Dicas do Mestre
Criando dungeons
Vamos
aproveitar estes primeiros dias de trabalhos da Confraria de Arton em 2017 para
falarmos rapidamente sobre criação de dungeons, um tema que abordei em outra
postagem à quase sete anos. Não existe uma receita para o sucesso na criação de
uma dungeon e sim elementos que devemos levar em conta para que ela seja bem
utilizada.
O
primeiro, e mais importante de todos, é sem dúvida primar pela diversão. E aqui
saliento que não penso na diversão do mestre (que pelo simples fato de mestrar
já deve estar se divertindo muito, ou pelo menos deveria), mas na diversão do
grupo. Os mestres têm, normalmente, o feeling do cardápio de coisas que
determinado grupo está esperando na aventura – a expectativa.
Ele deve contrabalançar o conceito de sua aventura com o formato que ela deve assumir
para atingir (e cativar) os jogadores, e dentro disso as dungeons devem se
encaixar na expectativa de diversão do grupo.
A
diversão para os jogadores é algo muito relativo, mas podemos generalizar (e
sei como generalizações são perigosas) em dois extremos. De um lado temos
grupos (ou jogos) que servem apenas para desopilar, divertir e reunir os amigos
sem grandes comprometimentos. Esta vertente é vividamente encontrada em eventos
de RPG, onde a partida é mais para socialização, comemoração ou para divulgação
de um novo sistema, ou momentos em que novatos estão tendo seu primeiro contato
com o hobby. São momentos em que a maioria quer matar, pilhar, fazer coisas
heroicas (e nem sempre muito espertas) e ganhar xp sem qualquer compromisso. De
outro lado temos grupos (ou jogos) que tem uma preocupação de maior imersão em
um cenário ou acontecimentos que tendem a tentar cativar os jogadores e
fazê-los vivenciar a experiência de seus personagens onde a preocupação não
está na chegada, mas sim na jornada até o final da aventura. Para este tipo de
grupo cada detalhe da aventura e da história (tanto faz se for uma campanha ou
one-shot) é importante e deve ter uma razão de ser. Alguma deles é a forma
correta de jogar? Claro que não... todas são certas e diferenciam-se apenas por
atender às expectativas específicas e momentâneas dos jogadores e mestres
naquele momento.
Com
isto claro chegamos ao segundo elemento importante no momento de pensarmos na
criação de uma dungeon – seu conceito.
Muitas vezes fazer uma dungeon extremamente extensa ou repleta de armadilhas e
tesouros não basta para a plena satisfação do grupo de jogadores. Sua posição conceitual
dentro do cenário ou da aventura é muito mais importante (muitas vezes) do que
suas características. E deve estar intimamente conectada com o tipo
(expectativa) de jogo. Pensar que podemos jogar dungeons aqui e ali,
aleatoriamente ou apenas para ocupar um espaço vazio do mapa ou mesmo que ela é
um amontoado de corredores, é menosprezar a capacidade de nosso grupo e de nós
mesmos como mestres. Ao mesmo tempo criar todo um background intrincado e cheio
de camadas psicológicas para uma aventura despreocupada é queimar munição à
toa.
Vamos
pensar na opção mais trabalhosa. Conceito significa amarrar o motivo pelo qual
a dungeon está naquele lugar dentro do contexto do cenário. Qual a função que
ela tem, ou tinha, e como isso se reflete no seu “agora”. Perde realismo
enfiarmos dúzias de espécies de monstros pensando mais em seu grau de desafio/dificuldade
do que em uma lógica biológica, ou mesmo misturar esqueletos, orcs, ogros,
bandidos e lichs em graus crescentes de desafio e em um número absurdo, todos
juntos e misturados. Mesmo colocar aquele desafiador dragão, em uma câmara que com
certeza ele não tinha como entrar, deitado sobre toneladas de moedas de ouro,
que ele não tinha como juntar, perde muito de qualidade e realismo. Tenho visto
muito este tipo de preocupação em dezenas de sites que se dedicam à criação de
mapas (de dungeons à castelos). Pense no local
da dungeon, sua função (atual ou
anterior), sua história e importância no cenário e aventura e
como está sendo utilizada agora. Com
isso claro você terá facilidade de montar a sua e questões como tamanho,
proteção, dificuldade e tesouros saltará facilmente aos seus olhos e ganharão
um novo entendimento de vocês.
“(...) busca
do equilíbrio ponderado entre
expectativa (do
grupo de jogadores)
e conceito (do
jogo/aventura)”
Mas
toda esta explicação do parágrafo anterior está levando em consideração grupos
e aventuras que tem o interesse em uma maior imersão. Então você pode me
questionar: para aqueles que então em um jogo menos “engajado”, ou em um evento,
ou algo descontraído, estas preocupações não são importantes? Claro que sim.
Não é porquê uma aventura tem uma natureza mais solta ou de puro entretenimento
que merece menos cuidados. Todos os elementos levantados até aqui servem para
os dois tipos. Leve como regra: a busca do equilíbrio ponderado entre
expectativa (do grupo de jogadores) e conceito (do jogo/aventura). Assim as
mesmas questões saltarão aos seus olhos quando for produzir a dungeon adequado
à este tipo de grupo. Igualmente aqui o mestre deseja que o grupo se divirta e
para isso os elementos conceituais serão outros. Uma quantidade maior de
desafios pode satisfazer muito mais do que a descoberta de uma intrincada
ligação da história da dungeon com uma família poderosa de lá sei onde. Achar
um dragão confinado em uma câmara (coitado do dragão) apenas esperando aventureiros
para derrotá-lo e para pilhar seu ouro pode ser exatamente o que o grupo está
esperando ao invés de uma lógica biológica de quais espécies de monstros estão
convivendo ali. Ter de procurar armadilhas em cada canto ou se perder em um
labirinto gigantesco pode ser muito mais interessante do que pensar em decifrar
afrescos com dicas para uma poção mágica mencionada cinco sessões atrás. Não
que isso não seja interessante para todos os tipos de jogos, mas o como, quando
e onde colocar varia muito.
Para aqueles que esperavam
que eu desse aqui dicas de extensão de corredores, desafios e armadilhas,
espero que não estejam frustrados. A dungeon deve estar adequada ao tipo de
jogo, o que em última análise, repetindo, significa um equilíbrio ponderado
entre expectativa e conceito. Se tiverem esses dois elementos claros pouco
importará o tamanho dela, grau de dificuldade dos antagonistas em seus
corredores, as armadilhas que o grupo terá de evitar ou os tesouros que receberão
os sobreviventes, pois ela terá sido criada no formato específico para a
diversão... e só isso importa.