Dicas do Mestre
Quadro de Avisos
“Os cinco
amigos entraram vagarosamente no escritório da guilda de aventureiros. À
primeira vista aqueles dois homens e três mulheres não tinham nada em comum,
mas a forma animada com que conversavam e brincavam entre eles indicava que
tinham uma longa história, quase uma irmandade.
Enquanto
alguns deles foram diretamente ao balcão pegar canecas de hidromel e pão para o
de jejum de todos, Aldar e Priz pararam à frente de um painel de madeira enorme
forrado com um tecido áspero de uma cor que um dia fora vermelho.
Vários
cartazes, recados e pedaços de mapas estavam presos com alfinetes dispostos de
forma desordenada. Mas o que a dupla estava procurando era o canto inferior
direito do painel. Havia um título improvisado com os dizeres ‘Trabalhos em
Aberto’. Abaixo, uma série de pequenos pedaços de papel escritos com
caligrafias diferentes, claramente de mãos diferentes.
Os dois
olham cada um dos recados entre um comentário e outro, inaudíveis pelo
burburinho da entrada e saída de pessoas e dos sons que vinham da taverna
improvisada. Depois de um tempo Priz escolhe um e o retira do painel. Aldar tem
o cenho franzido mas algumas palavras dela o tranquilizam.
Quando
chegam à mesa e tomam seus lugares jogam o pequeno papel bem no meio, entre as
canecas.
- Já temos
trabalho pessoal – disse Aldar.
- Será
difícil, eu acho, mas temos com garantir um bom dinheiro! – declara Priz
enfiando um pedaço de pão inteiro na boca.
Os outros
três se debruçam sobre a mesa para ler o papelzinho:
‘Urgente:
Preciso de aventureiros dispostos a acabar com um bando de goblins ladrões que
estão infernizando nossa vila. Um orc possivelmente envolvido. O prefeito
promete peças de ouro com valor à tratar. Garantimos estadia e comida. Mapa e
informações no escritório da guilda’
Todo o grupo
se senta e apressa a refeição, enquanto Lorien corre para o escritório pegar as
informações antes que outro grupo chegue primeiro... A aventura vai começar.
Muitas vezes, quando mestramos
para grupos iniciantes, nos deparamos com seus imaginários de que RPG é cem por
centro livre e que tudo depende de seu livre arbítrio. Por um lado isso é um
pouco verdadeiro, mas por outro sabemos como as aventuras são criadas,
compostas, induzidas e desenvolvidas pelos mestres, por mais que as tornemos
abertas. Mas para alguns novatos no RPG isso parece uma interferência indevida.
Nosso papel como mestres é entender isso e reverter a expectativa negativa que
possam ter.
Uma ótima alternativa para
novatos no RPG, inclusive para o mestre os conhecer melhor, é o que eu
carinhosamente batizei à algum tempo de Quadro
de Avisos. É algo simples e que melhorará em muito a relação dos novatos
com o tipo de jogo. A ideia se baseia no fato de ao invés de impor, mesmo que
cuidadosamente, uma linha de campanha para o grupo, faça-os acreditar que é
escolha deles. Como? Simples.
Logo no início da primeira
sessão coloque-os em um mesmo enquadramento. Não importa se têm um perfil mais
heroico ou mais anti-heroico, coloque-os em um mesmo ambiente no qual precisam
trabalhar juntos. Normalmente isso é o corriqueiro, visto que os mestres já
entregam um momento determinada
dentro de uma situação específico e o
grupo parte dali em diante.
Primeiramente coloque-os já
trabalhando juntos: grupo de amigos que se conhecem desde criança e se
reencontraram depois de alguns anos, cada um com suas peculiaridades; ou quem
sabe aventureiros recém agrupados para ganhar a vida em uma cidade nova para
eles. Isso lhes dá uma razão para estarem trabalhando juntos. Até aqui nenhuma
novidade. Normalmente fazemos isso com novatos para facilitar e rapidamente
começar a aventura, além de que eles normalmente já estão predispostos à isso.
Coloque-os então em um ambiente
em que eles imaginam ter a possibilidade de escolher seu caminho livremente,
sem ‘aparente’ direcionamento. Aqui é que entra o Quadro de Avisos. Normalmente apresentamos aos grupos uma quest que
eles devem seguir ou resolver - a icônica aparição do velho na taverna. Sabemos
o quanto isso impositivo para os jogadores, por isso a ideia do quadro lhes dá
uma nova perspectiva.
Os aventureiros fazem parte de
algum tipo de guilga ou associação – guilda de aventureiros, guilda de
protetores de caravanas, associação de protetores do condado, milícia paga para
trabalhos perigosos, guilda de ladrões, associação de caçadores de monstros,
pesquisadores de dungeons assombradas, não importa, seja criativo. O mestre
criará a guilda conforme o todo da campanha que está pensando.
Nessa guilda o grupo de
aventureiros encontrará o seu Quadro de Avisos. Esse quadro é uma espécie de
cardápio de quests que estão sendo solicitadas à associação (conforme o perfil
dessa associação). Cabe aos associados (os personagens dos jogadores e grupos
de NPCs) responderem aos pedidos e ajudarem. Resolver esses problemas gerará
ganhos, experiência e fama. Por que isso é interessante? O grupo terá em mãos a
escolha de qual caminho seguir, gerando um sentimento de que estão com as
rédeas de suas ações nas mãos. Eles poderão decidir qual quest resolver
conforme sua expectativa ou preferência.
Feito isso cabe ao Mestre,
tranquilamente, decidir como organizar as quests do Quadro de Avisos, até
quando elas serão uteis e como introduzir a sua campanha no decorrer dessas
quests. A primeira impressão dos jogadores será agradável, condizendo com suas
expectativas, e divertida, como toda a experiência inicial no RPG deveria ser.
Quando o mestre introduzir sua campanha usando essas quests iniciais como base,
se ele for bem sucedido em introduzi-la organicamente, o grupo nem perceberá e
apenas seguirá a campanha. Ou seja, o próprio grupo estará entrando na campanha
sem perceber.
Uma dica no uso desse Quadro de
Avisos é o mestre ter várias quests de diferentes tipos, dificuldades,
complexidades e graus de seriedade. Deixe o grupo se divertir e seguir
livremente. Ao longo do tempo mantenha algumas, troque outras, retorne ainda outras
como se os problemas tivessem voltando. Será divertido para eles. Ao mesmo
tempo o mestre pode fazer com que algumas delas tenham algum tipo de
interligação, com seus sinais apontando para a linha central de sua campanha.
Isso facilitará em integrar o grupo à campanha.
Além disso, a ideia da guilda
pode ser um elemento interessante para um grupo novato. Lá pode ser um
paradouro seguro em suas primeiras aventuras. Ali eles podem conseguir
informações, dicas, trocar equipamentos (mapas, armas, etc), pedir ajuda e
ajudar outros grupos, é um ponto seguro para o mestre auxiliar um grupo de
novatos no RPG.
Bons jogos!