Perdidos na floresta
- algumas dicas para narrar em florestas -
Narrar
situações com um grupo de aventureiros dentro de uma floresta, mesmo que um
fragmento de um sessão, mostra-se um certo desconforto para alguns mestres. Mas
não precisa ser um bicho de sete cabeças.
Existem
muitas formas de levar uma narração, umas mais livres e participativas, outras
mais restritas e descritivas. Normalmente uma boa parte dos novos narradores se
sustenta em pontos de referência à
partir dos quais eles criam cenas ou a própria narração dentro de um ambiente.
A taverna, a feira, a praça da cidade, a hospedaria, a lojinha, a ferraria, o
templo, a rua principal. Em uma cidade isso é muito mais simples, pelo menos
nas de menor porte (mas isso é tema para outro artigo), por uma questão de pura
estrutura do ambiente. E mesmo para os jogadores é mais fácil de interagirem
com um ambiente assim, criando sua interpretação pautada nesses pontos de
referência.
O
problema em si pode ser resumido ao fato de que as florestas possuem dois elementos
que dificultam as narrações (nosso foco hoje): a extensão e a falta de
referenciais. Os mestres, iniciantes principalmente, constroem suas narrações
em pontos de referência físicos por uma questão de segurança (já comentamos em
outro artigo do quanto isso é normal). Quando a aventura leva o grupo para uma
floresta isso se complica. O mestre não pode ficar narrando algo do tipo:
Mestre: “Vocês estão
entrando na floresta... há árvores à esquerda e à direita e um caminho à
frente.”
Jogador 1: “Andamos um
pouco à frente... o que vemos?”
Mestre: “Árvores e
mais árvores em um mar de verde até onde a vista consegue enxergar por entre os
troncos das árvores.”
Jogador 2: “Andamos mais
um pouco...”
Mestre: “Árvores e
mais árvores em um mar de verde até onde a vista consegue enxergar por entre os
troncos das árvores.”
Jogador 1: “Andamos mais
um pouco ainda...”
Mestre: “Árvores e
mais árvores em um mar de verde até onde a vista consegue enxergar por entre os
troncos das árvores.”
Isso
será no mínimo enfadonho e um clássico anti-clima para a aventura. Logo os
bocejos começarão.
Tampouco
podemos exagerar na descrição ou simplesmente banalizar o momento:
Mestre: “Vocês estão
entrando na floresta... há árvores à esquerda e à direita e um caminho à frente.
O que farão?”
Jogador 1: “Andamos um
pouco à frente... o que vemos?”
Mestre: “Um pouco à
frente o grupo encontra a vila Tal e Tal. [Segue a descrição da vila].”
Jogador 2: “Voltamos e
resolvemos andar para a direita pelo meio das árvores.”
Mestre: “Logo que
vocês saem do caminho, adentrando por entre as árvores pela direita, vocês
encontram o Templo de Fulano de Tal. [Segue a descrição do templo].”
Jogador 1: “Não, não....
nós voltamos e vamos pelo esquerda...”
Mestre: “Então vocês
dão de cara com a entrada de uma caverna... Só pode ser a famosa Caverna de
Inominável Fulano. [Segue a descrição].”
Isso
é tão anti-clima quanto o anterior. Primeiro por banalizar a floresta fazendo-a
parecer que à cada dois passos algum referencial saltará aos pés dos aventureiros.
Depois por jogar tudo no colo dos aventureiros sem a possibilidade de maior
interpretação/interação. Isso é compreensível e aceitável algumas vezes,
principalmente quando o mestre está aprendendo tanto à mestrar quanto aprendendo
sobre um novo cenário ou sistema.
Uma
floresta é uma parte de um cenário (um tipo, na verdade) que deve ser utilizado
com cuidado, mas também aproveitando todo o seu potencial. Isso não requer
muito trabalho, apenas um pouco de cuidado e imaginação. Ela é quase sempre uma
ampla área, pouco habitada, com perigos, alguns poucos pontos de referência (que
normalmente estão no nome da própria floresta) e com muitas possibilidades de
emoção e aventura. E todos esses elementos devem ser claros para os jogadores
sem a necessidade de serem citados à cada instante ou simplesmente banalizados.
O
mestre deve ter claro de antemão as características da floresta – seja ela
criada por ele mesmo para a aventura ou estando na descrição de um cenário – e
de sua importância na campanha ou sessão. Se ela é apenas um mero obstáculo sem
importância na aventura que deve ser atravessado para chegar à um ponto
importante da história trate-a assim. Sabemos quanto tempo (pelas regras
conforme o sistema) os aventureiros levarão para atravessá-la e se há ou não a
possibilidade de encontrarem algum perigo. Se não houver necessidade para a aventura que está sendo jogada
apenas narre a jornada por ela de forma ilustrativa.
Mas,
se a floresta faz parte da aventura tendo um papel importante nela, ou mesmo se
os aventureiros estão em uma campanha em que a ideia é aventurar-se, no sentido
mais amplo da palavra, faça o melhor.
Para
isso vamos ver alguns detalhes!
A
questão do tamanho de uma floresta é uma das primeiras dúvidas do mestre
quanto à narração e isso pode ser resolvido com uma descrição adequada e
pontual em momentos exatos. Todos sabem o que é uma floresta e não precisam que
os lembremos disso constantemente. Uma cidade ou vila pode (não quer dizer que
devamos) ser descrita à cada quadra pois têm seus elementos mais facilmente
reconhecidos. Mas uma floresta é muito diferente. Facilmente as coisas podem se
tornar repetitivas.
