Bestiário Tradicional
Português,
a descoberta de
criaturas fantásticas de Portugual
Há
coisas que de tão interessantes e instigadoras é impossível deixarmos passar em
branco ou não desejarmos. Esse é o caso do livro lusitano “Bestiário
Tradicional Português”, de autoria de Nuno Matos Valente e ilustrações
de Natacha Costa Pereira, lançado pela editora portuguesa Escafandro e que já
está em sua segunda edição.
É
inegável que bestiários de muitos dos RPGs clássicos foram retirados de
inúmeras obras de literatura fantástica. Robert Howard ou Tolkien, apenas para
citar dois, tiveram muito de suas obras influenciadas e inspiradas pelo
imaginário tradicional de suas terras natais. “A Bandeira do Elefante e da
Arara”, de Christopher Kastensmidt, e “Nyambe”, de Chris Dolunt, são exemplos
modernos de RPG que estão impregnados de lendas do imaginário brasileiro e
africano, respectivamente.
A
frase popular “nada se cria, tudo se copia” pode parecer um pouco complicada
quando falamos de publicações de RPG, ainda mais em tempo onde a pirataria é
uma palavra de ordem para debates apaixonados à favor ou contra. Mas ela pode
ser encarada de outra maneira. Muito dessas criações são por um lado obras
inéditas, mas ao mesmo tempo foram influenciadas principalmente por
conhecimentos prévios que são adquiridos nas lendas e mitos locais dos autores.
Aliado à isso temos a falsa impressão de que mundo à fora tudo se resume à
alguns tipos de criaturas devido à massiva influência que recebemos de títulos
com maior inserção no mercado.
O Bestiário Tradicional Português resgata o imaginário tradicional de criaturas fantásticas lusitanas, uma rica e impressionante lista de seres maravilhosos de uma cultura antiga e multifacetada. Não se vive apenas de vampiros, dragões e fadas, tão disseminados pela cultura pop atual, principalmente de origem americana. Portugal tem suas versões de gigantes, bruxas e anões, muito mais antigas e originais do que as versões americanas.
Nuno
Matos Valente começou o projeto em 2002 sob uma visão muito preocupada da
entrada de um elemento cultural estrangeiro: “Reparei que, nestes 15 anos, cada vez que perguntava o que é que ia
acontecer nesta época do 31 de outubro, havia cada vez mais meninos que falavam
no Halloween. (...) Em menos de uma geração as tradições portuguesas estavam a
ser substituídas pelo mais popular e apelativo Halloween, uma celebração de
origem celta que, apesar de ter nascido nas ilhas britânicas, foi a partir dos
Estados Unidos da América, para onde foi levado pelos imigrantes irlandeses,
que se espalhou pelo resto do mundo.” Ele começou um trabalho para resgatar
e preservar o imaginário fantástico português - “há uma alternativa quem quer brincar com monstros, aos sustos. Coisas
que têm um lugar fundamental no crescimento das crianças e que podem ser feitas
com histórias e criaturas que têm mais a ver com a nossa tradição”.
Ele
reuniu ao longo de quatro anos dezenas de histórias a partir de obras de autores
como o etnógrafo José Leite de Vasconcelos, Alexandre Herculano ou Teófilo
Braga, além de muitos relatos orais procurados em comunidades tradicionais,
totalizando cerca de 120, das quais algumas foram selecionadas (um total de quarenta
na segunda edição). Embora seja uma obra direcionada para crianças, onde se
começa a resgatar e plantar essa lembrança, o Bestiário Tradicional Português
pode ser uma fonte incrível de idéias novas para qualquer um, mesmo não sendo
português.
As
criaturas da região de Trás-os Montes são terríveis e ferozes, como anões e
gigantes. No Algarve há muitas histórias de almas penadas cavalgando seres
sobrenaturais. Temos o colossal Homem do Chapéu de Ferro, história natural da
região sul. Também no sul há a Velha da Égua Branca, uma figura benigna que
luta contra esse colosso. Temos literalmente o Bicho-Papão, uma das criaturas
mais populares de Portugal de norte à sul. Os Tardos, pessoas amaldiçoadas, que
se transformam em monstros variados, muito pálidos, com olhos massados e
mãos extremamente calosas. O Verdugo Barbudo que é uma cobra de grandes
dimensões com uma barba igual à dos humanos, a única característica que a
distingue de uma cobra de verdade. Cavalo do Pensamento, história comum no
norte do país, é uma criatura única no imaginário português, cruzando os céus com
seu corpo de cavalo, asas de morcego e fogo lançados pelos olhos, pela boca e
às vezes pelas narinas e podendo causar tempestades. A Aventesma, uma espécie
de fantasma, que parece uma pessoa muito alta, vestida como uma batina ou com
uma camisa até aos pés, e quanto mais se olha para ela, mais ela cresce. O Olharapo,
criatura gigantesca com três olhos na testa.
Essas
são apenas algumas das criaturas desta segunda edição. O autor já informou que
sua pesquisa continua e que pretende ampliar muito essa lista de criaturas. Se
você, assim como eu, ficou interessado no livro, você pode encontrá-lo AQUI.