Fortão, o gato aventureiro
Capítulo
2
Rapidamente a
história do gato que interveio e salvou um grupo de aventureiros correu pela
cidade. Não era de se admirar e muitos se vangloriavam disso, Malpetrim era uma
cidade onde qualquer um poderia ser um aventureiro ou ter seu momento de
emoção. E Fortão era a prova viva disso. Até mesmo os outros animais percebiam
isso e começaram a ver aquele gato com olhos diferentes.
Mas as emoções
de Fortão estavam apenas começando. O grupo de aventureiros permaneceu na
estalagem por mais três dias a fim de terminar seus assuntos na cidade. Em todo
esse tempo sempre que cruzavam ou encontravam com o gato prontamente lhe faziam
reverência e uma grande festa. A cada noite muitos dos freqüentadores das mesas
e do hidromel da estalagem paravam para escutar a história de como tudo
aconteceu naquele dia. Hernus, principalmente, não cansava de contar à todos
sobre o bichano. Já Thuragar gritava da cozinha, sempre que podia, que era tudo
verdade. E quando Fortão entrava pela janela um público divertido o aplaudia
inflando seu ego mais do que ele mesmo poderia imaginar.
Ele havia ganho
um lugar cativo sobre uma cadeira, junto dos aventureiros, com direito à tigela
de leite sobre a mesa e tudo mais. Ficava escutando atentamente a conversa
deles e mantinha-se atento ao movimento de todos à volta. Foram dias maravilhosos.
Mas tudo tem um fim.
Na última noite
do grupo na cidade uma pequena comemoração foi providenciada por eles para
alguns de seus amigos. Os ganhos tinha sido consideráveis e justificavam um
certo grau de esbanjamento. Como de costume Fortão circulava imponente por
entre as mesas e convidados, sempre recebendo um afago ou palavras de enaltecimento.
Todos lamentavam a despedida que viria no dia seguinte, mas principalmente o
guerreiro musculoso e que acabou por se afeiçoar com Fortão e seu jeito
intrépido de ser. Normalmente os dois estavam juntos, por mais estranho que
isso pudesse parecer. Era um tanto curiosos um enorme guerreiro caminhando e
conversando com um gato. Já de madrugada o guerreiro estava bebendo com Hernus,
encostado no balcão da recepção, onde Fortão assistia tudo enquanto
providenciava um bom banho.
“- Hernus, meu
amigo, sentirei falta de sua hospitalidade” – disse antes de secar o último
gole de sua caneca de hidromel – “mas o melhor de tudo foi a descoberta de seu
guerreiro felino!”
Fortão não se
acostumava com isso, mas tinha certeza de que conseguiria sobreviver com todos
aqueles elogios.
“- Pois é
Blander, o Fortão é um de nossos bens mais preciosos. E mesmo eu, que já o conheço,
fiquei surpreso com sua atuação naquele momento.”
“- Pois agora
que o conheço um pouco posso afirmar... ele é um aventureiro de alma. Percebe-se
isso no olhar. Eu o reconheço como apenas um igual o poderia. Ele foi criado
pela deusa para uma vida de emoção” – ele fez uma pausa de pesar – “pena que
ele não possa se juntar à nós!”
As palavras
finais de Blander soaram como magia. O efeito foi instantâneo em Fortão. Por um
instante uma infinidade de coisas passaram por sua mente – combates, mistérios,
jornadas infindáveis, uma emoção por dia – tudo o inundou como num soco.
Fortão deu um
pulo e olhou fixamente para Blander como que querendo ter certeza de que
escutara corretamente. O guerreiro e Hernus ficaram surpresos com a reação do
felino e se entreolharam. O gato correu para o lado do guerreiro e começou a se
esfregar em seu braço, a única forma que ele conhecida de demonstrar carinho e
agradecimento aos seres humanos.
Blander ficou
imóvel por uns instantes olhando para Fortão.
“- Então queres
vir conosco?!”
“- Miaaaauu!” –
foi a forma dele dizer sim.
