sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Material de Apoio - Navegação 4

Material de Apoio - Navegação

Estrutura de poder dentro do navio pirata
Antes um esclarecimento é necessário. A pirataria contava com dois tipos de atividades. Os piratas, propriamente ditos, eram aqueles que singravam os mares atacando e usurpando tudo o que pudessem de navios que cruzassem o seu caminho. Eles não seguiam ordens de nenhum governo nem prestavam homenagem à nenhuma autoridade. Seu navio era seu lar e eles faziam suas leis.

Em contra-partida havia os corsários. Eles também tinham sua atividade centrada no roubo e apropriação de bens de outros navios. Mas eles eram, se assim podemos dizer, financiados por algum reino ou governo ou autoridade. Normalmente eles pagavam este ‘financiamento’ em forma de tributos de um quinto de suas pilhagens. Os interesses na atividade corsária, por parte de um governo, eram muitos. Os corsários combatiam atividades piratas e de corsários que serviam à outras nações. Além disso, serviam como uma espécie de polícia em certas zonas marítimas garantindo a hegemonia da nação à qual serviam.

Voltando ao assunto desta parte. A estrutura dentro de um navio pirata era muito diferente do que foi mostrado nos navios ‘oficiais’. Um navio pirata era formado por um tipo de pessoas diferentes. Eram escravos fugidos, pessoas que desejavam ficar fora do alcance das leis do seu reino, pessoas ansiosas por riquezas e aventureiros.
Mas mesmo assim, com membros tão dispares, eram ‘comunidades’ muito democráticas – na maioria das vezes. As escolhas dos capitães eram feitas através de votação direta entre os marujos, e poderiam ser trocados à qualquer momento. Haviam casos em que o Capitão era o dono da embarcação e sua tripulação era uma espécie de amontoado de mercenários.
Com os corsários poderia acontecer a mesma coisa. Poderia ser uma tripulação que decidia servir (ou ser financiada) por alguma autoridade ligada a um ou outro reino. Também poderiam ter sido contratados por um capitão (dono de uma embarcação) que viesse a prestar serviços à uma autoridade. Além dessas duas possibilidades, em alguns casos, um capitão poderia receber inclusive um navio para as atividades de corso.
Em ambos os casos as tripulações possuíam uma espécie de lista de regras chamado ‘Código civil’. Este código era de conhecimento comum e em grande parte aceito por todos. Em casos de transgressões os próprios tripulantes aplicavam as penas. Os códigos variavam de embarcação para embarcação, mas um esqueleto básico era o mesmo para todos. Os capitães seguiam à risca, da mesma forma que a tripulação, o código. E entre navios piratas diferentes os códigos eram respeitados. Existem várias versões para esses códigos.

Veja abaixo um exemplo de um código civil:

# Todos os homens devem obedecer ao código civil; o capitão tem direito a uma parte e meia de todos os prêmios; o subcapitão, o carpinteiro, o mestre e o homem de armas têm direito a parte e um quarto;
# Se alguém tentar fugir, ou guardar algum segredo do resto da tripulação, ele deve ser abandonado numa ilha
deserta com uma garrafa de pólvora, uma garrafa de água (o suficiente para sobreviver dois ou três dias), uma pequena arma e munições;
# Se alguém roubar alguma coisa, ou jogar, no valor de uma pesos, ele deve ser abandonado numa ilha deserta ou baleado;
# Se alguma vez nós nos termos de encontrar com outro pirata e esse homem seguir os seu código sem o consentimento do nosso capitão e da nossa tripulação, deve sofrer a punição como o capitão e a tripulação quiserem;
# O homem que desrespeitar estes artigos enquanto este código estiver em vigor, deve ser punido com a lei de Moisés (40 chicotadas sem faltar nenhuma) nas costas despidas;
# O homem que abocanhar as suas armas ou fumar tabaco no porão, sem uma tampa no cachimbo, ou carregar uma vela acesa sem lanterna deve ter a mesma punição que o artigo anterior;
# O homem que não manter as suas armas limpas, que ficar noivo, ou se esquecer da sua função, deve sofrer qualquer punição que o capitão e a tripulação quiserem;
# Se um homem perder o seu casamento deve ganhar 400 pesos, se um membro 800;
# Se alguma vez te encontrares com uma mulher prudente, que esse homem se ofereça a intrometer-se com ela, sem o consentimento dela, deve sofrer mprte certa.

