Ensinando RPG
O
que seria o mais importante para introduzir alguém no mundo do RPG? Essa
pergunta é feita e re-feita à todo o momento em inúmeras mesas, quando algum
novato chega. Dias atrás participei de um pequeno debate em um grupo de
jogadores de um determinado sistema no Facebook sobre o tema. Uns apoiavam que
o ideal seria introduzir direto em um sistema que fosse considerado o melhor e
mais abrangente (na opinião deles) enquanto outro grupo apoiava que o
importante seria o mestre em si.
Quem
acompanha a Confraria de Arton à mais tempo deve lembrar que já abordei o
assunto, não de forma tão específica, em postagens anteriores, mas não custa
nada retornar ao tema e ampliá-lo.
A
questão central seria, retomando o início desta postagem – o que é mais
importante para a introdução de um novato no mundo do RPG? Bom, alheio às
opções do debate eu vou entrar direto na minha opinião enquanto contraponho às
duas opiniões expostas na internet.
De
forma bem simples - o mais importante para um novato é ele ter a noção exata da
dinâmica e da mecânica de funcionamento de um RPG como prática e não delimitado
à um sistema específico. A prática do role playing game é antes de mais nada o
entendimento e reprodução de uma dinâmica especifica – a simulação. Quando
participamos de uma mesa assumimos um papel, independentemente do sistema
escolhido. Vamos interpretar um personagem (criado ou não por nós mesmos) e
vamos nos aventurar em um mundo qualquer.
O
sistema e suas regras, em si, são um mero detalhe para o novato e não me venham
choramingar ou me excomungar por esta declaração. Não estou desmerecendo nenhum
sistema, muito menos diminuindo a importância das regras. Sejamos claros.
Quando um novato ingressa no mundo do RPG ele tem nenhuma ou quase nenhuma
noção da grande variedade de regras e de sistemas existentes nos dias de hoje.
Para ele, falarmos sobre o sistema de regras um, dois ou três não fará
diferença. A grande maioria vem para uma primeira experiência por indicação de
amigos, familiares ou por ser algo da 'moda'. Mesmo aqueles que leram alguma
coisa em revistas ou que tiveram algumas explicações básicas dadas por algum
amigo mais alucinado, mesmo esses, não têm a verdadeira noção de como funciona
o RPG em si. Para esse novato é primordial entender alguns pressupostos básicos
da prática do RPG.
A
primeira e fundamental diferença deste tipo de jogo é a simulação aliada à
interpretação. Diferente de videogames, que vivemos o papel de um personagem
mais ou menos determinado em situações mais ou menos restritas, ou boardgames,
que temos ainda mais limitantes, no RPG literalmente vivemos a vida de um
personagem interpretando-o por um curto ou longo período de sua vida. Muitos
iniciantes acham estranho ou não entendem quando em seus primeiros encontros
para jogos eles vêem os veteranos alterando suas vozes, mancando ou falando de
forma exacerbada, fazendo reverências ou usando vendas como se fossem cegos.
Esses
novatos devem ter a noção de que o jogo privilegia a atuação (no sentido mais
literal e teatral do termo) e que vivenciarmos em nós mesmos nosso personagem,
é o que dá a tônica de nossa simulação, além de agregar muito mais diversão.
Muito mais do que regras em si eles precisam perceber que essa interpretação
ajuda em muito para a criação do ambiente e de sua imersão dentro dele.
Em
segundo lugar, e não menos importante, temos uma liberdade de ação que nos
possibilita realizar praticamente qualquer coisa em um jogo de RPG. A
possibilidade de ir e vir, quando e da forma que desejamos é primordial para
que o RPG seja, realmente, uma simulação da vida real em um ambiente/cenário
imaginário. Diferentes de outros tipos de jogos (como os boardgames e
videogames) temos opções quase que ilimitadas não só das ações em si, mas de
como realizar essas ações. Mesmo que estejamos em um simples corredor e
tenhamos a opção de apenas ir e vir, podemos realizar essa simples ação de
incontáveis formas, realizando incontáveis tarefas, com ou sem a ajuda de
nossos companheiros.
Aliando
esses dois elementos teremos o que o RPG é e proporciona para nós – simulação e
liberdade. Por mais que naveguemos nos mais simples ou intrincados sistemas.
Por mais que prefiramos RPG de mesa ou narrativo. Por mais que estejamos nos
mais diferentes cenários. Por mais que façamos parte do mais incomum dos
grupos. Nada disso importa. O RPG continua sendo simulação e liberdade.
Tendo
esses elementos claros podemos realmente perguntar – como seria a melhor forma
de introduzir um novato no mundo do RPG? A melhor forma seria utilizar qualquer
sistema onde seja possível apresentar e trabalhar com esses elementos chaves da
mecânica do RPG – liberdade e simulação – de forma que o novato possa tanto se
acostumar, sem um grande impacto, e apreciar a experiência. Considero que
muitas mecânicas são vistas por nós, jogadores mais experientes, como simples.
Mas não podemos esquecer que temos essa noção usando como parâmetro o que
consideramos 'complexo' ou 'complicado'. Para um novato algo que achamos ser
simples pode ser muito complicado.
