Divagações sobre NP em Mutantes e Malfeitores
- ou, regras e adaptações frente a frente -
Essa
questão já esteve em minha mente por momentos diferentes desde que comecei a
usar o sistema Mutantes e Malfeitores. Nunca neguei que uma das coisas que mais
me agradam no RPG, além de jogá-lo, é claro, é fazer adaptações de personagens
de variadas origens. Aliando isso ao meu fanatismo pelos quadrinhos de
super-heróis, desde o início dos anos oitenta, pode-se dizer que houve uma
sinergia perfeita.
Mas
uma coisa sempre me incomodou e acho que este incômodo é compartilhado por
muitos rpgístas – até que ponto a adaptação pode recriar a realidade do
personagem que estamos adaptando? E o que me levou a compartilhar isso com
vocês foi um comentário feito por um integrante de uma das tantas fanpages das
quais participo no Facebook sobre RPG em uma de minhas postagens de adaptações
de personagens da Marvel.
Ele
questionava que os níveis de Força do personagem Hércules, um dos tantos
membros dos Vingadores, estava longe da realidade e que isso seria culpa das restrições
existente nas regras de NP (Nível de Poder) do sistema Mutantes e Malfeitores,
o qual usei para a adaptação do personagem.
Bom, vou
dividir isso em duas partes então.
A importância
das regras
Como
todo rpgísta sabe é impossível de se ‘fazer’ RPG sem regras. A mecânica de
funcionamento de qualquer sistema, por mais simples ou simplista que seja,
precisa de um mínimo de normas ou mesmo um acordo entre jogadores e mestre para
funcionar. Não importa se old school, narrativo, em tabuleiro ou qualquer
outro, um entendimento do que se pode ou não fazer ou até onde se pode ir é
imperativo.
Como
M&M não é diferente. Ainda mais para um sistema cuja função é trazer o
prazer de se jogar com seres poderosos alguns limites (ou acordos) são
fundamentais. Vamos entender isso sob uma visão do M&M.
“Com
grandes poderes vem grandes responsabilidades”. A frase de Peter Parker dita em
várias de suas aventuras traz o cerne do debate para M&M. Quem conhece um
pouco de quadrinhos, e vou centralizar aqui meus comentários nos personagens da
Marvel, sabe que existe um universo incrivelmente díspar entre seus
personagens. No que diz respeito à capacidade de influenciar o mundo que os
rodeia temos desde personagens muito perto dos humanos no que diz respeito à
poder e mortalidade, como Gatuno, Jubileu, Charles Xavier e mesmo Jonhnny
“Tocha Humana” Storm, que uma simples bala perdida pode lhes tirar a vida (quem
não lembra que o Tocha quase morreu na saga Guerra Civil por causa de uma
garrafada na cabeça?) até seres como Thor, Thanos, Fenix, Galactus, Sentinela
ou mesmo Hércules com capacidade para devastar mundos inteiros.
Qualquer
adaptação desses personagens ‘mais normais’ pode ser realizada sem nenhum
grande problema dentro das regras. Mas e os outros? Claro que alguém pode me
dizer que é só não jogarmos com esses personagens ‘tão’ poderosos que não
passaremos por este dilema. Mas então isso acaba por nos limitar de outra forma
– nossas escolhas.
Mas
isso, os limites das regras, é ruim?
O
sistema M&M limita a construção de personagens através de uma série de
itens centralizados no Nível de Poder (NP) da aventura. O que seria isso? Cada
aventura pressupõe que seus personagens enfrentarão desafios, digamos que
suportáveis e transponíveis, que são classificados como NP. A NP regras que a
aventura não será nem tão fácil que perca a graça e nem tão impossível que
também perca a graça. O cerne central é – a aventura deve ser ‘jogável’.
Neste
sentido o NP é incrivelmente interessante, embora não totalmente necessário, na
minha opinião. Ele é a segurança de que a aventura de final de semana dos
jogadores não termine em uma morte rápida no primeiro combate.
O
NP facilita na criação da aventura, na criação do personagem e na condução das
seções de jogo. Nas palavras do próprio Livro Básico de M&M temos que
“Nível de Poder é uma medida geral de eficiência e poder, principalmente
habilidade de combate, mas também o tipo de tarefas em geral que um personagem
pode cumprir regularmente (...) O nível de poder é um valor determinado pelo
mestre para a campanha. Ele limita a maneira como os jogadores podem gastar pontos
ao criar heróis” (página 24). Ou seja, um limitante para que ninguém seja um
Thor em uma aventura para caçar um batedor de carteiras.
O
NP, visto assim, é muito importante para, como disse, não tirar a graça das
aventuras tornando-as muito fáceis ou impossíveis. Quando vamos criar um
personagem e o mestre nos informa o NP mínimo e máximo para a criação dele, já
temos uma ideia do que esperar e de que não vamos ser surpreendidos com um fim
prematura (à não ser que os dados estejam contra nós heheheh!).
Outra
coisa que precisamos pensar é que o sistema M&M, embora criado para emular
jogos de super-heróis em uma mesa de RPG, não foi criado pensando na adaptação
de personagens desta ou daquela editora, e sim os seus personagens. Então a
lógica é que seus criadores se preocupem muito mais com o equilíbrio para
diversão de todos, mestres e jogadores, do que com detalhes para adaptações
Ainda
dentro deste ponto eu tenho uma teoria particular. Para mim o sistema, com NP,
funciona muito bem, até certo ponto, para adaptações de ‘Heróis’, mais do que
com vilões, do universo Marvel. Explico. Principalmente no que diz respeito à
Força e Combate a minha teoria pode ser centralizada em uma noção – os heróis
são comedidos. Um herói como Thor, Colossus, Wolverine ou mesmo Hércules, não
são chamados de ‘herói’ por acaso, mas por sua conduta e princípios. Já vimos
esses heróis em combates dos mais diversos tipos e mais de uma vez tivemos a
certeza de que eles não matavam seus adversários por acaso. Na verdade o acaso
não tem nada a ver com isso. Era sua conduta falando mais alto.
Um
personagem como Hulk, Thor ou Hércules poderiam facilmente beirar sua Força em
torno de 50 ou 70. Quem não lembra da incrível série da Marvel Secret Wars,
lançada nos anos oitenta onde uma montanha (sim, montanha) é lançada sobre o
grupo heróis que não esmagados graças à força de Thor, Coisa, Home de Ferro e
Hulk. Vocês até podem me questionar por serem quatro dos personagens mais
fortes, mas terão de concordar que mesmo assim foi uma ação quase impossível
para níveis de Força menores que 60 ou 70 para cada um deles. Mas mesmo assim
eles não arrancam a cabeça de seus adversários como a Gangue da Demolição, por
exemplo. Sabemos que se sua força fosse realmente equivalente nada os impediria.
Isso
considero que fica demonstrado no jogo pelo limitante da Força pelo NP, por
exemplo. É como dizer que em condições normais um herói, mesmo que super-forte,
não usaria sua máxima capacidade a não ser que fosse extremamente vital. O
contra-ponto desta sua incrível força seria demonstrado pela capacidade de
carga do personagem determinada, normalmente, pelo poder Super-força. Vamos
combinar que mesmo assim ficamos longe da realidade. Mesmo com todos os
subterfúgios das regras e feitos de poder, não conseguimos chegar à ação de, em
um caso extremo, usar toda a capacidade de Força (nosso exemplo aqui) em
combate. Mas isso é apenas um devaneio!
Então
o limitante tem sua função específica.
Mas
por que não...
Ao
mesmo tempo as limitações impostas pelo NP nos levam para longe da emoção dos
quadrinhos, algo que tenho certeza que impera no gosto da maioria dos jogadores
deste sistema, quando desejamos adaptar os clássicos personagens. Mas minha
questão aqui é, ‘mas por que não fazemos diferente?”
Com
certeza quando tivemos a saga Inferno, ainda nos anos oitenta, ao regra do NP,
se fossemos adaptá-la, estaria perdido. Ou a saga Massacre? E o que dizer desta
novíssima saga Age of Ultron, sensacional saga ainda inédita por aqui? Todas
elas trazem NPs loucos entre seus participantes. E mais do que isso, muitos
protagonistas que agem de forma crucial nas sagas nem sempre são os mais
poderosos ou de NP maior.
A
emoção em si nos quadrinhos não está no equilíbrio. Longe disso. Está na
superação. Em Age of Ultron, por exemplo, dos poucos heróis sobreviventes no
mundo, alguns deles nem são os mais poderosos. E mesmo assim, a alternativa
para tentarem superar o desfecho terrível do mundo vem dos heróis de um NP
médio (para os padrões gerais da Marvel, é claro, já que não podemos chamar
Wolverine e Sue Richard de médios!).
Mas
o que pretendo aqui, agora? Embora o NP ajude para o transcorrer das aventuras
e campanhas sem desfechos extremos para os personagens, a emoção está no
extremo e muitas vezes morrer em um clímax vale mais que semanas de jogo. Para
mim, pelo menos.
Desde
que começamos no RPG já cansamos de escutar que as regras dos sistemas de RPG
são necessárias, mas não deixam de ser livres para serem alteradas, desde que o
foco seja a diversão do grupo. Quando decidimos dar ênfase para a adaptação em
detrimento dos limitantes do sistema estamos justamente procurando isso – pura
diversão. Com um grupo esclarecido das opções e escolhas podemos sim burlar os
limites. E posso confessar que os melhores jogos que mestrei ou joguei foram
com essas pequenas alterações.
Criar
campanhas dispares no que diz respeito ao NP dos PCs e NPCs é uma ótima
alternativa para grandes momentos. Isso obriga os jogadores à procurar
alternativas ao simples uso de poderes, indo além da ação e procurando opções na
interpretação. Imagine ser o Homem-Aranha numa aventura contra Thanos e sua
Manopla do Infinito. A força ou combate não iria resolver muito, mas o
personagem possui muitas possibilidades longe dos seus poderes que poderiam
ajudar muito e criar mudanças na ação daquele momento. Em resumo... pura
diversão!
Mas
este é apenas um dos pontos desta segunda parte. O outro ponto é centrado
apenas nas adaptações. Puras adaptações são exercícios de criatividade nem
sempre centrados nos limitantes das regras. São a procura de um equilíbrio
entre a realidade dos personagens com as possibilidades que as ferramentas do
sistema nos disponibilizam. Por isso mesmo o NP não importa já que nem sempre,
poucas vezes é verdade, existe uma lógica rpgística nos personagens da Marvel,
por exemplo.
O
grau de diversão de irmos moldando as regras e opções dadas pelo sistema, até
chegarmos ao nosso herói, é incalculável. Já adaptei um sem número de
personagens e no próprio fórum da Green Ronin alguns membros possuem perto de
mil adaptações, dentro e fora dos limitantes. Foram horas e horas de diversão,
com certeza.
Concluindo
...
A
intenção aqui era simplesmente levantar o debate de que as regras e os
limitantes têm sua importância dentro de uma lógica de criação do sistema. Mas
que isso não pode impedir a sempre importante diversão e o prazer de se viver o
RPG em sua plenitude – jogando, criando, adaptando e tudo o mais que os
jogadores desejarem.
Crie...
Adapte... Se divirta...