Como
quase todo o jogador de RPG o cenário que mais me atraiu sempre foi o de
fantasia. Cavaleiros e dragões, honra e aventura, magia e espada, anões e
elfos, góblins e orcs. Toda essa profusão de elementos medievais somados à cada
elemento das milhares de lendas celtas e européias inundaram o imaginário dos
jogadores e aventureiros do RPG. E um elemento que não poderia faltar são os
castelos.
Castelos
são inegavelmente um dos elementos de fantasia, junto das dungeons, que estão
mais presentes nas aventuras e campanhas de RPG. Grandes ou pequenos, eles
guardam um fascínio que inunda o imaginário de todos os jogadores e podem
servir de pano de fundo para aventuras inteiras, sem nem termos que sair de lá.
Muito embora eles nem sempre estejam em nossas aventuras, são uma entidade
constante naquilo que entendemos por cenário fantasia. Como a proposta da seção
Material de Apoio é suprir carências e dúvidas sobre elementos que os amantes
desta prática tenham, tanto na narração de seus jogos como na criação de
aventuras e contos, vamos trazer uma série com tudo o que pudermos elucidar
para vocês.
Os
primeiros castelos - Motte and Bailey
Na história mundial os castelos, como encontramos nos jogos de RPG e na
literatura de fantasia, podem ser localizados na Idade Média européia
principalmente. Até então os tínhamos em uma configuração diferente, com
funções bem diferentes. Eram muralhas – algumas impressionantemente altas e
fortes – cercando regiões ou cidades. Isso era facilmente encontrado
principalmente nas civilizações do Oriente Próximo, nas cidades gregas e
romanas.
A formação dos castelos passou, como tudo, por um gigantesco processo ao longo
dos séculos. O que entendemos por castelos surgiu por volta do ano 900 indo até
meados do século XVII. O apogeu é considerado por volta do século XIII.
Toda a fase inicial dos castelos, na história, por volta do século X (mais
especificamente em 1066), é marcada por estruturas do tipo “Motte and Bailey”. O
termo “motte” e “bailey” se originam no francês normando onde motte significaria monte ou amontoado de
terra e bailey significaria
enclausurado. Esse tipo inicial de castelo, mais parecidos com enormes fortes,
eram feitos de madeira e tinham algumas peculiaridades. Ele estava dividido em
duas partes. Uma delas era construída numa elevação (o motte), entre 8 e 24 metros
de altura, e a outra estava localizada na base do solo (bailey), medindo de 1 à
3 acres. Toda esta base era cercada por uma paliçada – uma muralha de madeira que
muitas vezes poderia abranger ou não o motte. Para finalizar tínhamos um fosso
cercando as duas estruturas, por fora da paliçada.
A
construção nesta configuração se valia de algumas características que o fizeram
ter muito sucesso por séculos. Com eram feitos de madeira, sua construção
poderia acontecer em poucas semanas. Além disso, e por esta facilidade,
poderiam ser mudados de localização sem muita dificuldade, conforme a
necessidade. A posição do ‘motte’ (monte), com sua torre principal e elevação
relativamente íngreme, era muito difícil de ser atacado pela tecnologia
armamentista da época (principalmente a dos povos bárbaros). A facilidade de
sua construção pode ser atestada pela confirmação de que mesmo nessa época
houveram mais de mil espalhados só pela área da atual Inglaterra e País de
Gales.
Todas
essas vantagens o transformaram em um elemento principalmente útil em
conflitos, servindo de uma base para os comandos das tropas podendo avançar
conforme as tropas avançavam.
Na parte superior, no ‘motte’, ficava uma estrutura de madeira (alguns poucos
foram construídos em pedra, mas esta não era a regra) em forma de torre.
Poderia haver, também, outra pequena construção adjacente à torre com duas ou
três salas chamada de ‘casa da torre’ onde viviam o nobre com sua família. Na
parte inferior, no ‘bailey’, se concentravam as outras estruturas da
comunidade, mas em pequeno número.
Historicamente podemos ver a importância deste tipo inicial de castelo na
história da Inglaterra. A Batalha de Hastings, em 1066, marcou o fim do domínio
anglo-saxão na Inglaterra, que caiu ante Guilherme da Normandia (na Inglaterra
conhecido por Willian, o Conquistador). A estratégia empreendida por Guilherme
foi de, após invadir as ilhas britânicas, desembarcando em Pevensey,
rapidamente marcar posição. A melhor forma encontrada para isso foram as
construções de vários castelos no estilo ‘motte and bailey’. Uma verdadeira
rede de castelos quase móveis foram construídos. Esta questão da velocidade da
construção pode ser facilmente percebida se compararmos que em meses foram
construídos cerca de mil castelos (esse número ainda causa controvérsia, sendo
mais aceita a totalidade de 500 motte and bailey entre 1066 e 1086), enquanto
que em vinte e um anos após a conquista da Inglaterra foram construídos apenas
86 castelos de pedra. Eram necessários apenas 8 dias para a construção de um
motte and bailey, como no caso documentado da construção do terceiro deles em
Dover, após os de Penvensey e Hastings.
Para
entendermos melhor a velocidade de construção desses castelos, Hastings levou
cerca de oitenta dias para ser finalizado contando que foram usadas oitenta mil
toneladas de terra para motte e usando apenas 50 homens. Pelos cálculos, o de
Dover, para ser erguido em 8 dias, necessitaria de 500 homens, uma quantidade
relativamente baixa para os exércitos da época.