A
experiência do primeiro jogo (ou dos primeiros) tem que fazer o novato querer
jogar cada vez mais, se aprofundar, procurar novidades e voltar para a próxima
sessão. Em muitos casos acabamos por afugentar jogadores iniciantes. E esse
erro pode acontecer sem querer, por nossa ânsia de ajudar. Muitas vezes
acabamos apresentando jogos para os iniciantes por considerar esse ou aquele
sistema como sendo o melhor ou até mesmo o mais simples, mas esquecemos que
temos o dever de avaliar se o sistema é convidativo ou simples aos olhos do
novato. O jogo ideal é aquele que o meu jogador novato possa aproveitar da
melhor forma possível e que o faça ter a melhor impressão, fazendo-o retornar
para mais jogos. Então temos que esquecer a noção de qual o melhor sistema de
RPG e partir para a noção de qual o melhor sistema para introduzir um novato -
um sistema simples e eficiente em apresentar o melhor desta prática.
Se
tudo isso já não fosse o bastante ainda temos o papel do mestre. Mesmo que
tenhamos um sistema simples (ou simplista) para introduzir o novato e que
tenhamos a melhor das boas intenções, o mestre tem também um papel fundamental
que pode colocar tudo a perder. Mesmo um sistema simples pode virar um
emaranhado confuso e prolixo nas mãos de um mestre que não tenha em mente seu
real papel de inicializador de um novato. Para os novatos, o mestre deve levar
em consideração, como eu já disse, que eles devem ter as primeiras noções da
sistemática e mecânica do RPG. Muito mais do que preciosismo com regras e
tabelas, ele deve apresentar ao novato a forma como ele deve proceder em um
jogo de RPG dando ênfase para o caráter interpretativo e principalmente de
liberdade.
Muitas
vezes, e até mesmo eu já cometi esse erro, os mestres acabam assustando os
novatos com muitos detalhes, freios e proibições, normais em um sistema, que
acabavam por anular a liberdade e diversão dentro do jogo de RPG. Lógico que
todos nós sabemos que todos os sistemas possuem regras, artifícios ou
proibições para ambientar, nivelar e balancear o sistema/cenário e que esse
grupo de 'leis' são usadas por jogadores experientes sem prejudicar o andamento
do jogo e sua diversão. Mas para novatos, neste ponto do aprendizado de um novo
estilo de jogo, todas essas proibições em excesso são desnecessárias e
infrutíferas. Para eles basta informarmos que existem freios conforme o sistema
para que o jogo não se perca em exageros e que eles aprenderão elas no futuro.
Infelizmente alguns mestres acabam achando necessário, ou mais do que isso,
acham fundamental, ensinar o novato e-x-a-t-a-m-e-n-t-e como um sistema
funciona para manter a 'pureza' dele ou para que o novato veja a mesma beleza
que ele (o mestre) mesmo vê naquele sistema. Um erro que poderá custar mais um
adepto no RPG.
Regras
são importantes, mas ao novato, para entender a mecânica e o funcionamento
deste tipo de jogo, bastam algumas noções básicas como a ordem das ações
(iniciativa), a dualidade ataque/defesa, pontuação de vida/dano, diferenças
entre ação livre e de combate... coisas deste tipo. Um mestre com bom senso
pode criar uma experiência inesquecível usando poucas regras e muita
criatividade para apresentar essas noções. Essas noções, depois de bem
aprendidas, serão as bases de qualquer sistema, não importa a complexidade que
possua. Um novato que absorver bem essas noções poderá procurar o sistema ou
cenário que mais lhe agrade e evoluir muito no RPG. Tudo ao seu tempo.
Depois
de tudo isso acho que posso dar meus pitacos sobre qual seria o melhor sistema
para iniciar alguém no RPG. Tenho três dicas mais diretas:
Hero Kid: sistema
criado por um australiano que é game design e desejava introduzir suas filhas
pequenas no mundo do RPG. Sistema muito, mas muito simples, tanto em regras
quanto em sistemática, mas que encerra em si todos os fundamentos do RPG. Ao
mesmo tempo ele possibilita que você trabalhe com a criação de personagens, com
os novatos, de forma extremamente fácil. [Resenha AQUI]
Maldito Goblin Advanced: o sistema
hilário do Coisinha Verde é uma forma que além de fácil mostra-se hilária. As
suas regras são as mais simples possíveis e presa principalmente pela diversão,
ao mesmo tempo que introduz novatos à mecânica rpgística. [Resenha AQUI]
RPGQuest: depois da
ótima notícia de que ele estará de volta em breve eu não poderia deixar ele de
fora. Este é uma ótima forma de introduzir alguém no RPG. Embora tenha regras
um pouquinho mais elaboradas, nas mãos de um mestre dedicado pode ser uma
experiência sensacional para os novatos. Tem sido a minha ferramenta para
introdução de novatos. Além disso, ele possibilita que o mestre apresente o RPG
em sua versão tabuleiro. [Informações AQUI]
Na
verdade TODOS os sistemas podem
servir como introdutórios para novatos. Como eu disse anteriormente, basta
levarmos em conta que temos que ver tudo com os olhos dos novatos e deixarmos
de pensar como mestres rpgístas pedantes. Já vi introdução de novatos com
sistemas que iam de Vampiro até D&D sem problema algum que os fizessem
fugir da mesa. Basta bom senso, discernimento e paciência. A mecânica que
precisa ser ensinada está presente em quase todos os sistemas existente (ou que
já existiram) e com cuidado e algum flexibilidade das regras TODOS os sistemas servem para o
propósito de ensinar.
Somos
mestres e temos a obrigação de levar a prática do RPG com seriedade e cuidado.
Se o RPG terá ou não um futuro duradouro depende do que fizermos hoje.