não
vou dizer que contrapondo-se a visão anteriormente apresentada, mas com uma
noção diferente, a improvisação é aqui vista como também a oportunidade de modificação
constante da história, valendo-se da participação dos jogadores. Ao mesmo tempo
que o mestre possa ser obrigado a improvisar devido à uma mudança que os
jogadores impõem ao eixo central da aventura, sua improvisação pode também ser
atuante em pequenos momentos, fragmentos de ações durante uma cena. Ambas
improvisações contam com a participação dos jogadores e sempre com o sentido de
melhorar a sensação da história que está sendo contada.
Uma
das regras para um desenvolvimento de uma aventura de RPG com uma improvisação
do mestre, baseada na participação e estímulo dos jogadores, pressupõe que o
mestre use cada vez menos o “NÃO”,
substituindo-o pelo “SIM, E...”.
Na
relação que estabelecemos, como mestres, com nossos jogadores, ainda existe o
claro imaginário de que o mestre é o chefe, o detentor da palavra final, o dono
do tomo das regras, o árbitro, o juiz... ou seja, o Mestre, com ‘m’ maiúsculo.
Um grande número de sistemas de RPG pressupõe a existência de um elemento
fazendo o papel de mestre como um árbitro entre ação e possibilidade, além de
condutor (no sentido de narrador) da aventura. Mas isso, que deveria ser uma
condição que possibilite o transcorrer do jogo, acaba por se tornar um estado
que pode representar poder. Como ferramenta para segurança deste mestre o ‘NÃO’
é eficaz ao extremo no que tange à manutenção da ordem programada por ele. Em
muitos casos isso não passa de uma possibilidade que o mestre faz uso para manter
o trem da aventura nos trilhos, visando chegar ao ponto final.
Dizer
um simples ‘não’ aos seu jogador quando este faz um questionamento é
extremamente castrador. O ‘não’ bloqueia a iniciativa inventiva de um jogador.
Se ele perguntar em meio à um combate avidamente planejado por você em um
ambiente fechado – mestre, há um lustre
para que eu possa me balançar e cair atrás dos oponentes? – normalmente um
‘não’ encerraria a questão, quebrando toda a ideia criada na mente do jogador.
Mas outra resposta – lustre não há, o que
existem são vigas que percorrem toda o amplo cômodo e que possibilitariam que
você chegue atrás dos seus adversários, mas não será uma tarefa fácil ou um
simples claro, por que não – dará
nova cor à cena, além de aproveitar uma contribuição do jogador. A improvisação
começa quando há aceitação das ideias, construindo assim algo novo, e não só
isso, mas ampliando-as. Por isso que o “SIM” é seguido de “E...”. O Mestre
apropria-se da ideia apresentada e improvisa sobre ela, criando algo realmente
novo e com a participação do jogador.
Essa
apropriação e ampliação da ideia não precisa ser esmiuçada e perfeita. Um
exagero em preciosismo pode tanto quebrar o ritmo compartilhado entre mestre e
jogadores quanto tornar-se chato. Não se preocupe em que a cena tem de ser
épica ou perfeita, repleta de detalhes únicos. Isso não é uma batalha sobre
quem propõe a melhor ideia ou uma demonstração de que o mestre é realmente
ótimo (lembra do que falamos anteriormente sobre mestres/poder?). O óbvio, o
feijão com arroz, é muitas vezes a alternativa correta e mais plausível. Uma
cena impactante para os jogadores é aquela cena que fica marcada em suas
memórias pela emoção e desenvolvimento, e não pelos floreios ou demonstração de
pedantismo.
É
preciso algum cuidado? Sim. As contribuições devem acrescentar à história ou à
ação e a improvisação deve saber como aproveitar esses apartes. O mestre tem um
papel de mediador para ponderar quando a contribuição acrescenta sem quebrar
desnecessariamente o ritmo ou eixo da aventura, mas mantendo sua mente sempre aberta.
É importante não entender errado. Não estou dizendo que de agora em diante
nenhum eixo de uma ventura será respeitado e à cada participação dos jogadores
tudo começa infinitamente do zero. A improvisação é uma ótima ferramenta para
sim manter um eixo central de uma aventura, apenas seguindo um novo percurso,
percurso este construído com auxílio dos jogadores. Esta mediação deve sempre
pensar no fim máximo do RPG - a diversão de todos.
Sua aventura ou nossa aventura?
Não
esqueça: o mestre não é onisciente. Ele não tem como prever tudo que acontecerá,
como seus jogadores agirão à cada momento, todas as perguntas que farão, todos
os locais e detalhes que procurarão, se estão se divertindo e principalmente,
se eles comprarão a sua oferta de aventura. É ilusão achar que se estará
preparado para tudo. A questão verdadeira é: como mestre, como você enfrentará
essa inevitável dificuldade?
Eu
acrescentaria à está pergunta mais uma que o mestre deve fazer-se
constantemente: a aventura que mestrarei é minha ou nossa aventura? Esta
questão pautará como o mestre encarará a questão da improvisação. Ela será mais
restrita ou participativa?
Uma
preparação prévia pode ser crucial para uma improvisação mais consistente e
divertida no momento necessário e, quem sabe, a chave para uma melhor forma de
trazer os jogadores para a construção da aventura. Perceba que não estou
dizendo que o mestre tenha que optar entre uma ou outra conforme suas respostas
à essas questões. Se analisarmos bem o que foi apresentado, ambas têm ótimos
elementos e podem sim serem usadas pelo mestre simultaneamente. Elas podem até
mesmo aparentar serem soluções para questões diferentes que surgem em nossas
mesas, mas não. Ambas são oportunidades apresentadas (saber apenas um nome ou
tomar uma ação de forma diferente) que, conforme a reação do mestre, transforma
uma aventura em algo cooperativo em maior ou menor escala.
Vamos
transformar todas as aventuras em nossas aventuras.