terça-feira, 10 de junho de 2014

Dicas do Mestre: Ensinando RPG


Ensinando RPG

O que seria o mais importante para introduzir alguém no mundo do RPG? Essa pergunta é feita e re-feita à todo o momento em inúmeras mesas, quando algum novato chega. Dias atrás participei de um pequeno debate em um grupo de jogadores de um determinado sistema no Facebook sobre o tema. Uns apoiavam que o ideal seria introduzir direto em um sistema que fosse considerado o melhor e mais abrangente (na opinião deles) enquanto outro grupo apoiava que o importante seria o mestre em si.

Quem acompanha a Confraria de Arton à mais tempo deve lembrar que já abordei o assunto, não de forma tão específica, em postagens anteriores, mas não custa nada retornar ao tema e ampliá-lo.

A questão central seria, retomando o início desta postagem – o que é mais importante para a introdução de um novato no mundo do RPG? Bom, alheio às opções do debate eu vou entrar direto na minha opinião enquanto contraponho às duas opiniões expostas na internet.


De forma bem simples - o mais importante para um novato é ele ter a noção exata da dinâmica e da mecânica de funcionamento de um RPG como prática e não delimitado à um sistema específico. A prática do role playing game é antes de mais nada o entendimento e reprodução de uma dinâmica especifica – a simulação. Quando participamos de uma mesa assumimos um papel, independentemente do sistema escolhido. Vamos interpretar um personagem (criado ou não por nós mesmos) e vamos nos aventurar em um mundo qualquer.

O sistema e suas regras, em si, são um mero detalhe para o novato e não me venham choramingar ou me excomungar por esta declaração. Não estou desmerecendo nenhum sistema, muito menos diminuindo a importância das regras. Sejamos claros. Quando um novato ingressa no mundo do RPG ele tem nenhuma ou quase nenhuma noção da grande variedade de regras e de sistemas existentes nos dias de hoje. Para ele, falarmos sobre o sistema de regras um, dois ou três não fará diferença. A grande maioria vem para uma primeira experiência por indicação de amigos, familiares ou por ser algo da 'moda'. Mesmo aqueles que leram alguma coisa em revistas ou que tiveram algumas explicações básicas dadas por algum amigo mais alucinado, mesmo esses, não têm a verdadeira noção de como funciona o RPG em si. Para esse novato é primordial entender alguns pressupostos básicos da prática do RPG.

A primeira e fundamental diferença deste tipo de jogo é a simulação aliada à interpretação. Diferente de videogames, que vivemos o papel de um personagem mais ou menos determinado em situações mais ou menos restritas, ou boardgames, que temos ainda mais limitantes, no RPG literalmente vivemos a vida de um personagem interpretando-o por um curto ou longo período de sua vida. Muitos iniciantes acham estranho ou não entendem quando em seus primeiros encontros para jogos eles vêem os veteranos alterando suas vozes, mancando ou falando de forma exacerbada, fazendo reverências ou usando vendas como se fossem cegos.


Esses novatos devem ter a noção de que o jogo privilegia a atuação (no sentido mais literal e teatral do termo) e que vivenciarmos em nós mesmos nosso personagem, é o que dá a tônica de nossa simulação, além de agregar muito mais diversão. Muito mais do que regras em si eles precisam perceber que essa interpretação ajuda em muito para a criação do ambiente e de sua imersão dentro dele.

Em segundo lugar, e não menos importante, temos uma liberdade de ação que nos possibilita realizar praticamente qualquer coisa em um jogo de RPG. A possibilidade de ir e vir, quando e da forma que desejamos é primordial para que o RPG seja, realmente, uma simulação da vida real em um ambiente/cenário imaginário. Diferentes de outros tipos de jogos (como os boardgames e videogames) temos opções quase que ilimitadas não só das ações em si, mas de como realizar essas ações. Mesmo que estejamos em um simples corredor e tenhamos a opção de apenas ir e vir, podemos realizar essa simples ação de incontáveis formas, realizando incontáveis tarefas, com ou sem a ajuda de nossos companheiros.


Aliando esses dois elementos teremos o que o RPG é e proporciona para nós – simulação e liberdade. Por mais que naveguemos nos mais simples ou intrincados sistemas. Por mais que prefiramos RPG de mesa ou narrativo. Por mais que estejamos nos mais diferentes cenários. Por mais que façamos parte do mais incomum dos grupos. Nada disso importa. O RPG continua sendo simulação e liberdade.

Tendo esses elementos claros podemos realmente perguntar – como seria a melhor forma de introduzir um novato no mundo do RPG? A melhor forma seria utilizar qualquer sistema onde seja possível apresentar e trabalhar com esses elementos chaves da mecânica do RPG – liberdade e simulação – de forma que o novato possa tanto se acostumar, sem um grande impacto, e apreciar a experiência. Considero que muitas mecânicas são vistas por nós, jogadores mais experientes, como simples. Mas não podemos esquecer que temos essa noção usando como parâmetro o que consideramos 'complexo' ou 'complicado'. Para um novato algo que achamos ser simples pode ser muito complicado.

