sábado, 5 de abril de 2014

Conto: Um passo em falso - um conto sobre zumbis


- Saco, eu não aguento mais ficar aqui trancado!

- Eu não quero mais!

- Cala a boca cara!

- Não vê que assim eles vão nos ouvir!

- Ouvir o quê cara, estamos em um apartamento e até agora não aconteceu nada.
Nada!

- Como assim nada?

- O mundo inteiro se despedaçou com estes merdas de monstros, a minha família toda deve ter morrido, e você me diz que não aconteceu nada!

- Olha cara estamos aqui dentro a alguns meses, e eu sei o que está acontecendo no mundo, ou pelo menos que estamos com problemas, mas ficar aqui dentro não vai adiantar.

- Sabe quantas pessoas moram nesta cidade?

- E sabe quantas estão transformadas em zumbis?

- Acho que 99% delas estão assim.

- Temos que ter um plano para podermos sair e sobreviver.

Neste exato momento uma grande explosão acontece na frente do prédio, fazendo quebrar as vidraças do apartamento e provavelmente as de todo o quarteirão. Entreolham-se e, correndo desesperados até a janela, conseguem ver que em frente ao prédio uma casa começa a pegar fogo.

Alexsander, que era da Rússia e estava a poucos meses no Brasil, através de um intercâmbio escolar, pula para o chão, gritando palavras de seu dialeto.          Jorge sabe que isto não é bom, sabe que este barulho chamará metade da cidade para aqueles lados, e isto seria o fim deles neste apartamento.

- Merda, Alexsander, levanta temos que ir!

- Vamos, vamos!

- O que houve?

- Eu não sei, mas isto vai chamar milhares deles.

- Mas...

- Pega a mochila e coloca tudo ali dentro, comida e facas.

Enquanto Alexsander jogava tudo para dentro da mochila o que fosse necessário para eles, Jorge observava a rua em frente de sua casa e assim pode notar as movimentações de zumbis por todos os lados.

A explosão chamou a atenção de muitos mortos vivos que estavam pelas ruas próximas. A maioria das pessoas fugiram e alguns poucos que ficaram, acabaram em sua quase totalidade, transformaram-se em monstros. Sabia-se que poderiam haver sobreviventes, mas não se sabia onde estavam, nem como estavam se virando dentro da cidade. Nas ruas era impossível chegar, tamanha a concentração de corpos pelo chão, corpos estes que talvez tiveram mais sorte do que os sobreviventes; a única coisa que se podia saber com exatidão era do silêncio sepulcral. Nada se movia, nem pássaros, nem cães, muito menos pessoas. Mas isto Jorge já havia sentido, pois no dia em que ocorreu tudo, mais precisamente na noite, no segundo seguinte, tudo ficou em um completo silêncio, neste exato momento sabia que algo aconteceu.

Jorge, que esta absorto em suas memórias, não nota todo o movimento de Alexsander pelo apartamento nem mesmo as indagações deste sobre que coisas devia pegar. Apenas retorna para a realidade quando sente o aperto no ombro dado por seu amigo.

- Jorge, temos que ir!

- Como?

- Temos que ir, Jorge, temos que ir!

- Não sei não, a explosão chamou muitos.

- Cara, não temos mais comida!

- Não podemos ficar.

- É mas está perigoso.

- Vamos morrer aqui se ficarmos parados.

- É, mas eu não vou!

- Então fique, pois eu vou embora.

- Não vou morrer aqui parado.

- Espere!

- Certo, eu vou.

- Mas vamos sair por trás do prédio.

- Lá deve estar mais tranquilo.

- Me dá a faca.

- Você fica com esta de carne.
          
Jorge abre a porta do apartamento com extrema cautela, pois há alguns meses não saia para o corredor e por isto não tinha a mínima ideia do que poderia encontrar.

O prédio em questão era antigo, com apenas dois apartamentos por andar. A sua vizinha de porta, era uma senhora, que vivia sozinha. Não recordava seu nome, mas sabia que esta tinha aproximados 70 anos de idade. Entre os dois apartamentos ficavam as escadas que levavam tanto para o térreo quanto para os andares superiores. Jorge morava no segundo andar, então não teria muitas dificuldades em chegar até o salão de entrada.

Sussurrando para Alexsander, junto com sinais, Jorge mostra que ao final do salão de entrada, nos fundos, há uma porta que leva até a garagem do prédio. O salão era grande, de formato arredondado e na entrada possuía uma porta de ferro com vidros canelados. Ao chegar, Jorge e Alexsander tiveram uma visão que jamais poderiam imaginar. Batendo nos vidros, estavam adultos e crianças, ensanguentados, todos transformados em zumbis.

- Meu Deus Jorge, olhe aquilo - falou Alexsander em tom de admiração.

- Caramba!

- São muitos!

