Prólogo: A torre e as três figuras
Há
quanto tempo estou aqui? Essa pergunta é algo muito vago agora, já que estou
preso e sozinho. Vejo agora ao contrário, do que a maioria pensa, que o tempo
não é contado por horas, minutos, segundos... O tempo é marcado por ações
tomadas pela convivência com as pessoas por cada ato, por mínimo que seja, que
ocorre diferente em todo tempo de nossas vidas ao longo dos dias. E como aqui
os dias são sempre iguais, a meu ver o tempo parou!
Estou
a muito tempo nesta torre .Tempo demais para mim, tanto tempo que nem consigo
contar. Desde o dia em que enfrentei Vildraman, o temível. Decerto o mago não
era tão temível assim, só diferente como todos nós somos aos olhos dos outros.
Aos olhos dos aldeões que moravam próximos aos seus domínios pelo menos ele
era. Ele não os ameaçava, não exigia
tributo nem os capturava para experimentos malignos. O que ocorria é que às vezes
palavras mágicas acompanhadas de raios e trovões eram ouvidas do Pico do
Nevoeiro. Criaturas estranhas erroneamente conjuradas caçavam rebanhos nas
terras abaixo, mas estas logo desapareciam e tudo voltava ao normal, como eles
disseram.
Decerto
isso era demais para os amedrontados aldeões de Kassaria suportarem, então eles
me contrataram. Ao ver o ouro, a fama e a chance de provar que eu era o melhor
para eles, nem sequer pensei ou pesquisei ao fundo a razão da aventura, como
qualquer um com um mínimo de bom senso faria. Afinal eu era forte, ágil,
incrível, invencível... O quão tolo e impetuoso eu era como aventureiro.
Lembro–me
e, refletindo, agora percebo que o Pico do Nevoeiro era um tanto icônico. Ao
mesmo tempo que era um lugar ermo e solitário em sua forma e magnitude
apontadas em direção ao céu, seria capaz de abrigar uma cidadela inteira em
suas entranhas. Parecia incólume, como se não houvesse ninguém tolo o bastante
no mundo para desafiá-lo, exceto eu.
Assim
mesmo, os mais impetuosos como eu são experientes, pois aqueles que assim o são
e continuaram a viver para ser, ganharam experiência com seus erros em suas ações
passadas. Eu havia estado em diversos lugares enfrentando diversos enigmas,
monstros, adversidades diversas, eu sempre estava acompanhado por tudo aquilo
que todo aventureiro que se preza carrega: um pouco de sorte, um pouco de fé,
um pouco de coragem, um pouco de medo. Tudo isso escondido atrás de espadas,
escudos, armaduras ou qualquer outro item material que pudesse matar, proteger
ou nos salvar de nós mesmos. Assim também era eu a me aventurar.
A
escalada foi dura, árdua como seria em qualquer lugar como esse. Estranhamente
nada crescia ou vivia neste local. Nada existia, exceto uma solitária torre
branca que se erguia após o nevoeiro que dava nome ao local, no ponto mais alto
do pico. Atravessar o nevoeiro foi algo estranho. Senti como se tivesse mudado
de realidade, mas na hora não dei importância para isso, neguei os meus
instintos. Só o que me interessava era a torre, o que nela podia haver e meu
inimigo a vencer.
Preparei-me
para qualquer perigo eminente me munindo de tudo que conhecia para me defender
do que aparecesse pela frente, mas ao vaguear pela torre que se encontrava
aberta, percebi aos poucos, durante minha exploração, que esta era
pateticamente desprotegida. Teria sido a torre abandonada pelo mago ou se
julgava ele, como um tolo presunçoso, invencível e capaz de lidar com tudo que
aparecesse? Até parecia eu pensando.
A
torre era enorme, mas por um estranho motivo não foi difícil encontrar o tal
mago, já que um rastro incomum de livros desencontrados que seguia ao longe.
Estavam todos abertos, jogados ao chão. E estes tratavam de assuntos diversos
que iam desde divertidas e simples histórias à magias e cálculos complexos
demais para meu parco intelecto de guerreiro descrever. Seguindo a trilha me
deparei com o lugar mais provável que ela poderia levar. A uma enorme biblioteca.
E quando nela entrei percebi o quanto era enorme, com uma quantidade
exorbitante de livros, todos em prateleiras que se erguiam desde o solo até o
teto. Para tal cômodo ter sido concebido deveria ser ele o centro da torre.
