sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Entrevista da Confraria

A Confraria entrevista:
Marcelo Cassaro

O terceiro entrevistado da Confraria é Marcelo Cassaro. Muito embora ele não precise de apresentações vamos lembrar que ele é o criador do 3d&t, editor da Dragon Slayer e membro do "Trio Tormenta"... Não precisa dizer mais nada!

1) 3D&T é inegavelmente um dos sistemas mais jogados no Brasil. Como foi ser o responsável pela criação deste sucesso num ambiente, naquela época, cheio de grandes sistemas como D&D 3ª Edição, GURPS e Mundo das Trevas, chegando até o 3D&T Alpha?

Não foi coisa intencional. Ninguém nunca pensou “vamos fazer um RPG para superar todos os outros”. 3D&T só apareceu porque, em certo momento, percebemos que só estávamos ajudando outras editoras a divulgar e vender seus próprios produtos — sem autorização delas. Claro, essas editoras (especialmente a Devir) em geral aceitavam a ajuda sem reclamar. Mas na prática, era ilegal. AD&D, Gurps e Vampiro não eram Licença Aberta — até hoje o público não sabe, mas o acessório não-oficial Temporada de Caça por muito pouco não levou a um processo judicial.

A Trama Editorial (mais tarde Talismã) aceitava esse tipo de risco, por isso produzimos muito material dessa natureza enquanto estivemos lá. O mesmo não vale hoje para a Editora Escala, que publica a DragonSlayer; por isso a revista trata apenas de Sistema D20, por ser Licença Aberta.

De qualquer forma, 3D&T começou como nossa segunda tentativa para um sistema próprio (a primeira, na verdade, tinha sido o Sistema Daemon). E com certeza foi mais bem-sucedido que o esperado: até hoje, a revista Dragão Brasil que trouxe o primeiro Manual 3D&T como brinde foi a edição mais vendida da revista.

2) Depois de cinco anos com 3D&T parado, pelos motivos que todos já sabem, como foi estar novamente debruçado sobre ele? Muitos planos foram retirados da gaveta ou esses cinco anos serviram para uma reformulação mais profunda de conceitos?

Não tenho certeza se todos já sabem os motivos, então minhas desculpas por repetir tudo aqui. Essa história, eu faço questão que seja conhecida: Eu, Rogério Saladino e J.M.Trevisan conduzimos a Dragão Brasil durante uma década sem grandes problemas. Por volta de 2004 a editora mudou de direção, e tivemos problemas com essa nova direção. Estavam deixando de fazer pagamentos aos colaboradores. Gente esforçada e talentosa não estava recebendo por seu trabalho.

Foi quando Marcelo Telles, na época um de nossos colaboradores, sabendo dessa situação ruim, nos traiu. Fez secretamente uma proposta à editora, afirmando que poderia fazer a DB com seu próprio time. Graças a essa oferta a editora podia continuar com a DB, que era muito lucrativa na época, sem precisar pagar suas dívidas com a antiga equipe.

Essa fase enterrou a revista, que teve as piores vendas em sua história. A diretoria tentava compensar relançando nosso material antigo — incluindo livros 3D&T, sem pagar direitos autorais. Nosso trabalho pagava o salário do traidor. Para não compactuar com aquilo, deixei de produzir qualquer coisa para 3D&T. E então foi apenas questão de esperar o inevitável naufrágio.
Não posso dizer que havia muitos planos na gaveta, porque eu não achei que 3D&T sobreviveria. Minha intenção era trabalhar apenas com D20. Mas os anos mostraram que o jogo não morria assim tão fácil e, como a Jambô tem sido uma boa casa para nossos títulos, veio a idéia de voltar.

Depois de alguns anos mexendo só com D20, examinar de novo o sistema foi engraçado. Eu olhava uma regra, pensava “onde eu estava com a cabeça?” e mudava.

3) Um dos pontos que muitos aplaudem, com relação à 3D&T, é a incrível facilidade de entendimento por parte de iniciantes, servindo como ótimo elemento introdutório ao rpg. Numa entrevista que tu deste na edição número cem da DB disseste que se soubesse que Defensores de Tóquio seria tão bem-sucedido o teria feito mais genérico e mais avançado desde logo no início. Ainda tens esta opinião visto que o sucesso permanece o mesmo?

Perceba que o “início” de 3D&T foram revistas avulsas licenciadas de Street Fighter e outras franquias. Eram licenças de sucesso transformadas em RPG, precisavam de um sisteminha para acompanhar — Capcom era o produto principal, não 3D&T.

Aqueles módulos tinham regras focadas em cada cenário, não foram pensadas para virar algo genérico. Levitação só tinha esse nome porque apareceu primeiro na ficha de Dhalsim (muito tempo depois a vantagem serviria para voar, mas continuava se chamando “Levitação”). Essa e muitas outras decisões teriam sido diferentes, se eu soubesse que 3D&T seria tão popular.