- Alexsander, não podemos ficar aqui, vamos!

- Certo.

Um barulho de arrastar de mesa desvia a atenção dos dois amigos. Ao olharem para trás se deparam com uma senhora que vestia um pijama branco todo sujo de sangue coagulado. Seu rosto estava desfigurado por mordidas, o seu braço esquerdo estava pendurado, talvez só pelos tendões, ficando esticado além do normal. Em seu ventre, por baixo da blusa, podia-se ver pedaços de carne que saíam para fora da roupa.

- Meu Deus é minha vizinha! - fala Jorge aterrorizado.

- Sua vizinha!

- Sim!

- Para trás senhora!

- Para trás! - grita Alexsander em tom de ordem.

- Alexsander ela não vai obedecer!
- Mas...

- Não adianta, acerta ela.

- Mas é só uma senhora!

- Acerta ela!

Neste exato momento, por estar mais próximo, a morta-viva avança em direção à Alexsander. Com ferocidade incrível ela o ataca, enquanto ele escorrega sangue existente no chão. Sem hesitar, o zumbi jogasse por cima de Alexsander, com sua boca aberta e cheia de um liquido negro e viscoso, tenta morder o rosto de sua presa.

- Tira ela, tira ela! - grita desesperado Alexsander.

- Calma Alex!

- Meu Deus, tira ela - Jorge não sabia o que fazer, era um fato que jamais poderia imaginar.

- Tira ela!

Jorge então, em um ato totalmente desajeitado, chuta a cabeça da senhora que tentava morder Alexsander. Isto faz com que o zumbi caia  para o lado. Sendo assim, dando tempo suficiente para que Jorge cravasse uma faca na cabeça do morto vivo fazendo-o parar instantaneamente.

- Por que você demorou tanto - esbraveja Alexsander.

- Por que eu nuca fiz isto antes. Até pouco tempo era minha vizinha – retruca Jorge.

- Os dois são surpreendidos por novos barulhos que vinham do dormitório do porteiro.

- Acho que o que atacou a sua vizinha está preso naquela sala - ponderou Alexsander.

- Vamos embora Alex, vamos – grita Jorge.

Os dois correm em direção à porta dos fundos onde dá acesso a garagem do prédio. Ao entrarem percebem que a garagem está cheia de carros, ou seja, o prédio está com todos os condôminos e que perto dos carros estão alguns destes moradores.

- Corre Jorge!

- Alex!

- Para lá Alex!

Jorge e Alex correm desesperadamente em direção à porta da garagem. Eles sabem que não podem parar e que qualquer erro seria o seu fim. Mas, a curiosidade faz parte do ser humano. Alex ao olhar para trás, vê apenas a escuridão e o som que chega a seus ouvidos o aterroriza. Gemidos de dor, gemidos de fome que atormentavam o corpo destes monstros. Os mortos vivos sabiam que os dois estavam ali correndo e sabiam que suas carnes poderiam saciar a sua dor.

- Alex aqui – grita Jorge

- Rápido!

Jorge não consegue terminar a frase toda, quando vê Alex pular na porta e abrindo-a com seu corpo, joga-se para a rua. Não há tempo, apenas grita.

- Sai!

- Sai da aí!

            Jorge olha para trás e vê braços emergindo das sombras com suas mãos retorcidas e podres da decomposição da transformação.

- Corre Alex! Corre!

- Para onde Jorge, para onde! Ali para aquele lado, na esquerda!

Eles correm sem olhar para trás. Correm, pois sabem que só isto importa. Ao dobrar a esquina a viela está tomada de zumbis, mortos que ouviram a explosão.

- Mas que merda! – balbucia Alex.

- Jorge! Volta, volta!

- Para onde Alex!

- Para lá!

Começam a subir a rua, tentando achar a rua principal. Agora eram milhares de zumbis que estavam no seu encalço e isto não era nada bom. Não tinham para onde ir, não sabiam de nenhum lugar seguro, tudo estava tomado pelos mortos.

- Alex, vamos achar um lugar e nos escondermos por um tempo, assim eles se esquecem! – esbraveja Jorge.

Ao dobrarem a esquina, onde havia várias lojas de serviços, Alex, num instante de distração, ao passar por um carro com as portas abertas, é agarrado pelo braço por um zumbi que estava sentado. Era uma morta-viva de aparência adulta. Parte de seu couro cabeludo fora arrancado, possivelmente por ter sido puxada pelo vidro. A morta viva fora mordida perto da mandíbula, o que fazia aparecer seus dentes. A força com que o zumbi o agarrava era enorme. Logo atrás vinha correndo Jorge que ao ver a cena corre em direção de Alex e com um pulo chuta o braço da morta viva que o solta. Sem se dar conta, Jorge fica próximo demais do zumbi, o suficiente para ser mordido perto da barriga. Alex, ao ser solto, continua correndo, e ao se dar conta de que estava sozinho olha para trás e vê seu amigo de joelhos gemendo de dor por causa da mordida.

