A capa da discórdia
- Coringa 75 anos -
Fui
surpreendido ontem com a notícia de que o desenhista brasileiro Rafael
Albuquerque tinha solicitado que sua capa variante sobre o Coringa, uma
homenagem aos 75 anos do personagem que seria publicada na edição Batgirl #41,
de junho, não fosse publicada.
Seu
pedido veio de forma oficial depois que muitos leitores haviam se sentido
ofendidos com sua arte e uma suposta apologia à violência à mulher. A capa em
questão é, segundo o próprio artista, um a homenagem à antológica graphic novel
“A Piada Morta”, de Alan Moore, que completa 25 anos de seu lançamento. Nesta
história o Coringa atinge Bárbara Gordon com um tiro deixando-a paralítica,
além de muitas outras atrocidades. Foi uma das melhores coisas que li e
apreciei na minha longa história dos quadrinhos.
Seu
desenho coloca o Coringa e Batgirl, lado a lado, com ele desenhando um sorriso
mórbido em seu rosto ao mesmo tempo que ela apresenta um semblante assustado e
constrangido. Rapidamente analogias à violência sexual e opressão feminina
foram realizados, gerando um grande movimento de críticas ao artista e à
editora.
O
desenhista publicou um pedido para sua arte não fosse incluída na publicação e
a DC Comics aceitou seu pedido. Leia as duas mensagens abaixo.
Carta
de Rafael Albuquerque:
"Minha
arte da capa variante da Batgirl foi concebido para homenagear uma história
em quadrinhos que eu realmente admiro, e eu sei que é uma das mais favoritas de
muitos leitores. "A Piada Mortal" é parte do cânone de Batgirl e
artisticamente, eu não poderia evitar de retratar a situação traumática entre
Barbara Gordon e Coringa.
Para mim, era
apenas um "disfarce assustador" que trouxe algo do passado da
personagem que eu interpretei artisticamente. Mas tornou-se claro que,
para outros, ela tocou em um nervo exposto. Eu respeito essas opiniões sejam
elas certas ou erradas, pois geraram uma discussão que não deve ser
desacreditada.
Minha intenção
nunca foi ferir ou incomodar ninguém pela minha arte. Por essa razão,
recomendei a DC que a capa variante fosse retirada. Estou muito satisfeito que
a DC Comics entendeu as minhas preocupações e não vai publicar a arte da capa
em junho, como anunciado anteriormente.
Com todo o
respeito,
Rafa"
Comunicado
da DC:
"Nós
publicamos revistas dos maiores heróis do mundo, e os vilões mais malvados que
se possa imaginar. As capas variantes do mês de Junho são um reconhecimento ao
75º aniversário do Coringa.
Independentemente
se fãs acharem que fosse incompatível falar sobre temas como ameaças
de violência e assédio na fase atual da Batgirl, entendemos que fora uma
homenagem de Rafael Albuquerque ao Alan Moore, pela graphic novel A Piada
Mortal, uma obra de 25 anos atrás..
Vamos honrar o
talento criativo, e por solicitação do Rafael, a DC Comics não vai publicar a
capa variante da Batgirl."
DC
Entertainment
O
que eu entendo sobre isso.
Temos
tido muita movimentação nos últimos tempos principalmente nos debates sobre
machismo e sexismo dentro das comunidades nerds. Debate e tema necessários e
totalmente apoiado. Ao mesmo tempo temos que sempre levar tais debates com
cuidado e racionalidade. Por si só tanto machismo quanto sexismo são
irracionais e reprováveis. Mas também temos que ter em conta que análises devem
ser feitas de forma cuidadosa.
Uma
coisa é a apologia, o incentivo e o apoio à um conceito e ideia. Fotos e comentários
como os apresentados em grupos de RPG pelo Facebook são o claro exemplo disso.
Eles fazem alusão à uma postura frente ao gênero feminino que deprecia a
igualdade e os coloca como submisso ou abaixo. Outra coisa é a criação sem a
intenção por detrás. Pode parecer paradoxal ou estranho, mas a intenção faz
todo o sentido e dá toda a conotação.
No
caso da capa do Rafael Albuquerquer ele apresentou sim uma imagem pesada e
assustadora, mas não na forma de apologia. Com sua imagem ele não incentivou, apoiou
ou qualquer coisa do gênero. Ele apresentou um vilão cometendo um crime. Já
pelo fato de ser um reconhecido, e quase centenário, vilão por si só já é uma
demonstração de postura. Caso ele tivesse feito a mesma capa com um herói a
interpretação seria muito diferente e com certeza desaprovada por todos. Mas usar
um vilão é demonstrar seu repúdio e que devemos continuar à odiá-lo.
A
liberdade de expressão, que muito falam e colocam-se de um lado ou de outro,
convenientemente conforme o caso, está intimamente ligado à intenção que
desejamos passar. George Martin não fez apologia ao machismo colocando em sua mais
celebre obra as mulheres com uma medieval postura submissa. Ele apenas
representou uma época em que isso acontecia. Criar filmes ou literatura sobre
nazismo, seriais killers, machistas ou racismos não significa que estamos fazendo
apologia ou apoiando tais práticas, desde que nossa intenção e produção seja
para um fim de representação ou crítica. O Rafael fez uma simples alusão ao
procedimento de um sanguinário vilão em forma de uma homenagem à um reconhecido
artista e sua aclamada obra. Sei que temos muita gente louca para ver nesta
explicação um simples motivo para criticar o uso de dois pesos e duas medidas,
mas é muito diferente. É simplesmente o uso da razão e o respeito ao outro em
primeiro lugar.
Os
motivos que levaram às reclamações, agora por um viés mercadológico, são fáceis
de entender. Há algum tempo que a personagem Batgirl vem atraindo um público
feminino e teen. Em uma primeira impressão a capa tornou-se muito ofensiva para
elas. A posição da DC de rapidamente concordar com o pedido do desenhista e
retirar sua arte também é entendido pelo mesmo motivo. O mercado editorial de
quadrinhos de heróis (Marvel e DC principalmente) à décadas que tenta atrair o
público feminino e eles não iriam perder sua maior ligação com esse público.
Quanto
ao fato do Rafael ter pedido para sua arte não ser publicada não significa que
ele reconhece as acusações que recebeu, mas simplesmente que ele teve uma posição
respeitosa (aos ofendidos) e profissional, vendo sua carreira como alguém
equilibrado e não como um motivo para cabo de guerra. Em resumo, concordei plenamente com sua atitude e pedido. Infelizmente ele tentou fazer uma homenagem, mas não percebeu que isso seria tão ofensivo para alguns, tornando a homenagem imprópria.
Acho
que o caso se desenrolou de forma simples e respeitosa para todos os lados.
Abaixo
as todas as capas que serão publicadas: