Os personagens e nós
Desde que comecei a jogar RPG (e lá se vão dezoito anos) que uma das coisas que sempre me atraiu foi a possibilidade de representação de outra realidade. A realidade que desejamos e criamos.
Quando representamos um personagem, quando encarnamos um herói ou vilão, deixamos a nossa forma de ser por outra artificialmente construída através de regras e cálculos. Começamos a atuar segundo certos parâmetros estabelecidos racionalmente e colocados numa folha de papel.
Será?
Essa pergunta não é original, com certeza. Mas ela começa a tomar forma em nós, jogadores e mestres, com o passar do tempo. E mesmo com todo o tempo que muitos têm de mesa, nem sempre ela ocorre.
Será que estamos tão longe assim de nossos personagens? Eu arrisco uma resposta... Não.
Não sou iniciado na psicologia, mas posso assegurar que por mais que tentemos criar personagens completamente diferentes do que somos, acabamos não conseguindo. A pergunta deveria ser então: será que nos conhecemos tão bem à ponto de identificarmos quem realmente somos, e, por conseguinte, quem nossos personagens são?
Muitas vezes sustentamos certas máscaras (nada relacionado à Vampiro), mesmo sutis, que nos escondem de nós mesmos. Não é à toa que existe aquela frase batida que diz: “existem três facetas sobre nós: aquilo que os outros acham que somos, aquilo que achamos de que somos e aquilo que realmente somos.”
A criação do personagem de RPG segue sempre regras determinadas, repletas de cálculos. Mas a verdadeira criação do personagem está na escolha racional, consciente ou inconsciente, de cada atributo, perícia, característica ou poder.
Por mais que nossa construção possa parecer algo surpreendente para nós, em cada uma das escolhas, níveis ou cores, está um pouco do nosso ‘eu’.
E isso ainda é reforçado por nossa interpretação em jogo. Já disseram – “dê um pouco de poder para um homem e você conhecerá seu verdadeiro ser”. RPG é dar poder ilimitado para alguém, mas em outra realidade.
No RPG, por nossas escolhas de criação e posterior interpretação, achamos uma brecha para um pouco de nós mesmos escapar da prisão criada pelas ‘máscaras’ conscientes e ou inconscientes.
Depois de anos criando personagens eu comecei a perguntar, como quem olha de fora, quem era aquele ser artificial? Até que ponto eu estava nele ou ele em mim? Onde começa um e termina o outro? Haverá essa fronteira?
Calma... não comecem a achar que você é tão ruim ou mal quanto o vilão do último jogo. É um reconhecimento mais sutil, mas possível. Um reconhecimento de que as escolhas feitas estão muito mais próximas ou íntimas quanto achávamos.