- Jorge levanta! Levanta!

- Não dá Alex!

- Vamos, levanta!

O mesmo zumbi que mordera seu amigo, consegue sair do carro e o agarra pela cabeça mordendo-o no pescoço numa ferocidade que faz Jorge cair ao chão em espasmos.

- Não!
- Não!
- Merda não vou poder ficar aqui mais.

Alex contorna a esquina e se depara com um cruzamento em forma de T repleta de zumbis que vinham dos dois lados da rua. Por sua sorte estes estavam a alguns metros dele, o que dava alguma vantagem de fugir. Sua única saída era uma loja de brinquedos que estava bem a sua frente com uma fachada cheia de brinquedos enormes, com flores penduradas e cata-ventos a rodar por causa do vento. O incrível é que de alguma forma Alex consegue ver que de dentro dela uma cortina se moveu e isto era o suficiente para levá-lo até a porta.

- Abram a porta! Abram! Eu sei que tem gente ai! Abram merda! Eles vão me pegar!

Alex nota que há movimentação dentro da loja, mas o seu tempo está acabando pois os zumbis estão cada vez mais perto.

- Vamos logo abram!

Alex ouve finalmente uma voz que vinha do fundo da loja.

- Calma cara! Abre! Eles estão perto Vai!

Por um milagre Alex vê a porta se abrindo com dificuldade, e num ato desesperado consegue empurrar a porta e entrar, por um segundo sentiu as mãos dos mortos tocarem em sua roupa, sentiu o bafo podre de suas boca em seu pescoço. Mas não foi o suficiente para deixá-los para fora, estavam tão perto que conseguiram bloquear a porta com os braços em uma tentativa de agarrar suas presas.

- Fecha, vai fecha! - Grita Alex.
- Eu tô tentando! - Retruca o rapaz que abriu a porta.

Alex continua forçar a porta contra os zumbis.

- Me ajuda aqui cara!

- Eu não tô conseguindo!

- Merda eles estão entrando! - O rapaz urra em raiva!

- A janela, merda eles estão entrando!

- Viu o que você fez seu filho de uma puta! Nós vamos morrer!

- Cala a boca e empurra! - ordena Alex.

Alex está começando a perder as forças de tanto esforço, e neste tumulto nota que uma mulher pedindo socorro está lá dentro da loja com eles.

- Cara não solta! - se desespera Alex - Se soltar eles vão entrar! Não solta, não solta! Tem muitos lá fora eles vão entrar!

- Tudo isto é culpa sua seu desgraçado! Foda-se eu não vou deixar ela lá!

Alex não acredita que o rapaz soltara a porta para ajudar a sua amiga que gritava por socorro. Isto foi o suficiente para que Alex não conseguisse suportar a força de muitos mortos a empurrar a porta da loja, que em segundos estava tomada de mortos de peles podres, sangues coagulados pelas roupas e braços e parte dos rostos arrancados ou mordidos.

Infelizmente Alex não teve tempo de fugir dos ataques dos mortos o primeiro zumbi o mordeu pelo braço com tanta força que o fez ajoelhar de dor e isto foi o suficiente para que o segundo zumbi não tivesse dificuldades de alcançá-lo arrancando parte de seu olho. Alex não só sentiu a dor da carne como sentiu a dor do desespero, de saber que este era o seu fim e tudo o que gostaria de fazer e ver jamais iria se realizar, sentiu na alma a fome dos mortos serem saciadas pela sua carne.

Em um último suspiro de humanidade Alex apenas grita duas palavras:


- Seus merdas! Seus merdas!

Dica do Mestre: Mestre rigoroso ou liberal


Mestre: rigoroso ou liberal?

Ser mestre é uma tarefa que não chega a ser difícil de ser exercida, embora necessite de um mínimo de conhecimento de regras de um sistema determinado e do cenário jogado. Cabe à ele a função de direcionar o uso das regras, ponderar as situações de disputa e apresentar o enredo da sessão ou campanha. Até aqui temos o senso comum.

O grande diferencial está em como exercer essa função de forma proveitosa na mesa de jogo. Todos aqueles que já jogaram com mestres diferentes perceberam que não existem dois mestres iguais. Cada um impõe sua forma de usar os NPCs, de narrar, de fazer sonoplastia dos acontecimentos, de conduzir a história etc. Em suma, cada um tem o seu estilo de ‘mestrar’.

Eu poderia cometer aqui o exagero - que nem é tão exagero assim - de afirmar que não existe formas erradas de mestrar. Mas isso desde que não se firam duas premissas básicas do RPG – a diversão e a simulação.

