GURPS está vivo!
A
conversa será curta, mas achei que fosse importante que ela ocorresse aqui, no
blog, e não na forma de um comentário um pouco mais longo em alguma rede
social.
Nos
últimos dias vimos um debate sobre o GURPS acontecendo em alguns grupos do
Facebook. O debate foi motivado pelo artigo GURPS acabou no Brasil: hora de procurar outro sistema?, de Marcelo Telles lançado na RedeRPG à pouco
mais de uma semana, onde afirmava que o GRUPS estaria morto. Muitos correram
para sacramentar sua missa de sétimo dia. Neste sábado passado tivemos um novo
artigo - GURPS oficialmente abandonado no Brasil - agora lançado no site Rpgista, autoria de Hackbarth, com um histórico
da jornada do sistema da Steve Jackson Games em terras tupiniquins e com a
notícia de que a Devir, detentora dos direitos do GURPS no Brasil não pretende
mais trabalhar com a franquia de jogos por aqui. Resolvi escrever este pequeno
aparte sobre o assunto não questionando os artigos em si, principalmente o do
Marcelo, mas questionando muitos dos comentários de outros leitores e rpgistas
nos debates que se seguiram por pura falta de compreensão deles tanto do que
foi escrito no artigo da RedeRPG, quanto do que significa um sistema de RPG
estar morto.
Lembro
como se fosse hoje, em um janeiro dos anos oitenta, na praia de Tramandaí, no
litoral gaúcho, quando fui apresentado para uma versão xerocada de GURPS (na
minha opinião o GURPS foi quem reforçou o termo largamente usado de anos do RPG de Xerox). Já havia tido
contato com RPG, mas era sempre uma alegria ver algo novo ou diferente, ainda
mais algo que se dizia universal. A nomenclatura em inglês, ainda nova para
todos, era um desafio agradável em comparação ao mundo que se abria para nós.
Alguns dias depois e eu já tinha a minha cópia xerocada e postada
confortavelmente em uma antiga pasta conhecidos como Arquivo de A à Z. Mais algum tempo depois (início dos
anos noventa) e eu tinha minha edição brasileira com uma simpática e charmosa
sobrecapa plástica. Tempos maravilhosos.
Naquele
ano da década de oitenta e nos seguintes, o GURPS foi o introdutor de um sem
número de rpgistas, muitos dos quais as eminências pardas e adoradas de hoje.
Ele foi o estopim para a popularização do hobby no Brasil, assim como um dos
influenciadores de uma série de sistemas e cenários brasileiros dos dias de
hoje. Ele foi o professor e o companheiro de muitos rpgistas das antigas.
Ele
chegou em português às nossas prateleiras pelas mãos da Devir e teve uma vida
conturbada no Brasil. Não é minha intenção refazer os passos do GURPS no Brasil
já que o artigo do Hackbarth informa muito bem isso. O que importa é que seus
lançamentos, ao longo dessas mais de duas décadas, foram inconstantes e gerando
muitas críticas dos fãs. Enquanto lá fora, nos Estados Unidos, ele teve e tem
uma vida longa e com grande suporte para seus jogadores, por aqui ele foi sendo
irresponsavelmente deixado de lado, fazendo com que perdesse espaço ano a ano,
transformando-o em um sistema de nicho. Quase um sinônimo de rpgista velho.
Agora, com a confirmação (não oficial ainda) de que a Devir não trabalhará mais
com linha da SJG no Brasil, o futuro do sistema por aqui é ainda mais incerto.
O
certo é que o GURPS é um sistema datado, ou seja, construído sobre uma
concepção claramente centrada nos preceitos conceituais dos anos oitenta. O
certo é que ele é usado como sinônimo de regras em demasia e mecânica difícil,
beirando o absurdo (como a história da regra para cavar um buraco no chão). O
certo é que ele terá cada vez menos visibilidade, pois não será mais lançado
por aqui, enquanto outros sistemas terão mais espaço, visibilidade e inserção
com mais e mais livros básicos e suplementos no mercado. O certo é que algumas
pessoas torcem o nariz, mesmo não tendo experimentado uma sessão sequer dele.
Tudo isso serve para credencia-lo como ‘morto’?
Começarei
com minha resposta: não.
O
que seria um sistema de RPG morto? Essa é a pergunta que deveria ser feita
antes de tudo e, ao mesmo tempo, a mais fácil de ser respondida. Um jogo qualquer estará morto se ninguém
mais o jogar. Simples assim. Quando mestramos numa mesa de qualquer sistema que
seja estamos automaticamente, além de manter o sistema vivo, o
ensinando/repassando para os participantes da mesa. Pode parecer pouco, mas não
é. Está foi e sempre será a engrenagem fundamental que manteve e mantém o RPG,
como um todo, vivo.
Mercadologicamente
eu compreendo os argumentos tanto do Marcelo Telles e de algumas pessoas que
associam a não comercialização do GURPS no Brasil como um equivalente de sua
morte. Mercadologicamente isso tem toda a lógica. Ao mesmo tempo não deixa de
ser um engano. 3d&T passou muitos anos em hiato, sem nenhuma publicação
oficial, e mesmo assim haviam mesas para cada canto em que se olhava com o
público de jogadores crescendo constantemente. Atualmente a própria quinta
edição do D&D não é lançado no Brasil em português e mesmo assim é o
sistema mais jogado dentre todos por aqui. Muitos outros (DCC e Pathfinder, só para
ficarmos em dois exemplos) se popularizaram muitos anos antes de terem uma
versão brasileira. O próprio GURPS manteve-se vivo mesmo com enormes hiatos e
um suporte precário da editora que detinha seus direitos. Muitos e muitos
sistemas são jogados e acabam sendo lançados em financiamentos coletivos
posteriores por já estarem inseridos no mercado informal de RPGs do Brasil –
uma caracterísica cada vez mais forte e presente em tempos de internet e pdfs. Como
argumento final, os apoiadores da ideia da morte do GURPS diziam, já com a pá
de cal nas mãos, que ele nem era mais jogado no Brasil. Essas duas coisas não poderiam
estar mais equivocadas.
