Anotação 1 - Primeiras lembranças
Parece mentira. Até quarta-feira eu tinha apenas duas certezas – de que éramos os únicos vivos no mundo e que aquele rádio de merda não serviria nem como peso de papel. Ledo engano. Nas duas. Depois de meses mantendo-me vivo em Porto Alegre, neste caos em que o mundo se transformou, acordei hoje com um gosto diferente na boca.
Regularmente eu dava uma ligada num aparelho velho de radioamadorismo que ficou de herança de meu avô, embora soubesse apenas o mínimo para seu funcionamento. Nem sei bem por que eu o separei quando selecionava o que seria útil quando estava procurando um esconderijo para mim. Mas de qualquer forma eu o ligava, graças à uma gambiarra com baterias de carro e um transformador, por cerca de meia hora por dia em horários diferentes. Quando comecei a fazer isto, um mês depois que este inferno começou, ainda consegui me comunicar com um casal em Buenos Aires e mais meia dúzia de pessoas espalhadas pelo Brasil. Mas dia a dia os contatos iam escasseando, até que poucas semanas depois não recebi mais nenhuma resposta. Depois disto era só estática.