O
efeito árvore de natal ou
como regular o uso de itens mágicos
Alguns
problemas surgem nas mesas de RPG como simples efeitos de algumas regras ou
dinâmicas, sem maldade alguma. Um desses casos está ligado aos itens mágicos.
Uma
das coisas que mais agrada um personagem é achar um item que lhe confere alguma
vantagem. Um cinto que aumenta seu poder, um anel que lhe concede mais vitalidade
ou uma espada que causa mais dano em seus adversários.
Na
maior parte dos livros ou filmes de fantasia esses itens conferem habilidades e
poderes impressionantes para seus portadores. Muitas aventuras e campanhas
surgiram com os itens como seu foco principal. Grupos entraram e pereceram em
castelos e masmorras apenas para conseguir um item mágico poderoso.
Todos
os sistemas de RPG que tem como cenário ambientes de fantasia (mas não só eles,
é claro) tem itens mágicos em suas regras. As listas são enormes e os efeitos
mais variados ainda.
É
lógico que um personagem iniciante, prestes a morrer na segunda espadada que receber,
adorará um item que melhore suas chances de sobreviver. Assim começa uma
campanha paralela à criada pelo mestre – a caçada desenfreada por artefatos
mágicos.
Em
muitos casos os mestres se obrigam a usar os artefatos mágicos para justificar
ou direcionar suas campanhas. E correm o risco de não os usando que o grupo
acabe tangenciando a aventura em si.
Esse
efeito acaba causando efeitos bizarros.
O
primeiro deles é o efeito ‘árvore de natal’. Depois de algumas seções o grupo
parece um bando de catadores com pilhas de artefatos dentro das mochilas, nos
bolsos e nas cuecas. Os efeitos vão se acumulando ou se anulando de tal forma
que quase nunca sabemos onde um efeito começa e outro termina.
O
segundo é no momento de combate. Para o mestre é um inferno. À cada rodada de
um combate os participantes trocam de anéis, armas, elmos, capas, cintos e tudo
o mais, conforme o efeito que desejam. Eu me perdia em muitos momentos em que
mestrava por causa disso, além do tempo que perdemos enquanto eles decidiam o
que fazer.
E
o terceiro e mais incômodo, e que já mencionei anteriormente, é o
tangenciamento da aventura em si. Claro que o mestre tem obrigação de passar por
cima de um problema desses, mas muitas vezes as aventuras acabam só sendo
interessantes para o grupo com enredos que giram em torno de artefatos e
experiência. Não uma nem duas, mas muitas vezes bons enredos acabavam ficando
em segundo plano para um corrida desenfreada pelo próximo item mágico.
O
principal e pior resultado disso é que o RPG em si acaba perdendo seu sentido.
Aquela noção de dificuldade, ganho de experiência e o gostinho da vitória se
perdem por completo. A necessidade de não morrer nunca, de vencer sempre, de
ser indestrutível acaba por nublar o verdadeiro prazer de experimentar a
realidade ou momentos reais que apenas o RPG proporciona.
Para
quem não leu ainda uma boa noção sobre o que estou falando é o artigo do Leonel
Caldela na Dragon Slayer 39, a última lançada, em que ele discute em “Falha
Crítica: como lidar com o fracasso dos heróis” do aprendizado e do prazer que
se pode tirar das falhas e fracassos em uma seção ou campanha de RPG, mesmo que
resultando em morte do personagem.
O
perigo que espreita nosso personagem, a dificuldade que pode colocar por terra
semanas de campanha, o deslize que pode fazer nosso jogo voltar a estaca zero
são o tempero ideal para que o prazer de uma bela seção de RPG seja
inesquecível.
Como
solucionar isso?
A
resposta é a mesma de sempre – bom senso do mestre e um pouco de rédea curta
para os novatos. Não estou promovendo a ditadura dos mestres, mas apenas um
pouco de direcionamento educativo, pode-se dizer. Como tudo o que é novo, além
dos efeitos dos videogames que ajudaram muito nisso, temos que mostrar à que o
RPG veio e como tirar o maior proveito dele. Alguns sistemas, como Tormenta
RPG, já se deram conta disso e tomaram algumas medidas simples quanto à isso,
mas nada impede que os mestres (e os jogadores mais experientes) ajudem neste
entendimento aos novatos.