A experiência do primeiro jogo (ou dos primeiros) tem que fazer o novato querer jogar cada vez mais, se aprofundar, procurar novidades e voltar para a próxima sessão. Em muitos casos acabamos por afugentar jogadores iniciantes. E esse erro pode acontecer sem querer, por nossa ânsia de ajudar. Muitas vezes acabamos apresentando jogos para os iniciantes por considerar esse ou aquele sistema como sendo o melhor ou até mesmo o mais simples, mas esquecemos que temos o dever de avaliar se o sistema é convidativo ou simples aos olhos do novato. O jogo ideal é aquele que o meu jogador novato possa aproveitar da melhor forma possível e que o faça ter a melhor impressão, fazendo-o retornar para mais jogos. Então temos que esquecer a noção de qual o melhor sistema de RPG e partir para a noção de qual o melhor sistema para introduzir um novato - um sistema simples e eficiente em apresentar o melhor desta prática.

Se tudo isso já não fosse o bastante ainda temos o papel do mestre. Mesmo que tenhamos um sistema simples (ou simplista) para introduzir o novato e que tenhamos a melhor das boas intenções, o mestre tem também um papel fundamental que pode colocar tudo a perder. Mesmo um sistema simples pode virar um emaranhado confuso e prolixo nas mãos de um mestre que não tenha em mente seu real papel de inicializador de um novato. Para os novatos, o mestre deve levar em consideração, como eu já disse, que eles devem ter as primeiras noções da sistemática e mecânica do RPG. Muito mais do que preciosismo com regras e tabelas, ele deve apresentar ao novato a forma como ele deve proceder em um jogo de RPG dando ênfase para o caráter interpretativo e principalmente de liberdade.

Muitas vezes, e até mesmo eu já cometi esse erro, os mestres acabam assustando os novatos com muitos detalhes, freios e proibições, normais em um sistema, que acabavam por anular a liberdade e diversão dentro do jogo de RPG. Lógico que todos nós sabemos que todos os sistemas possuem regras, artifícios ou proibições para ambientar, nivelar e balancear o sistema/cenário e que esse grupo de 'leis' são usadas por jogadores experientes sem prejudicar o andamento do jogo e sua diversão. Mas para novatos, neste ponto do aprendizado de um novo estilo de jogo, todas essas proibições em excesso são desnecessárias e infrutíferas. Para eles basta informarmos que existem freios conforme o sistema para que o jogo não se perca em exageros e que eles aprenderão elas no futuro. Infelizmente alguns mestres acabam achando necessário, ou mais do que isso, acham fundamental, ensinar o novato e-x-a-t-a-m-e-n-t-e como um sistema funciona para manter a 'pureza' dele ou para que o novato veja a mesma beleza que ele (o mestre) mesmo vê naquele sistema. Um erro que poderá custar mais um adepto no RPG.


Regras são importantes, mas ao novato, para entender a mecânica e o funcionamento deste tipo de jogo, bastam algumas noções básicas como a ordem das ações (iniciativa), a dualidade ataque/defesa, pontuação de vida/dano, diferenças entre ação livre e de combate... coisas deste tipo. Um mestre com bom senso pode criar uma experiência inesquecível usando poucas regras e muita criatividade para apresentar essas noções. Essas noções, depois de bem aprendidas, serão as bases de qualquer sistema, não importa a complexidade que possua. Um novato que absorver bem essas noções poderá procurar o sistema ou cenário que mais lhe agrade e evoluir muito no RPG. Tudo ao seu tempo.

Depois de tudo isso acho que posso dar meus pitacos sobre qual seria o melhor sistema para iniciar alguém no RPG. Tenho três dicas mais diretas:

Hero Kid: sistema criado por um australiano que é game design e desejava introduzir suas filhas pequenas no mundo do RPG. Sistema muito, mas muito simples, tanto em regras quanto em sistemática, mas que encerra em si todos os fundamentos do RPG. Ao mesmo tempo ele possibilita que você trabalhe com a criação de personagens, com os novatos, de forma extremamente fácil. [Resenha AQUI]

Maldito Goblin Advanced: o sistema hilário do Coisinha Verde é uma forma que além de fácil mostra-se hilária. As suas regras são as mais simples possíveis e presa principalmente pela diversão, ao mesmo tempo que introduz novatos à mecânica rpgística. [Resenha AQUI]

RPGQuest: depois da ótima notícia de que ele estará de volta em breve eu não poderia deixar ele de fora. Este é uma ótima forma de introduzir alguém no RPG. Embora tenha regras um pouquinho mais elaboradas, nas mãos de um mestre dedicado pode ser uma experiência sensacional para os novatos. Tem sido a minha ferramenta para introdução de novatos. Além disso, ele possibilita que o mestre apresente o RPG em sua versão tabuleiro. [Informações AQUI]

Na verdade TODOS os sistemas podem servir como introdutórios para novatos. Como eu disse anteriormente, basta levarmos em conta que temos que ver tudo com os olhos dos novatos e deixarmos de pensar como mestres rpgístas pedantes. Já vi introdução de novatos com sistemas que iam de Vampiro até D&D sem problema algum que os fizessem fugir da mesa. Basta bom senso, discernimento e paciência. A mecânica que precisa ser ensinada está presente em quase todos os sistemas existente (ou que já existiram) e com cuidado e algum flexibilidade das regras TODOS os sistemas servem para o propósito de ensinar.

Somos mestres e temos a obrigação de levar a prática do RPG com seriedade e cuidado. Se o RPG terá ou não um futuro duradouro depende do que fizermos hoje.



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