Em
uma interessante pesquisa da Aster Editora, apresentada na Campus Party de
2017, intitulada Pesquisa de Mercado de RPG, o GURPS parece como o quinto
sistema mais jogado no Brasil (a questão podia ser respondida com múltiplas
respostas, ou seja, as pessoas podem jogar mais de um sistema), na frente de
sistemas badalados como Old Dragon, Pathfinder, Fate ou Numenera, dentre
outros. Embora possa haver uma margem de erro, como em qualquer pesquisa, o
GURPS apresenta-se vivo em ativo.
GURPS
tem tido uma vida difícil no mercado brasileiro, acrescido agora do claro
horizonte de que não será mais lançado em português no Brasil. Mas isso não o
qualifica para estar morto. A exclusividade de material de agora em diante em
outro idioma (o inglês) não me parece ser um empecilho também como vemos em
outra questão da pesquisa, onde mais de 80% dos rpgistas entrevistados não tem
preferência exclusiva por material nacional (entendo aqui produzido ou lançado)
ou prefere ambos. Como já disse, muita coisa que nem imaginamos estar sendo
lançada lá fora já está correndo por nossas mesas. Além disso, em tempos de
internet interligando à todos como ferramenta mor, em tempos de grupos de redes
sociais ligando pessoas por afinidade e gostos e em tempos de mutirão para
traduções, o que impede do GURPS continuar sendo jogado? Nada!
O
que posso concordar, sem ter muita convicção ainda, é que o público de GURPS
tenderá a diminuir por uma questão lógica de visibilidade. Mas isso está longe
de ser sua morte. Ele continuará ocupando um lugar nos eventos e mesas
espalhadas por todo o Brasil, ao mesmo tempo que terá seu material ainda
circulando, seja importando, seja traduzido por fãs.
Enfim,
estar morto significa não ser mais
jogado. Então o GURPS não está morto. Ele tem um lugar vívido no universo de
jogadores de RPG do Brasil e acredito que este lugar, agora que os fãs têm
certeza de que a Devir não lançará mais nada, será ampliado com sua iniciativa.
ATUALIZAÇÃO
[crédito para o amigo Jorge Valpaços]
2. Houve anúncio da publicação de 2 jogos. Um sendo um stand alone game (The Discworld Roleplaying Game - Second Edition) e o GURPS Mars Attacks. Ambos são acessíveis para venda nesse momento pela w23 (loja da SJG).
3. Gurps entrou na era da impressão por demanda (já um sucesso por várias editoras). Por meio do CreateSpace da Amazon, já é possível comprar o Gurps Magic, o Thaumatology e o Ultra-Tech. Claramente colocaram os que mais vendem no CreateSpace para testar o produto, mas é tendência que o façam em maior escala.
4. O suporte digital prossegue (destaco o Gurps Adaptations) sem qualquer pausa pela SJG.
Bem, o projeto está movimentado. Que bom, não é mesmo?
ATUALIZAÇÃO
[crédito para o amigo Jorge Valpaços]
Notas interessantes:
• Houve uma mudança clara na linha editorial de Gurps em 2016 pela SJG que mostrou-se muito profícua, sendo comemorada dentro e fora do Brasil. Ainda que saibamos que Munchkin é o produto com maior retorno para a empresa, há algumas ações que mostram que a linha de rpg está bem movimentada.
1. Houve o Financiamento do Dungeon Fantasy Roleplaying Game, compilado em capa dura das publicações do DF de Gurps, resumindo em uma publicação tudo que é preciso para jogar Dungeon Fantasy. O financiamento via Kickstarter foi um sucesso, arrecadando $176,450, com 1.587 apoiadores.
• Houve uma mudança clara na linha editorial de Gurps em 2016 pela SJG que mostrou-se muito profícua, sendo comemorada dentro e fora do Brasil. Ainda que saibamos que Munchkin é o produto com maior retorno para a empresa, há algumas ações que mostram que a linha de rpg está bem movimentada.
1. Houve o Financiamento do Dungeon Fantasy Roleplaying Game, compilado em capa dura das publicações do DF de Gurps, resumindo em uma publicação tudo que é preciso para jogar Dungeon Fantasy. O financiamento via Kickstarter foi um sucesso, arrecadando $176,450, com 1.587 apoiadores.
2. Houve anúncio da publicação de 2 jogos. Um sendo um stand alone game (The Discworld Roleplaying Game - Second Edition) e o GURPS Mars Attacks. Ambos são acessíveis para venda nesse momento pela w23 (loja da SJG).
3. Gurps entrou na era da impressão por demanda (já um sucesso por várias editoras). Por meio do CreateSpace da Amazon, já é possível comprar o Gurps Magic, o Thaumatology e o Ultra-Tech. Claramente colocaram os que mais vendem no CreateSpace para testar o produto, mas é tendência que o façam em maior escala.
4. O suporte digital prossegue (destaco o Gurps Adaptations) sem qualquer pausa pela SJG.
Bem, o projeto está movimentado. Que bom, não é mesmo?