O Homem Feliz
conto por Franz Andrade
Todos
acham que no futuro não haverão mais doenças. Que o maior símbolo do futuro
será um mundo sem vírus ou debilidades.
2300,
ano novo.
Edgar,
em seu carro elétrico, corria para sua família com uma novidade no bolso.
Estava rico. E feliz, muito feliz. O carro desgovernou. Mas Edgar não bateu.
Ele era um daqueles experts em direção.
Edgar,
o homem feliz, descobriu que tem uma doença degenerativa das fibras musculares.
Não Há dinheiro que dê jeito. Não ainda. E em seu último espasmo muscular o
médico lhe advertiu: Cuidado, do jeito que o senhor estiver, quando os músculos
pararem, fica! E Edgar resolveu que ficaria sentado. Deitado cansaria e seria
mais trabalhoso para os médicos. Como sempre, um homem de princípios. E outra:
Decidiu-se por estar sorrindo quando a paralisia chegasse. E assim fez.
Ano
2310.
Não
podia mais falar. Nem se movia há anos. Sorrindo em frente à televisão ele via
as tecnologias ficarem cada vez mais extraordinárias, e a mágica das criações
superaram todo o limite dos pensamentos de Edgar. Prédios como pináculos
rígidos brilhantes alcançavam as alturas de éon de distâncias. Carros que
dirigiam-se sós. Trens mais rápidos que bala e voos domésticos que atravessavam
o planeta em minutos graças à propulsão nuclear. Marte, colônia segura. Talvez
ele fosse pra lá.
Ah,
mas muitos ouviram falar do homem feliz. Edgar virou exemplo de superação. E
quantos não se doaram mais? E quantos não trabalharam para criar um mundo
melhor graças ao simples pensamento de que lá, naquela casa, há um homem que
mesmo destituído dos sentidos, sorria? Caravanas para visitá-lo. Fotos ao seu
lado. Todos rindo com ele e lhe contando seus problemas. E ele lá. Sorrindo.
Ano
2330.
E
finalmente as leis das naturezas tecnológicas responderam ao sorriso sincero de
Edgar. E eis que um cientista humanitário, levado pela vontade e incentivo
espiritual dados pelo sincero sorriso do homem feliz, cria aparato tecnológico
ímpar! Os jornais alardeiam, os outdoors elétricos comemoram. O homem feliz
iria falar!
Repórteres
do mundo todo (uns de Marte) fizeram fila na casa do homem feliz. Fotos,
festas. Uma multidão com camisas de Edgar sentado serenamente. Especiais da
CNN, MTV. Marte faria um filme para homenagear o homem que fez o mundo superar
suas deficiências graças à sua tenaz vontade de sorrir.
E
lá estavam. Família. Filhos e filhas. Todos de mãos dadas. A mulher lhe beijava
a fronte bem na hora da foto. E a máquina lhe foi acoplada. Coisa simples.
Transmitia seus pensamentos em forma de algoritmos para uma grande tela. Fácil
e lindo!
Carros
com feixes de luz voavam ao seu redor lá no céu. Arco-íris artificiais e fogos
preparados. Ele ia falar!
Silêncio.
Tensão. Todos juntos de mãos dadas. Sorrisos feito arcos esticados nos rostos,
que começam a ganhar lenta e inexoravelmente o formato de pontas caídas no
canto da boca. Edgar, o homem feliz, escreve em língua universal:
“Please, kill me.”
Sobre a autora: Franz Andrade é paraibana, trans
militante, mestre de RPG, colaboradora em publicações de Old Dragon e escreve
literatura fantástica e de horror já há um tempo. Ultimamente anda se
aventurando com literatura voltada ao RPG. O conto “O Homem Feliz” é uma
ponderação curta, mas profunda, sobre como nos escondemos ou protegemos atrás
de máscaras até quase não identificarem quem realmente somos ou o que realmente
sentimos. Sobre como o sofrimento pode vir traduzido em um sorriso.