A
origem arquitetônica dessas construções teve origem nos franceses que se
protegiam das investidas vikings. Sem conseguir lutar de igual para igual, eles
desenvolveram uma forma de proteção que lhes desse certa vantagem nas lutas.
Assim foram concebidos os Motte and Baileys, protegendo os principais membros
das famílias nobres francesas, seus recursos e animais. O primeiro registro da
construção de um castelo deste tipo na frança remonta à 1051. Quando Willian, o
conquistador, chegou à costa inglesa, ele levou consigo esse conhecimento
estratégica básico, fazendo uso dele de forma primorosa. A construção de novos
motte and baileys ocorreram até meados do ano 1200.
Os
requisitos para a construção desse tipo de castelo compreendem-se pelas suas
necessidades imediatas. Os dois pontos principais eram a necessidade de um
local alto, para a colocação da torre, e era procurado um local próximo de um
rio. Cidades e grandes vilas não eram escolhidas para a construção dessas
estruturas por não ser a função deles a proteção, mas mais como postos
avançados. Este é outro elemento interessante para entendermos. Houve uma
mudança de função entre os castelos do tipo ‘motte and bailey’ e os castelos de
pedra. A função básica desse tipo de construção é servir como um ponto
fortificado para alojamento de soldados, provisões e cavalos. Embora pequenas
comunidades possam se formar dentro, sua função foi exclusivamente militar.
Estrategicamente
o motte and bailey funcionava em duas partes. Na primeira, a defesa era
realizada pelo bailey contando com a proteção da paliçada e do fosso, por uma
grande maioria dos soldados. O motte ficava reservado como uma segunda linha de
defesa. No caso do motte ser invadido, todos se retiravam para a parte
superior, destruindo as escadas/pontes de acesso, e começando uma defesa de um
ponto ainda mais elevado, criando uma boa vantagem. Mesmo com todas as
facilidades e benefícios deste tipo de construção, ela não era intransponível.
A melhor estratégia de ataque contra essas construções era o fogo ou deixá-la
sitiada.
Os primeiros castelos tinha uma variedade muito pequena de moradores visto que
sua função primeira era a de um posto avançado e não de colonização ou algo do
tipo. Na casa em forma de torre, no motte, que fazia as vezes de moradia e
forte, residia o ‘senhor do castelo’, sua família e alguns nobres de seu secto.
Junto dele estavam seus serviçais imediatos – cozinheiras e outras pessoas
encarregadas de afazeres domésticos. Naquele local todos tinham funções que
necessariamente tivessem serventia aos interesses do senhor e de sua sobrevivência.
Já na parte mais baixa, residia todo o resto da estrutura deste ‘castelos’. O
maior número de moradores era formado por soldados. Com a função militar desta
estrutura não poderia ser diferente. Haviam alguns artesãos específicos das
práticas que fossem importantes para a função deste ‘castelo’. Era o caso dos
ferreiros, alguns criadores (de porcos e galinhas principalmente), cozinheiros,
criadores e boticários.
A presença dos ferreiros, e cuteleiros, é óbvia. Num campo com função militar a
atividade deles era importantíssima para a fabricação e manutenção de
armamentos (espadas, machados, pontas de flechas e pontas de lança), armaduras
e no trato dos cavalos (ferraduras e outros metais necessários para sua
montaria). Os cozinheiros da parte baixa eram diferentes dos que cuidavam dos
afazeres no ‘monte’. Sua função era manter os soldados alimentados, mas sem
luxo.
Os
criadores mantinham galinheiros e chiqueiros funcionando com eficiência para
produzir animais até o outono. Uma grande parcela deles era abatida neste
período e conservada em sal, garantindo alimento na estação onde teriam mais
dificuldade de conseguirem vegetais. Por sinal, o pão era a base da alimentação
destas comunidades dentro do castelo durante os períodos mais quentes. Além
disso, o controle das reservas era mantido com atenção para situações de cerco
durante os combates. Os boticários fazia as vezes de um médico, quase um
curandeiro, para auxílio de todos dentro do ‘castelo’.
Poucas pessoas, fora destas funções, habitavam dentro deste tipo de ‘castelo’.
As comunidades acabavam se formando ao redor dele e criando verdadeiras vilas
com seus casebres espalhados por uma considerável área. Em caso de ataques, as
pessoas corriam para dentro dos muros, se os senhores assim permitissem.
Em RPG
De
que forma este elemento – o motte and bailey – pode ser usado nas suas aventuras
de RPG? Elementos como este servem muito bem para os mestres terem ideias de
ambientes dos mais variados. Um “castelo” como este é muito mais complicado de
ser invadido do que um daqueles enormes castelos de pedra.
Pensem
em usá-lo como um acampamento remoto em alguma região erma que o grupo esteja
avançando. Ele também pode muito bem ser usado para bárbaros ou globinóides
protegendo suas fronteiras ou em ataques contra sua região.
Outra alternativa é
colocá-lo no lugar de uma vila. Muitas vezes temos que enfiar uma vila em um
lugar dos mais inusitados para que o grupo possa ter onde descansar, se curar
ou arrumar seu equipamento. Nada mais lógico que em lugares distantes e
inóspitos eles encontrem este tipo de aglomerado ao invés de uma vila.