quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Dicas do Mestre: Perdidos na floresta - algumas dicas para narrar em florestas

Perdidos na floresta
- algumas dicas para narrar em florestas -


Narrar situações com um grupo de aventureiros dentro de uma floresta, mesmo que um fragmento de um sessão, mostra-se um certo desconforto para alguns mestres. Mas não precisa ser um bicho de sete cabeças.

Existem muitas formas de levar uma narração, umas mais livres e participativas, outras mais restritas e descritivas. Normalmente uma boa parte dos novos narradores se sustenta em pontos de referência à partir dos quais eles criam cenas ou a própria narração dentro de um ambiente. A taverna, a feira, a praça da cidade, a hospedaria, a lojinha, a ferraria, o templo, a rua principal. Em uma cidade isso é muito mais simples, pelo menos nas de menor porte (mas isso é tema para outro artigo), por uma questão de pura estrutura do ambiente. E mesmo para os jogadores é mais fácil de interagirem com um ambiente assim, criando sua interpretação pautada nesses pontos de referência.

O problema em si pode ser resumido ao fato de que as florestas possuem dois elementos que dificultam as narrações (nosso foco hoje): a extensão e a falta de referenciais. Os mestres, iniciantes principalmente, constroem suas narrações em pontos de referência físicos por uma questão de segurança (já comentamos em outro artigo do quanto isso é normal). Quando a aventura leva o grupo para uma floresta isso se complica. O mestre não pode ficar narrando algo do tipo:

Mestre: “Vocês estão entrando na floresta... há árvores à esquerda e à direita e um caminho à frente.”

Jogador 1: “Andamos um pouco à frente... o que vemos?”

Mestre: “Árvores e mais árvores em um mar de verde até onde a vista consegue enxergar por entre os troncos das árvores.”

Jogador 2: “Andamos mais um pouco...”

Mestre: “Árvores e mais árvores em um mar de verde até onde a vista consegue enxergar por entre os troncos das árvores.”

Jogador 1: “Andamos mais um pouco ainda...”

Mestre: “Árvores e mais árvores em um mar de verde até onde a vista consegue enxergar por entre os troncos das árvores.”

Isso será no mínimo enfadonho e um clássico anti-clima para a aventura. Logo os bocejos começarão.

Tampouco podemos exagerar na descrição ou simplesmente banalizar o momento:

Mestre: “Vocês estão entrando na floresta... há árvores à esquerda e à direita e um caminho à frente. O que farão?”

Jogador 1: “Andamos um pouco à frente... o que vemos?”

Mestre: “Um pouco à frente o grupo encontra a vila Tal e Tal. [Segue a descrição da vila].”

Jogador 2: “Voltamos e resolvemos andar para a direita pelo meio das árvores.”

Mestre: “Logo que vocês saem do caminho, adentrando por entre as árvores pela direita, vocês encontram o Templo de Fulano de Tal. [Segue a descrição do templo].”

Jogador 1: “Não, não.... nós voltamos e vamos pelo esquerda...”

Mestre: “Então vocês dão de cara com a entrada de uma caverna... Só pode ser a famosa Caverna de Inominável Fulano. [Segue a descrição].”

Isso é tão anti-clima quanto o anterior. Primeiro por banalizar a floresta fazendo-a parecer que à cada dois passos algum referencial saltará aos pés dos aventureiros. Depois por jogar tudo no colo dos aventureiros sem a possibilidade de maior interpretação/interação. Isso é compreensível e aceitável algumas vezes, principalmente quando o mestre está aprendendo tanto à mestrar quanto aprendendo sobre um novo cenário ou sistema.


Uma floresta é uma parte de um cenário (um tipo, na verdade) que deve ser utilizado com cuidado, mas também aproveitando todo o seu potencial. Isso não requer muito trabalho, apenas um pouco de cuidado e imaginação. Ela é quase sempre uma ampla área, pouco habitada, com perigos, alguns poucos pontos de referência (que normalmente estão no nome da própria floresta) e com muitas possibilidades de emoção e aventura. E todos esses elementos devem ser claros para os jogadores sem a necessidade de serem citados à cada instante ou simplesmente banalizados.

O mestre deve ter claro de antemão as características da floresta – seja ela criada por ele mesmo para a aventura ou estando na descrição de um cenário – e de sua importância na campanha ou sessão. Se ela é apenas um mero obstáculo sem importância na aventura que deve ser atravessado para chegar à um ponto importante da história trate-a assim. Sabemos quanto tempo (pelas regras conforme o sistema) os aventureiros levarão para atravessá-la e se há ou não a possibilidade de encontrarem algum perigo. Se não houver necessidade para a aventura que está sendo jogada apenas narre a jornada por ela de forma ilustrativa.

Mas, se a floresta faz parte da aventura tendo um papel importante nela, ou mesmo se os aventureiros estão em uma campanha em que a ideia é aventurar-se, no sentido mais amplo da palavra, faça o melhor.

Para isso vamos ver alguns detalhes!


A questão do tamanho de uma floresta é uma das primeiras dúvidas do mestre quanto à narração e isso pode ser resolvido com uma descrição adequada e pontual em momentos exatos. Todos sabem o que é uma floresta e não precisam que os lembremos disso constantemente. Uma cidade ou vila pode (não quer dizer que devamos) ser descrita à cada quadra pois têm seus elementos mais facilmente reconhecidos. Mas uma floresta é muito diferente. Facilmente as coisas podem se tornar repetitivas.