4) Tu tens alguma relação com os Estúdios Maurício de Souza, não é!? A turma da Mônica sempre foi o bastião de resistência da produção nacional de quadrinhos contra gigantes do mercado internacional. E mesmo depois de tanto tempo o que se vê é o declínio destes produtos internacionais e a permanência, cada vez mais forte, dos quadrinhos do Maurício de Souza. Qual a importância dessa resistência, e sucesso, que ocorreram tanto com a turma da Mônica quanto para um cenário como Tormenta (cem por cento nacional)?

Muitos autores nacionais queixam-se da competição com franquias importadas, queixam-se que o público rejeita material nacional. Francamente, isso é pretexto para incompetência.

O autor nacional tem uma vantagem insuperável sobre o autor estrangeiro: nós sabemos quem somos, sabemos como somos, conhecemos nosso público. Podemos focar nosso trabalho na personalidade, na cultura brasileira — e não digo que “cultura” seja apenas fazer histórias sobre nosso folclore, carnaval ou futebol. Temos características ausentes em outros povos. Um autor ciente dessas características sabe produzir coisas interessantes para o público brasileiro. E um autor NÃO ciente disso, mas talentoso, ainda assim consegue ser bem-sucedido — porque ele é nativo da mesma cultura e teve as mesmas influências.

5) Estamos chegando ao aniversário de dez anos de Tormenta. Normalmente alguns planos vão ficando na gaveta por faltar inspiração ou algo parecido ou falta de tempo simplesmente. Tem alguma coisa que tu considere que foi ficando em segundo plano, mas que já está na hora de ser abordado?

Várias coisas já passaram da hora de abordar. Algumas não dependem de mim. Outras exigem tempo que não tenho. Acho que a prioridade no momento é concluir Tormenta OGL como um livro básico independente, agora que a Wizards desistiu de D&D 3E e não sabemos quanto tempo ele ainda durará aqui.

6) Muitos autores são pouco (ou muito) ciumentos com seu trabalho. Mesmo sabendo que Tormenta foi um trabalho em conjunto de três pessoas como tu viu os romances do Leonel e seu desenvolvimento dentro do cenário?

Muita gente mais talentosa que eu trabalhou (e ainda trabalha) em Tormenta, escrevendo e/ou ilustrando; se tivesse ciúme de todos eles, pode apostar que eu seria alguém beeem frustrado. Só fico aborrecido mesmo quando não gosto do resultado final. E mesmo assim, às vezes é necessário — o cenário precisa avançar, as coisas precisam acontecer. Nem todos os livros de Tormenta saíram 100% do jeito que eu gostaria, mas é melhor que não sair nunca.

Se tenho alguma reclamação com relação ao Leonel, foi não conseguir acompanhar tudo mais de perto — e também não ter mais tempo para tentar alguma coisa desse porte eu mesmo. Ele e o Trevisan conseguiram uma obra-prima e merecem os parabéns. Mas eu tive a sorte de trabalhar com o Leonel em Área de Tormenta e Piratas & Pistoleiros, que são ambos fantásticos.

7) Sendo um autor de sucesso no ramo de rpg (e nem se atreva a dizer o contrário hahaha) como tu vês a iniciativa de um projeto como Aliança Negra que gerou, na minha opinião, um bom material para o cenário?

Vejo que o criador original da Aliança Negra deveria se mexer, ou vai acabar sendo demitido do cenário, seguindo as novas tendências...

Falando sério, o Trevisan tem razão quando diz que “nossos fãs são os melhores”. E eu digo que esse é o espírito, os jogadores não deveriam esperar que os autores tomem todas as decisões, resolvam todos os problemas. Pode parecer discurso pré-fabricado, mas um cenário de RPG pertence aos fãs, eles podem fazer o que quiserem, mudar o que quiserem. Fico mais feliz quando surge algo assim, em vez de e-mails perguntando “quando é que sai isso e aquilo e aquilo...?”

8) Depois de toda esta experiência acumulada com 3D&T e Tormenta, quais os erros que devem ser evitados num cenário como Moreania?

Tormenta é grande demais, difícil demais de administrar. Vinte deuses! Trinta reinos! Centenas de NPCs! Por conta disso, foram anos até descrever totalmente o cenário, e mais alguns para resolver seus plots principais. E nem tudo foi ainda descrito ou resolvido. Por isso Moreania é bem menor.

9) A produção de material de rpg - seja para o cenário, seja para a DS - consome muito tempo. Existem projetos paralelos que teria vontade de colocar em prática?
Há quase um ano viajei ao Japão, trazendo na bagagem um monte de brinquedos e mangás. Até hoje ainda não tirei os brinquedos da caixa e nem comecei a ler nenhum mangá. Preciso fazer isso um dia destes.

10) Sem querer ser futurólogo, mas como tu acha que estará Moreania em seu aniversário de dez anos?

Espero que a essa altura seja um bom RPG massivo para celulares. Eles estarão ficando obsoletos por volta de 2017, mas eu gosto de videogame retrô.
por João