E
lá estava o mago cercado por uma pilha de livros que já tinha lido e outros tantos
que esperavam para serem folhados. E enquanto eles esperavam o mago lia com a
maior atenção possível tentando guardar o máximo de informações que podia. Ao
meu ver, agora acho que ele via além do livro! Eu já ouvido havia falar destes
magos incomuns que se trancafiavam em suas torres estudando e recordo que eu
gargalhava pensando o quão inútil eles eram por saber a magia, mas não podendo executá-la, qual seria sua serventia afinal?
Confiando
em sua aparente fraqueza gritei em desafio:
“-
Vildraman, o temível, eu sou Drake, o guerreiro do impossível, e vim aqui em
nome dos aldeões de Kassaria que exigem a paz que você os nega!”
Surpreendi-me
muito ao ver a calma com que ele olhou para mim após minha ameaça, então como
um pai compreensivo olha para seu filho ainda imaturo, ele respondeu:
“-
Paz é o que você está me negando agora guerreiro. O motivo que o traz aqui é
errôneo assim como sua motivação.”
No
momento não entendi o que ele quis dizer, não me importava. Era idiota demais
para querer entender tudo de uma vez só!
Gritei
em desfio e brandindo minha espada e ataquei! Muitas vezes em minhas aventuras
meus ataques funcionaram, outras, para meu desprazer, falharam ou foram
aparados por escudos, magias ou toda sorte de defesas que se possa pensar, mas
nenhuma foi tão estranha quanto essa. As palavras involuntariamente saíram em
defesa do mago, como se fizessem parte dele, como se fosse importante para elas
protegê-lo.
Ataquei
muitas e muitas vezes até cansar sem que o mago revidasse uma vez sequer. Apenas
as palavras sempre o protegendo. Já estive em diversas situações como esta e de
tanto levar aprendi pela pior das maneiras que nem tudo se resolve pela força, pensei
no óbvio.
“-
Os livros são sua fonte de poder e devem ser sua fraqueza!”
Ele
ainda plácido e calmo me disse apontando um livro:
“Conhecimento
é poder! Poder genuíno que não perece nem desaparece, apenas cresce. Porque não
compartilha um pouco?”
De
espada em punho, utilizando-me de toda raiva frustração e desinteresse que
aquele singelo, mas impressionante, mago havia me causado ataquei um livro
dizendo:
“É
o seu fim mago maldito!”
Nem
nos meus mais tenebrosos pesadelos poderia imaginar o que minha impetuosa
atitude viria causa. Vendo a destruição do livro como sendo de sua própria
existência, o mago em puro desespero e fúria numa mudança grave e repentina de humor disse :
“-
Seu tolo, nem sequer imagina o que fez. Nem sequer compreende o que destruiu.
Não sou tão simplório como você Drake, não vou te destruir e sim te fazer
pensar. Ficará trancafiado aqui para sempre ou até se soltar de suas decisões
equivocadas, pois o conhecimento liberta!”
No
momento não compreendi o que ele quis dizer com isso tudo. Aconteceu muito
rápido. A magia do mago encheu a biblioteca, percorrendo toda torre, mas não me
feriu.
Ela
só levou consigo o mago que desapareceu dizendo:
“-
Você vai aprender!”
Muito
tempo se passou desde aquele dia que eu o enfrentei. Já vaguei pela torre à
explorando milhares de vezes. Enlouqueci com o tédio. Percebi que com o passar
dos dias eu não era acometido pela fome, frio sede ou sono. Não há nada para me
distrair, já que o mago levou tudo consigo, deixando apenas papel em branco.
Todos
os dias como o primeiro são iguais, sou só eu e a torre em nossa solidão, mas
hoje, diferente de qualquer outro dia dentro da biblioteca, encontrei por acaso
uma câmara nova com espelhos dentro. Achei num primeiro instante que não havia
nada demais.
Eram
espelhos de três cores, um verde, um negro e um dourado, de tamanho e detalhes
idênticos. Acima do vidro, na moldura, estava escrito uma palavra incomum -
“Libertatum”. Procurando algo novo para fazer decidi repeti-las - “Libertatum”!
Nada
aconteceu a seguir, mas subitamente apareceu à minha frente no primeiro espelho,
imagens distorcidas que logo assumiram forma. A forma de um grupo de
aventureiros...
Continua