Belonave Supernova volume 2
- Resenha -
Fazer
uma resenha nunca é fácil. Ficamos com medo - pelo menos eu fico já que é uma
tremenda responsabilidade – de cometer alguma injustiça, de entender errado
algum ponto ou de não ter percebido a profundidade de algo. Mas no caso de
“Belonave Supernova volume 2”, de Alexandre Lancaster, lançado pela editora Jambô, foi ainda mais difícil, pois quero conseguir
passar para os rpgístas tudo o que eu senti ao lê-lo.
Sou
de um tempo arcaico do RPG no Brasil, se é que se pode dizer isso. Naquele
tempo passávamos horas inventando e criando nossas aventuras em cima de livros dos
poucos livros importados ou xerocados que dispúnhamos. Algumas vezes nos
valíamos de aventuras de algum mestre conhecido nosso ou de algum revista
importada que por obra do acaso chegava à nossas mãos.
O
tempo foi passando e tive o privilégio de acompanhar o surgimento de muitas
revistas nacionais de RPG onde a saudosa Dragão Brasil perdurou por mais de cem
edições. Tínhamos afinal um local para achar aventuras, mesmo que nem sempre de
forma tão periódica, mas ainda assim uma referência. Quando uma aventura
começava em uma edição e terminava em outra nós subíamos pelas paredes de
alegria e estufávamos o peito para dizer que era uma aventura ‘enorme’.
O
momento seguinte, já após o nascimento do cenário de Tormenta, na mesma Dragão Brasil,
foi quando recebemos em mãos uma publicação inteira em forma de uma única
aventura onde os jogadores teriam que atravessar duas dezenas de labirintos
para libertar uma tal deusa aprisionada. Foi épico. Meses de jogos, alguns
personagens mortos e muita diversão.
Mais
tarde tivemos o surgimento de uma nova revista, Dragon Slayer, chegando cheia
de gás com todo um cenário e algumas aventuras. E então a Jambô mostrou sua
cara, crescendo como uma das maiores editoras de RPG do Brasil, assumindo de
vez o cenário Tormenta e nos suprindo com aventuras e mais aventuras seja nas
páginas da DS, no seu próprio site/blog ou nas publicações como as “Só
Aventuras”.
Toda
esta longa introdução foi necessária!
Posso
dizer com convicção que estamos atravessando hoje mais uma barreira, dando um significativo
passo com o lançamento de “Belonave Supernova volume 2”.
Eu
tive o privilégio de receber, assim como outros editores de blogs, uma edição
em primeira mão para avaliar. Confesso que realmente esperava algo grande desde
que havia terminado a leitura do primeiro volume. Consegui ser surpreendido
mais uma vez, algo que não é fácil depois que atingimos certa idade.
Vou
colocar aqui, de forma bem didática minhas conclusões tomando o cuidado para
não dar spoilers e tentando fazer jus à qualidade do produto.
Por
muito anos, como mostrei nos parágrafos acima, fomos servidos da melhor forma
que era possível pela revista Dragão Brasil no que diz respeito à aventuras
prontas para RPG. Posteriormente tivemos a memorável “A Libertação de Valkaria”
com suas mais de cento e vinte páginas de puro dungeon em uma corrida
desenfreada para salvar a deusa. Depois tivemos o lançamento da revista Dragon
Slayer que continuou nos provendo de aventuras até culminar com as edições do “Só
Aventuras” para Tormenta RPG pela editora Jambô
Mas
em todos esses casos tínhamos a disponibilização de aventuras de um certo tipo
e natureza. Normalmente eram lineares, sempre heróicas e diretas. Quase sempre
curtas para serem introduzidas em uma campanha criada por algum mestre. No caso
da LdV a aventuras era, com toda a certeza, enorme, mas proporcionalmente
linear. Não é uma crítica qualitativa, de forma alguma, mas uma constatação da
infância do RPG produzido no Brasil e de uma adequação ao espaço disponível mo
mercado.
Com
o lançamento de “Belonave Supernova volume 1”, e agora o lançamento de seu
término, tivemos uma alteração substancial disso em dois pontos. Primeiramente ele é aparentemente linear. Como toda a
aventura de RPG é necessária uma espinha dorsal, um fio condutor, no sentido de
interligação causa-efeitos dos acontecimentos. Mas a imposição de linearidade
termina aí. Os 26 capítulos da aventura, 13 neste segundo volume, representam episódios
de um grande arco. Embora eles tenham um plot inicial, introduzido ou não no
capítulo anterior, podem ser transcorridos de muitas formas diferentes, todas
elas influenciando de forma substância os capítulos vindouros. Se no primeiro
volume isso não era tão percebido, neste segundo isso pula em nossa cara nos
assustando e trazendo o interminável mantra “...se eu não tivesse feito isso lá
atrás!”
O
sentido de causa e efeito é muito mais palpável do que já visto em outras
aventuras. Isso trás à luz dos jogadores uma coisa que nem sempre eles se dão
conta – da importância dos atos. Normalmente, e de forma equivocada, nossos
jogadores estão acostumados à simplesmente seguir a aventura sem muito
raciocínio e de forma quase automática. Eles querem o prazer do final épico.
Mas isso não acontece em “Belonave Supernova volume 1”. Aqui os aventureiros
são levados à apreciar e vivenciar a beleza e complexidade da jornada. Cada inside
realizado juntando peças da aventura os leva a um outro patamar de entendimento
do todo, e não um simples final apoteótico medido pelo nível de seu personagem.
Em
segundo, temos aqui uma forma de ver e lidar com os personagens diferenciada.
Eles são levados a se questionarem sobre seu papel dentro da história, sobre o
quão importantes e fundamentais eles foram/são e o que realmente significa ser
um herói em todo o peso que o termo carrega.
Colocando
esses dois elementos juntos e unindo com a vivência plena da aventura e estaremos
vivendo não um jogo, mas tendo experiência rpgística.
Este
segundo volume continua com algo que me agradou muito já no primeiro volume – os
tipos de personagens. É impressionante a quantidade de tipos de personagens que
cabem ou podem ser utilizados em uma aventura como esta. Isto concede ao mestre
uma gigantesca variedade de NPCs possíveis, enriquecendo ainda mais a
ambientação da aventura.
Os
capítulos (ou episódios) são construídos de forma prática e sem elementos
desnecessários dando muita margem para que a dinâmica dos personagens ache seu
próprio roteiro, mas sem nunca perder o foco na aventura em si. Isso
possibilita, mais uma vez, a fuga da linearidade objetiva, mas sem perder o fio
condutor da aventura.
Se
você curtiu o combate entre batalhões de Hussardos e Lanceiros no Episódio 5 do
primeiro volume, teremos novamente as mesmas emoções neste segundo volume, no
capítulo 17. É um outro nível de emoção e diversão.
Da
mesma forma que no voluma anterior o autor apresenta considerável material na
forma de dicas para auxiliar o mestre em desmembrar tramas, dramatizar situações,
explorar detalhes e prolongar situações, tudo isso para possibilitar uma maior imersão
e diversão de cada episódio.
A
aventura em si é desafiadora como todo verdadeiro “herói” merece. Não imagine
chegar ao final de cada capítulo ileso, seja física ou mentalmente (pelo menos para
aqueles que aproveitam a imersão à fundo). Além disso, nada será fácil, sejam
combates ou insides sobre a trama. Tudo vai requerer muita dedicação dos
jogadores e, sobretudo, do mestre.
Para
finalizar temos uma excelente escolha de ilustradores que de forma enxuta não
poluem o livro e, ao mesmo tempo, conseguem dar o tom exato de cada episódio.
Diferentes em seus estilos, mas convergentes em seus conceitos, as artes
transmitem exatamente o que esperar ou vivenciar em cada episódio.
Mas
não por isso tudo que eu apresentei até o momento que considero o “Supernova
Belonave Volume 2” (e vamos pensar no conjunto dos dois volumes) como um novo patamar
das aventuras de RPG nacionais. Mas ele trata os jogadores de uma forma nova. À
muito que batalho pelo fato de que temos que qualificar o RPG e seus jogadores
e isso não é sinônimo de menos diversão, e este livro prova muito bem isso. Ele
pretende uma aventura que faça os PCs pensarem e sentirem, desejando e
possibilitando uma imersão completa dos jogadores dentro de seus papéis.
Daí
você pode me questionar: mas os jogadores estão prontos para isso? Não estão
prontos ainda e mesmo muitos mestres não o estão. Não temos tido interesse, como
mestres e jogadores, e também não havia acesso à campanhas com este intuito. Mas
isto não é algo que se consiga do dia para a noite, mas apenas jogando e
jogando aventuras cada vez mais desafiadores (neste sentido de imersão) e
qualificadas. Claro que qualquer tipo de mestre e jogador poderá usar essa
aventura e ainda assim se divertir muito sem grandes problemas, mas para
vivenciar a profundidade esperada pelo autor, requer um pouco mais de cuidado e
zelo. Algo que qualquer grupo e mestre podem tentar. Perceberam que em nenhum momento da resenha eu comentei o sistema, diga-se de passagem 3d&T, ao qual esta aventura se pretende? Isso foi proposital, pois seu conceito e importância vão além de meros sistemas, são divisores de águas.
Esse
é o ponto que transforma esta aventura em uma corajosa iniciativa tanto do autor
Alexandre Lancaster quanto da editora Jambô. Já estava na hora de termos acesso
à algo deste nível para que nossos rpgístas possam ir além do simples ato de
jogar percorrer uma aventura e chegar ao seu fim.