Material de Apoio - Navegação
O custo de um navio em Arton – realidade ou fantasia?
Nem sempre é fácil transpormos o tipo de análise, da feita no artigo anterior, para um cenário pronto como o de Arton. Nunca é demais lembrar que um cenário de rpg é uma fantasia. Até pode ser baseado (ou ter aspectos) na realidade, mas não necessariamente precisa ser fiel à realidade. Minha intenção, aqui, é dar mais possibilidades aos jogadores e contistas.
Uma das primeiras coisas que descobrimos sobre Arton é de que sua população não tem uma grande empatia com a vida no mar. No que diz respeito aos elementos centrais – as raízes das estórias e seus enredos – há uma enorme centralização na vida em terra. Desde os exércitos goblinóides de Arton-sul e sua movimentação rumo ao norte até os pontos de Tormenta salpicando hora aqui, hora ali, todas as aventuras centralizam-se em terra.
Em minha opinião particular, se não fossem as histórias da Holy Avenger, que introduziram a vida pirata, não teríamos elemento algum que nos direcionasse com mais ênfase para o mar. Para não dizer que a vida no mar foi totalmente esquecida há, claro, as referências históricas para a navegação em Bielefeld, seu contato com os nativos de Khubar e o ataque do rei-dragão Benthos.
Lógico que isto vale para o início do cenário. Com o desenvolvimento da história de Arton tudo ficou diferente. Lembrando até o que o Cassaro diz nas primeiras páginas do novíssimo 3D&T Alpha, os jogadores são insistentes (e persistentes) quando querem ou gostam de algo. E ninguém vai negar que toda a aura da vida no mar, aventuras dentro de enormes navios armados, pilhagens e pirataria ou aventuras de descobrimento em um convés sempre inundaram o imaginário dos rpgístas.
Então, com o tempo, as coisas mudaram. A crescente demanda nas mesas de jogo, nos fóruns e em conversas informais culminou com o lançamento de Piratas & Pistoleiros. Todo um suporte para personagens que vivessem da pirataria ou do mar (preparado para o cenário de Tormenta) estava ali - muito embora eu considere que este suplemento acabou saindo mais pela necessidade de ambientação do swashbuckler do que pelo amor à vida de maresia.
Mesmo com este lançamento não podiam fugir das diretrizes criadas pelos próprios autores ainda nos primórdios do cenário: a vida no mar era algo quase estranho ao modo de vida dos artonianos. Baseando-nos nisso podemos imaginar que tudo que tem relação com o mar e com seu suporte é raro, caro e escasso.
Vamos começar pelo navio em si. No último artigo desta série eu mostrei a enormidade de matéria-prima necessária para a produção do casco de uma única embarcação. Vamos levar em conta dois aspectos. Primeiro, de que as cidades costeiras do Reinado são num número bastante reduzido (claro que estou me baseando em informações recolhidas em revistas e obras de referência, o que pode ser bem diferente das ambientações que realizamos para nossas seções). Segundo, a pouca ligação dos artonianos com a vida no mar.
Estes dois aspectos já implicam numa produção mínima de navios. A produção da maioria das matérias-primas, necessárias para a criação de um navio, tem em Arton um volume muito pequeno. Essa dificuldade (ou desinteresse) de aquisição, aliada a baixa procura, encareceria em muito o valor final deles. Ora, não é qualquer ferreiro em uma cidadezinha costeira que teria como produzir milhares de pregos e cravos metálicos facilmente.
Procurando pelos valores dados em P&P uma nau sairia por cerca de 30000 peças de ouro (ainda abaixo em quase quarenta por cento dos dados históricos). Transpondo isso para um cenário com a conjuntura do Reinado é bem provável que o valor subiria consideravelmente, indo bem além dos apresentados no último artigo de quarenta e nove mil peças de ouro.
O raciocínio que faço é simples. Num ambiente sem a demanda para produção de frotas o valor seria quase absurdo. Lógico que estou me referindo à embarcações de grande porte. Isso não vale para veleiro e embarcações rápidas e pequenas para comércio. Assim as embarcações de grande porte seriam um privilégio de muito poucos.
Essas dificuldades só seriam superadas, num cenário destes, por um reino que tivesse interesse neste tipo de produção. Um reino poderia criar condições para formar uma insipiente indústria naval gerando formas para produzir e adquirir matérias-primas. Os recursos financeiros e mão-de-obra de que dispõem seriam o diferencial para isso.
Em suma, no que diz respeito à Arton, tudo relacionado à navegação é muito mais difícil. Seria muito mais lógico, então, que os navios e frotas fossem quase uma exclusividade de Tapista e do Reinado (centralizado em Deheon). Ao mesmo tempo poderíamos ter uma considerável quantidade de pequenas embarcações (muito provavelmente comunitárias) para comércio de mercadorias.
A questão da pirataria seria muito mais rara do que imaginamos. Ao meu ver a aquisição de navios, para este fim, estaria intimamente ligado ao puro surrupio de embarcações desavisadas. É pouco provável que alguns aventureiros viessem à encontrar um lugar onde pudessem trocar seu zilhão de moedas de ouro por uma lustrosa embarcação.
Não quero, de maneira alguma, acabar com a ilusão dos jogadores e amantes do rpg. Estou apenas realizando um exercício de raciocínio para quem desejar usar. Eu mesmo no meu romance que posto aqui na Confraria – “Por Mares Nunca Antes Navegados” – não me utilizo desses entendimentos em prol do realismo. Procura a pura fantasia na história que conto. Isto vale para todos os que estão lendo. Eu sempre gostei de alternativas e possibilidades. Estou tentando trazê-las aqui.