A introdução dela, quando da chegada do grupo, tornar-se-á a visão que o grupo terá dela pelo período em que estiverem ali dentro ou até que algo mude. Essa descrição ao longo do período em que estiverem ali será pautada pelos acontecimentos ao longo do percurso, enquanto a noção geral será pautada ou pela percepção dos personagens ou por informações prévias deles (se as tiverem):

Vocês se aproximam da orla exterior da grande e sombria Floresta de Nuarth. As histórias contadas sobre ela parecem ganhar vida com a escuridão e sons estranhos vindos de seu interior. A luz parece quase não penetrar por entre a vegetação e conforme vocês avançam uma sensação claustrofóbica torna-se palpável à cada passo.”

Descrições como essa podem parecer genéricas, mas darão o tom para o tempo que permanecerem em seus limites. Não é preciso que seja repetido o quanto ela é sombria e assustadora ou quanto verde e árvores eles veem à cada momento. Isso já é senso comum. No decorrer da narração preocupe-se com a ambientação – sons, cheiros, pegadas, marcas – se houver necessidade. O grupo não precisa ter narrado cada um de seus passos, mas sim momentos ao longo do caminho. Não há nada de errado no mestre criar ‘passagens de tempo’ para economizar em narração. Centralize a narração à momentos - como testes para caça - ou se o grupo pretende decidir os próximos passos, sempre como possibilidades para interpretarem e colocarem o íntimo do personagens e seus backgrounds para funcionar. Faça os testes adequados (se preferir) para encontros com monstros e animais, mas lembre que a emoção ou o grande momento na floresta será (se assim estiver programado na aventura) no templo ou no esconderijo ou perseguindo (ou sendo perseguido) um antagonista etc.

Outro ponto importante, em uma floresta, são os encontros. Três tipos de encontros podem ocorrer em uma floresta: animais, pessoas e monstros. Os animais de pequeno porte normalmente estão em profusão por entre as árvores e muitas vezes serão o alvo preferencial de caça dos aventureiros. Animais de maior porte, como lobos, existirão, mas aparecerão com menor frequência sendo um desafio (muitas vezes simples) para o grupo.

Há pessoas numa floresta, com certeza, mas é muito mais raro de as encontrarmos vivendo sozinhas em campos onde plantações são seu sustento e os perigos são em menor número. Numa floresta essas pessoas normalmente vivem em pequenas vilas que inevitavelmente estão no meio de uma trilha ou estrada. Impossível encontrar uma vila simplesmente perdida no meio do nada sem nem um caminho que a denuncie. Rotas comerciais, passagens de viajantes ou simples caminhos de caravanas, não importa, essas pequenas vilas acabam por se dispor ao longo dessa estrada. Pessoas que morem sozinhas se restringirão à cabanas de caçadores e alguns poucos druidas e eremitas. Tavernas ao longo da estrada, tal qual paradouros, também podem ser encontrados, mas não exagere. Pensem muito bem em ficar fazendo o grupo de aventureiros encontrar pessoas à cada curva feita.

Os monstros são um capítulo à parte quando falamos em florestas. O RPG é um jogo de aventura e fantasia e combater monstros faz parte dele. Os aventureiros querem enfrentar perigos por motivos os mais diversos. Permita que o grupo enfrente esses perigos, mas sem exagero. Nada que chegue a banalizar pois o exagero não será benéfico, mas também nada que o torne raro demais. Não pense em usar metade do bestiário em apenas uma floresta. Imagine esse ambiente como qualquer outro onde há um certo equilíbrio de forças, onde seria impossível encontrar uma dúzia de dragões e alguns tarrasques.


Tendo isso claro podemos ir para o último dos elementos que temos que tomar cuidado quando narrando em uma floresta – locais importantes. Uma floresta pode ser o local ideal para colocarmos templos, cavernas e esconderijos dos mais variados tipos. Mas também é um local onde devemos tomar cuidado com o exagero. Assim como masmorras abarrotadas de monstros ou armadilhas, uma floresta tem de ter certa parcimônia quanto à quantidade de pontos importantes espalhados por sua área. Conforme a extensão da floresta podemos imaginar um templo, umas duas cavernas ou esconderijos, mas não tudo junto. Pense menos em proximidade e quantidade e mais qualidade de desafio em cada local. Tenho certeza de que o grupo se divertirá muito mais com um desafio digno para ser cantado pelos bardos do que uma enxurrada de oponentes e monstros.

o  O  o

O verbo a ser combatido, quando falamos de florestas, é banalizar. O mestre deve tomar todos os cuidados possíveis com possíveis exageros, achando que quanto mais melhor. Mas é justamente o contrário. A floresta é um ótimo local para o mestre ter testada sua capacidade de gerenciamento dos inúmeros recursos possíveis em uma adequada distribuição desses elementos de forma a deixar o cenário equilibrado, divertido e instigante.

Pense em narrar e descrever menos, deixando espaço para os jogadores interagirem mais entre eles e com o ambiente. Respeite, como mestre, o tipo de cenário que é uma floresta e faça o grupo vivenciar essa realidade de forma criativa e palpável. Sabe-se que quanto mais aberto o ambiente, no sentido de liberdade de ação para os jogadores, mais difícil é para mantermos o controle e isso pode assustar alguns mestres novatos. Mas é também a possibilidade de colocarmos a prova uma das maiores belezas dos jogos de contar histórias – a interpretação de um personagem totalmente imerso em um ambiente. O mestre, aos poucos, vai diferenciando os locais onde deve soltar as rédeas e onde as deve puxar.


Bons jogos!