Pirataria e RPG
- uma contribuição ao debate -
Em
um interessante artigo do Encho Chagas no RPGNotícias sobre pirataria (ler
AQUI) ele deixa no ar o debate que deve ser levado à cabo nos próximos tempos –
como fica a relação entre a distribuição (ou acesso) gratuito (permitido ou
não) de material de RPG e o mercado de RPG em si? Pergunta nada fácil de ser
respondida e à qual vislumbro não ter, na verdade, uma resposta.
Sem
ter que repetir aqui os argumentos do Encho, tampouco transcrever todo o seu
artigo (link anteriormente) quero deixar uma contribuição para possivelmente
engrossar e complicar ainda mais o debate, mas que se faz necessária.
O
artigo Pirataria no RPG mostra um
trabalho de pesquisa e análise do Encho como poucos e centrado no viés
econômico da questão – o mercado do RPG e o impacto que este sofre da
pirataria. Sabemos que por mais que o RPG seja um hobby amado por todos nós,
ele já assumiu o caráter de negócio para muitos. Vide o crescente leque de
editoras, produtos e produtores de conteúdo que tentam, se não viver disso, pelo
menos ter algum ganho. E não há nada de errado nisso (antes que venham me
buscar com seus forcados). O RPG ter se tornado um negócio não é errado, assim
como produtores de conteúdo não é errado, assim como o debate do impacto da
pirataria também não.
Quero
ir um pouco além e ao lado no debate. Como já disse aqui mais de uma vez, vejo
o RPG não só pela sua diversão, mas principalmente por tudo o que ele pode
proporcionar de benefícios para seus jogadores. Desde desenvolvimento
cognitivo, incentivo à produção criativa, formador de caráter (quando bem direcionado)
e mesmo virar uma profissão. Para que isso seja maximizado ele precisa ter um
acesso amplo – algo que com toda a certeza influencia diretamente o mercado.
Como
que isto se liga ao tema pirataria. Como tudo que se torna um negócio, acesso
significa vender uma ideia - que estará representado por sistema/cenário/mecânica/título,
ou seja, um produto, não importa o quê - que estará vinculado à uma produção
intelectual de alguém ligado ou não à uma empresa. Isto é ponto pacífico. Se
alguém cria algo quer ser reconhecido/pago por sua produção. Por que coloco
reconhecimento e pagamento juntos. Pois para muitos o reconhecimento (download,
uso e feedback) é o seu pagamento. Como que para outros, como muito bem o Encho
colocou em seu artigo, a distribuição gratuita (sem pagamento) é uma estratégia
de mercado também. De qualquer forma temos aqui a noção (sem querer cair em
terminologia econômica) uma relação produção/ganho.
O
RPG tem se reduzido à isso.
Por
mais que tenhamos paixão pelo RPG e a tenhamos representado com a produção e
criação de material, no final das contas ele tem sido um produto para ser comercializado.
Ninguém procura montar uma editora por hobby. Ninguém pesquisa títulos estrangeiros
para serem traduzidos e publicados no Brasil por pura falta do que fazer.
Ninguém edita revistas de RPG, cobrando por elas, por puro prazer. São tudo
facetas do negócio que se tornou o RPG. E repito – não há nada errado com isso.
Dentro
desta lógica a pirataria é um elemento nocivo à todos os que fazem do RPG um
negócio. É o mesmo que, eu sendo professor e ganhando por aluno assistido com
minhas aulas, de repente esses alunos resolvessem aprender via youtube. A
pirataria fere o ganho dos produtores de conteúdo ligado à RPG. Um complicador
à este problema é de raiz moral (se é
que podemos dizer assim) de que infelizmente muitos querem tirar vantagem mesmo
não tendo necessidade (mas abordarei isso mais adiante).
Mas
o elemento que desejo acrescentar ao debate é como casar este viés cada vez mais crescente do RPG como negócio com o
acesso o mais amplo possível. Num primeiro momento alguém pode rapidamente
me acusar de ser favorável à pirataria. Vamos avançar. Eu considero que o
acesso ao RPG é primordial e deveria estar acima de qualquer outra coisa por
todos os seus benefícios já citados dentre muitos outros (temos atualmente uma
enxurrada de TCCs e trabalhos debatendo isso). Entendo perfeitamente as
questões de mercado, mas quem sabe pela minha formação como professor, eu me
preocupe com seus benefícios e como equalizar o problema.
Para
ser mais claro. Não vejo na pirataria o problema em si no cenário brasileiro,
pois ela cria acesso universal ao hobby e todas as suas nuances,
indistintamente de cenário ou sistema ou mecânica ou editora ou autor. Vejo a
pirataria como uma forma de pessoas que não teriam como pagar sete reais (como no debate da semana
passada levantado por fãs e editores de uma revista de RPG) e que sim, são pessoas
que existem no Brasil, de terem acesso aos benefícios do RPG. Essas pessoas e
suas práticas não são o problema da pirataria. Como disse, o problema é moral.
O problema da pirataria são pessoas que têm as condições de financiar seu hobby
com maior ou menor facilidade financeira, mas que preferem se valer do jeitinho para conseguir de graça o mesmo
material que poderiam comprar.
Aqui
sim reside o problema da pirataria. Se pensarmos bem, aquele que poderia ser
beneficiado com material não pago advindo da pirataria (mas que não tem
condições ou tem muita dificuldade) não faria diferença em questões de mercado,
pois ele não consumiria, em última análise, um livro de cento e tantos (quase
duzentos) reais por razões óbvias (quase um quarto de um salário mínimo). Enquanto
quem têm condições e acaba por piratear está lesando a editora pois ele
realmente é o público alvo deste produto. A questão moral está em ter o poder
de escolher entre comprar (com facilidade ou nem tanto) e piratear. E não me
venham com o argumento de que “mas eu não
posso comprar todos os títulos que desejo”. Isso é argumento típico daquele
tipo de pessoa que se jogava no chão na infância quando seus pais recusavam em
comprar algo, pois queria todos os modelos de tal tipo de brinquedo. Como eu
disse – questão moral, ou ética, como preferirem. Neste tipo de rpgista é que
está o peso para os ganhos do mercado de RPG e seus produtores de conteúdo!
Sei
que isso pode trazer mil e um debates em paralelo indo de vieses sociológicos à
políticos e não vou cair nessa arapuca, mas quem me conhece sabe que esta
sempre foi uma preocupação minha em particular.
Com
isto que vimos até agora temos a questão que deve ser ao meu ver a principal: como
conscientizar os consumidores que têm condições de adquirir os produtos que
desejam que não fazerem uso da pirataria? Acrescentaria aqui mais uma questão:
como os produtores conteúdo de RPG veem o acesso ao público que está ainda de
fora por n motivos, quase todos sociais ou financeiros, e que teriam na pirataria acesso ao RPG sem ferir seus ganhos?
Se
conseguirmos equalizar esses dois elementos – moral na opção de usar ou não
produto não pago e acesso universal – teremos um mercado forte, crescente e lucrativo,
tendo ainda o bônus de culturalmente mais rico.
Espero ter feito jus á qualidade do material do Encho e contribuído ao debate com esta outra visão sobre o tema. E vocês... o que acham?