O ato de jogar RPG significa inserir uma série de jogadores em um universo fantasioso (não necessariamente de fantasia), auxiliado por regras determinadas, onde eles experimentarão a sensação de vivenciar tal cenário, em uma verdadeira simulação da realidade, usando para isso, basicamente, a imaginação.

O ponto central para essa experimentação da realidade é o conhecimento, compreensão e utilização das regras pelo mestre. Muitas vezes já escutamos a celebre frase de que para se jogar RPG os jogadores nem precisam conhecer as regras de determinado sistema. Ao mestre se delega tal função. Tudo isso corrobora a noção de importância do mestre para o andamento do jogo e, por conseqüência, da possibilidade de experimentação de uma realidade para o jogador.

Com isso podemos nos perguntar qual seria a melhor forma de exercer essa função. Se a diversão e a simulação são os cernes centrais da prática do RPG temos que nos valer de formas que não a delimitem além do necessário e com isso atuar, como mestres, de uma forma que deixem os jogadores tendo uma excelente experiência de sua prática.

Existem duas vertentes, ao meu ver, seguidas pelos mestres. Uma delas prega o rigor das regras e de sua utilização. A outra vertente prega a liberdade das ações sem limites. As duas vertentes buscam a mesma coisa para os jogadores – uma boa prática do RPG. Qual está certa? À rigor, nenhuma delas está correta em sua plenitude.

A vertente que prega o rigor da utilização das regras pelo mestre não o faz como uma forma de espezinhar os coitados dos jogadores. Sua visão vai muito além disso. Para eles uma plena e correta utilização das regras garante, sem noções dúbias ou regras que fujam das páginas do livro, a única forma de proporcionar aos jogadores uma plena noção da realidade que procuram. Isso aconteceria, pois para eles as regras seriam a forma definitiva de condução do jogo e assim não possibilitariam que qualquer imprevisto pudesse atrapalhar o jogo e a diversão. Aqui a segurança seria o ponto principal para sua escolha. Essa forma de proceder também lhes garante segurança em como proceder com possíveis exageros por parte dos jogadores.

Já a vertente da liberdade na utilização das regras o faz por ter a noção de que a diversão está intimamente ligada à liberdade de agir por parte dos jogadores. Este grupo confia no feeling dos jogadores, e do mestre, para que a meta do RPG seja atingida. Eles temem que uma interferência possa acabar prejudicando tanto o andamento do jogo quanto a forma como os jogadores. As regras existentes nos manuais seriam meras diretrizes genéricas para serem utilizadas somente em momentos cruciais.


Pelo que se pode perceber, as duas vertentes têm a diversão dos jogadores como pauta principal. Claro que trabalho aqui com a condição perfeita de mestres e jogadores que interessados em um jogo decente. Então como equacionar isso? A resposta é óbvia – necessitamos de um meio termo.

Nem tanto à gregos, nem tanto à troianos, como diz o ditado. Já disse isso em outro artigo e quero sim me tornar repetitivo... o importante é sempre o bom senso. Sabemos que as regras nos proporcionam um ‘norte’ na condução de um sistema ou de um cenário. Mas elas devem servir como amparo e não como âncora do mestre. Já vi muitos jogos que simplesmente travavam, ou mesmo terminavam, por causa do uso incessante das regras. Ao mesmo tempo já presenciei grupos de RPG que entravam numa verdadeira espiral de loucura na hora de jogar e exageravam em sua liberdade transformando a exceção em regra.

O meio termo é saber quando e onde usar as regras ou quando e como puxar as rédeas dos jogadores. O mestre deve ter noção que o jogo de RPG precisa de fluidez e ritmo para ser cativante e interessante para os jogadores. Isso só é alcançado quando as regras passam a ter um papel secundário na prática do RPG, como sendo apenas elementos para consulta quando necessárias. Lógico que para que isso funcione o mestre também deve observar (não impôr) que a condução das ações dos jogadores permaneçam dentro de um certo limite aceitável. E para isso não é preciso jogar regras e regras em cima deles. Basta mostrar-lhes que estão extrapolando. Junto deste bom senso uma boa dose de interação entre mestre e jogadores é fundamental também, pois o respeito às interferências mostra-se importante.

Como disse antes, quando mestre e jogadores estão dividindo juntos a responsabilidade por um jogo que lhes proporcione sensações únicas e gratificantes, tudo fica muito mais fácil.

Então para que isso dê certo aqui vão umas dicas básicas:

- use as regras apenas quando for indispensável;
- não tire vantagem das regras para alterar o andamento do jogo, faça isso através do enredo;
- não altere as regras apenas para ter razão, se vais cobrar as regras o faça de forma coerente e correta;
- não conduza o jogo no lugar do jogador, deixe ele tomar as decisões;

- esteja preparado para contratempos no andamento do jogo, e resolva com criatividade e não com a imposição de regras.