A
introdução dela, quando da chegada do grupo, tornar-se-á a visão que o grupo
terá dela pelo período em que estiverem ali dentro ou até que algo mude. Essa
descrição ao longo do período em que estiverem ali será pautada pelos
acontecimentos ao longo do percurso, enquanto a noção geral será pautada ou
pela percepção dos personagens ou por informações prévias deles (se as
tiverem):
“Vocês se aproximam da orla exterior da
grande e sombria Floresta de Nuarth. As histórias contadas sobre ela parecem
ganhar vida com a escuridão e sons estranhos vindos de seu interior. A luz
parece quase não penetrar por entre a vegetação e conforme vocês avançam uma
sensação claustrofóbica torna-se palpável à cada passo.”
Descrições
como essa podem parecer genéricas, mas darão o tom para o tempo que
permanecerem em seus limites. Não é preciso que seja repetido o quanto ela é
sombria e assustadora ou quanto verde e árvores eles veem à cada momento. Isso
já é senso comum. No decorrer da narração preocupe-se com a ambientação – sons,
cheiros, pegadas, marcas – se houver necessidade. O grupo não precisa ter
narrado cada um de seus passos, mas sim momentos ao longo do caminho. Não há
nada de errado no mestre criar ‘passagens de tempo’ para economizar em narração.
Centralize a narração à momentos - como testes para caça - ou se o grupo
pretende decidir os próximos passos, sempre como possibilidades para
interpretarem e colocarem o íntimo do personagens e seus backgrounds para
funcionar. Faça os testes adequados (se preferir) para encontros com monstros e
animais, mas lembre que a emoção ou o grande momento na floresta será (se assim
estiver programado na aventura) no templo ou no esconderijo ou perseguindo (ou
sendo perseguido) um antagonista etc.
Outro
ponto importante, em uma floresta, são os encontros. Três tipos de encontros
podem ocorrer em uma floresta: animais, pessoas e monstros. Os animais de
pequeno porte normalmente estão em profusão por entre as árvores e muitas vezes
serão o alvo preferencial de caça dos aventureiros. Animais de maior porte,
como lobos, existirão, mas aparecerão com menor frequência sendo um desafio
(muitas vezes simples) para o grupo.
Há
pessoas numa floresta, com certeza, mas é muito mais raro de as encontrarmos
vivendo sozinhas em campos onde plantações são seu sustento e os perigos são em
menor número. Numa floresta essas pessoas normalmente vivem em pequenas vilas
que inevitavelmente estão no meio de uma trilha ou estrada. Impossível
encontrar uma vila simplesmente perdida no meio do nada sem nem um caminho que
a denuncie. Rotas comerciais, passagens de viajantes ou simples caminhos de
caravanas, não importa, essas pequenas vilas acabam por se dispor ao longo
dessa estrada. Pessoas que morem sozinhas se restringirão à cabanas de caçadores
e alguns poucos druidas e eremitas. Tavernas ao longo da estrada, tal qual paradouros,
também podem ser encontrados, mas não exagere. Pensem muito bem em ficar
fazendo o grupo de aventureiros encontrar pessoas à cada curva feita.
Os
monstros são um capítulo à parte quando falamos em florestas. O RPG é um jogo
de aventura e fantasia e combater monstros faz parte dele. Os aventureiros
querem enfrentar perigos por motivos os mais diversos. Permita que o grupo
enfrente esses perigos, mas sem exagero. Nada que chegue a banalizar pois o
exagero não será benéfico, mas também nada que o torne raro demais. Não pense
em usar metade do bestiário em apenas uma floresta. Imagine esse ambiente como
qualquer outro onde há um certo equilíbrio de forças, onde seria impossível
encontrar uma dúzia de dragões e alguns tarrasques.
Tendo
isso claro podemos ir para o último dos elementos que temos que tomar cuidado
quando narrando em uma floresta – locais importantes. Uma floresta
pode ser o local ideal para colocarmos templos, cavernas e esconderijos dos
mais variados tipos. Mas também é um local onde devemos tomar cuidado com o
exagero. Assim como masmorras abarrotadas de monstros ou armadilhas, uma
floresta tem de ter certa parcimônia quanto à quantidade de pontos importantes
espalhados por sua área. Conforme a extensão da floresta podemos imaginar um templo,
umas duas cavernas ou esconderijos, mas não tudo junto. Pense menos em proximidade
e quantidade e mais qualidade de desafio em cada local. Tenho certeza de que o grupo
se divertirá muito mais com um desafio digno para ser cantado pelos bardos do
que uma enxurrada de oponentes e monstros.
o O o
O
verbo a ser combatido, quando falamos de florestas, é banalizar. O mestre deve
tomar todos os cuidados possíveis com possíveis exageros, achando que quanto
mais melhor. Mas é justamente o contrário. A floresta é um ótimo local para o
mestre ter testada sua capacidade de gerenciamento dos inúmeros recursos
possíveis em uma adequada distribuição desses elementos de forma a deixar o
cenário equilibrado, divertido e instigante.
Pense
em narrar e descrever menos, deixando espaço para os jogadores interagirem mais
entre eles e com o ambiente. Respeite, como mestre, o tipo de cenário que é uma
floresta e faça o grupo vivenciar essa realidade de forma criativa e palpável. Sabe-se
que quanto mais aberto o ambiente, no sentido de liberdade de ação para os
jogadores, mais difícil é para mantermos o controle e isso pode assustar alguns
mestres novatos. Mas é também a possibilidade de colocarmos a prova uma das
maiores belezas dos jogos de contar histórias – a interpretação de um
personagem totalmente imerso em um ambiente. O mestre, aos poucos, vai
diferenciando os locais onde deve soltar as rédeas e onde as deve puxar.
Bons
jogos!