Então ele correu
para frente de Hernus e apoiou-se em seu peito e encarando-o com afeto e
agradecimento enquanto ronronava freneticamente esperou por uma resposta.
“- Meu amigo...”
– ele disse com carinho – “então irá seguir seu caminho? Sabia que isso
aconteceria um dia. Estava na cara que seu destino seria grandioso e longe do
marasmo de uma estalagem.”
Fortão o fitava
com carinho como que pedindo permissão.
“- Não precisa
me pedir nada meu amigo... tens toda a liberdade para ir contanto que prometa
nos visitar sempre que possível!”
Não sei se gatos
podem sorrir, mas quem olhasse para Fortão naquele momento teria convicção de
que ele estava sorrindo, pelo menos por dentro. O gato deu um pulo para o colo
de Hernus e em seguida pulou para Blander até se postar sentado em seu ombro.
O enorme
guerreiro, agora com semblante de criança, voltou-se para a área das mesas,
onde a comemoração continuava, e colocou-se bem em seu centro para fazer o
anúncio.
“- Meus
amigos!!!” – todos pararam para escutar – “tenho um novo companheiro de
armas.... O GATO VAI CONOSCO!!!!”
Houve um
estrondoso rebuliço entre palmas e vivas de todos. Os companheiros de Blander
se aproximaram deles com seus jarros em brinde. Por incrível que pareça ninguém
ficou surpreso ou estranhou o acontecido. Num mundo como Arton não haveria por
que se estranhar coisa alguma. Num mundo onde chove ácido e demônios
insectóides infestam e matam, onde orcs e góblins se organizam em exércitos,
onde gólens ameaçam destruir todo um reino e onde deuses podem andar entre nós,
por que surpreenderia o fato de um gato entrar para um grupo de aventureiros.
“- Finalmente
alguém que preste neste grupo!” – gritou o anão para o elfo – “e melhor lutador
que tu Ehllinthel!”
“- E com certeza
menos reclamão que tu, anão de araque!”
“- Quer dizer
que teremos de dividir nossos espólios em três?” – perguntou o bardo com olhos
estreitos para Fortão e com sorriso malicioso num dos cantos da boca, mas num
tom notadamente debochado.
Fortão estreitou
o olhar de volta ao bardo de cabelos longos e loiros encarando-o e soltou em
resposta um curto mio. Após um instante de silêncio todos começaram a gargalhar
em alvoroço.
Gustav pegou o
gato do ombro de Blander e o colocou sobre a mesa após acariciá-lo – “ok,
dividimos o ouro, mas tu ficas com as gatinhas de cauda e eu com as humanas,
certo?!”
Fortão respondeu
com um ronco e correu para a janela, parando por um instante em seu parapeito.
Blander gritou para ele não se atrasar que sairiam no navio da manhã. O gato
saltou para a noite correndo pelas vielas. Ele queria se despedir da cidade que
amou conhecer e viver até aquele dia. Tentou encontrar todos seus amigos para
despedidas rápidas e promessas de um retorno triunfal. Foram algumas horas de
agitação, encontros emocionantes e conselhos valiosos.
Já em hora
avançada da madrugada ele retornou para a estalagem e procurou o quarto dos
irmãos que além de serem donos do estabelecimento se consideravam donos dele.
Era inegável que ele sentiria muita falta dos dois, mas sua hora havia chegado.
Ele havia esperado ansiosamente por este dia e não iria deixá-lo passar. Mas
para não se esquecer daqueles momentos ele fez o que poderia como despedida –
passou o resto da madrugada dormindo aos pés da cama de um, depois o outro.
Ambos, mesmo entristecidos, iriam ainda se lembrar e comentar aquela última
noite por meses. Eles viram o gato entrando silenciosamente pela janela
enquanto os dois conversavam e fumavam calmamente sentados em suas poltronas
num canto do cômodo. O aroma típico e inebriante do fumo de Hongari preenchia o
quarto. Fortão o adorava o aroma produzido pelos cachimbos e sentiu-se embalado
em seu sono.
Sua vida nunca
mais foi a mesma e o início de tudo estava marcado naquela madrugada.