Diários de Campanha
Kult: Divinity Lost
Mists
Around the Lake – Sessão 1 a 3
Eu estava devendo à algum tempo
um diário de minhas sessões. Diários de sessões de RPG são ótimos, pois ao
mesmo tempo em que ilustram o andamento da mesa em si, servem como referência
do sistema jogado. Não prometo regularidade, mas farei o possível. Esse
primeiro será mais longo, pois apresentarei o sistema, o cenário e personagens,
além de uma prévia das sessões anteriores.
A sessão dessa semana foi nosso
sexto encontro jogando Kult: Divinity Lost. Para quem não conhece o título,
Kult é um RPG que teve sua primeira edição lançada em 1991 pela Metropolis Ltda
e que está hoje em sua quarta edição, lançada em 2018 pela Modiphius. Ele será
lançado no Brasil em português em breve, pela Burô Brasil. Em poucas palavras
ele é um cenário de terror que lida com temas extremos ligados à maldade pura,
violência e abuso, interligados com o misticismo, o sobrenatural e o
psicológico dos personagens. O jogo em si é uma jornada ao autoconhecimento do
personagem... e essa visão não será agradável.
Mas em linhas gerais os seres
humanos já foram deuses e um ser poderoso conhecido como Demiurgo acabou com
isso, prendendo a humanidade e sua consciência em uma ilusão. Essa ilusão é
nossa realidade e serve como nossa proteção contra as criaturas existentes,
seres que nos vêem quando os vemos. Então o Demiurgo começou a desaparecer
e a ilusão começou a rachar. Hoje o Demiurgo se foi, a consciência da humanidade
está se ‘rebelando’ contra a fé e os Arcontes - os servos todo-poderosos do Demiurgo
- ficam ocupados tentando nos manter sob controle.
A verdade é que o mundo ao
nosso redor não é o que imaginamos. Ele é uma mentira e toda a humanidade está
presa em uma ilusão que nos esconde o que realmente existe à nossa volta. A
realidade é terrível, sóbria, macabra e com o odor férreo do sangue. Apenas
alguns de nós, aqueles com mentes e consciências mais rebeldes, percebem
flashes da verdadeira realidade. Aqueles detalhes que não compreendemos com
exatidão, mas que nos incomodam o inconsciente. Estamos presos numa percepção
que não é a nossa e sair desses grilhões nos levará à realidade, à verdade... e
à inevitável loucura. Precisamos acordar, por pior que isso seja.
Os personagens são pessoas despertas ou em processo de despertar
desta ilusão. Elas estão ligadas à fatos de seu próprio passado, pecados
inomináveis de eventos que estão perdidos ou apagados em seus íntimos. Esses
fatos precisam ser resgatados e expiados acima de toda a ilusão que os cerca.
Kult é a procura de nossos demônios pessoais onde somos os culpados ou a luta
efetiva contra essa ilusão que cerca à todos. Como bem diz no livro básico, os
personagens são subitamente despertados de um “sono” e percebem que suas vidas
são uma mentira e, conforme a realidade se desfaz peça por peça, eles começam a
enxergar o verdadeiro mundo à sua volta. Um mundo de horrores.
Em nosso jogo em si, nossos
personagens estão no processo de despertar e, por isso mesmo, estão em um
movimento pendular entre realidade e pesadelo, enquanto eles tentam compreender
o que se passa. A mecânica de Kult é o PbtA (Powered by the Apocalipse) e ela é
perfeita para esse tipo de jogo e traz experiências ainda maiores para mim como
jogador. Um cenário desse tipo, entre perturbador e de autoconhecimento, casa
perfeitamente bem com narrativas e interações profundas e alongadas, dramas
pessoais e compartilhamento de cenas, coisas que estão acima de mecânicas
puramente físicas. Conforme o jogo progride e temos ‘sucesso’, fragmentos de
nosso pesadelo pessoal nos é revelado.
Pelo que já devem ter percebido
Kult é um RPG que necessita de cuidados. Ele é perturbador, pesado e
desconfortante. Sua temática, a história e seu andamento são um desafio. Ele
realmente não é um jogo para todos e requer cuidado ao ser narrado ou em sua participação.
Mesmo folhar o livro pode ser desconfortante para a maioria devido à suas
belíssimas, mas perturbadoras, imagens. Suas cenas podem conter elementos
gatilho para muitas pessoas e requer extrema atenção do mestre e comunicação
entre mestre e jogadores antes e durante o andamento das sessões.