Um outro exemplo é este:

# Todos os homens têm voto nos assuntos do momento e têm igual direito a provisões frescas ou a licores fortes, a qualquer momento desejado e podem usá-los a seu bel-prazer, a não ser que escassez torne necessário, para o bem de todos, votar o racionamento.
# Todos os homens só têm de ser chamados no seu turno, seguindo a lista, pois eles podem, nos seus turnos, descansar e fazer algo livremente, mas se eles defraudarem a Companhia no valor de um dólar no prato, jóias ou dinheiro, têm o castigo de serem abandonados numa ilha deserta. Se o roubo ocorrer apenas para com qualquer outro marinheiro da tripulação, eles contentam-se cortando as orelhas e o nariz ao culpado, e deixando-o numa costa inabitada, não num sítio qualquer, mas num sítio onde navios o possam encontrar.
# Nenhuma pessoa pode jogar às cartas ou aos dados por dinheiro.
# As luzes e as velas têm de ser apagadas às oito horas da noite. Se alguém da tripulação, depois dessa hora querer continuar a beber, terá de o fazer no convés.
# Têm de manter as suas peças, pistolas, e restantes armas limpas e prontas para batalhar.
# Nenhum rapaz ou mulher é permitido(a) estar entre homens. Se algum homem for encontrado a seduzir ou a fazer sexo, e levá-la até ao mar, disfarçando, ele sofrerá ate morte.
# Quem abandonar o seu navio ou o posto de combate, deverá ser castigado com a morte ou ser abandonado numa ilha deserta.
# A lei de parley so usa-se por capitães em situação de risco, as disputas de todos os homens devem ser terminadas em terra com os alfange.
# Nenhum homem pode falar em desistir da vida de pirata, sem antes ter partilhado 1.000 libras (£1.000 ou 1.000 libras, é o equivalente a cerca de 1.473€). Se para isso, algum homem tiver de perder um membro, ou tornar-se incapacitado para o seu serviço, ele teria de ter 800 dólares (cerca de 628,61€), fora do armazenamento público, e por ferimentos, proporcionalmente.
# O capitão e o contramestre têm de receber dois quinhões do saque. O imediato, o mestre, o oficial e o homem de armas, um quinhão e meio, e outros oficiais, um quinhão e um quarto.
# Os músicos podem descansar no dia religioso de sabbath (Sábado entre os judeus, Domingo entre os cristãos), apenas à noite, mas nos outros seis dias e noites, não poderão descansar sem um favor especial.

Notamos que as regras têm principalmente a função de manter a ordem entre os membros, priorizar a unidade da tripulação e integridade do navio. Uma coisa que sempre auxiliou ao cumprimento dessas regras era a enorme superstição dos marujos. Não por acaso que juravam com a mão sobre a Bíblia que seguiriam o código, e assim o faziam na grande maioria das vezes.

Com relação aos postos dentro do navio há muitas diferenças nas relações entre eles. Em suma os postos eram quase os mesmo. A oficialidade era mais reduzida.

No topo, claro, temos o Capitão. Suas palavras eram lei e suas decisões eram obedecidas à risca. Como já dito, ele poderia ser eleito pela tripulação e ficar no cargo até que morresse ou que sua autoridade fosse contestada.
Em outros casos o capitão poderia ser o dono do navio e a tripulação ser contratada como verdadeiros mercenários. Nestes casos quase sempre temos oficiais de outros navios piratas que guardando riquezas ou com a captura de outros navios acaba por comprar sua própria embarcação (algo bem mais raro) ou acaba sendo presenteado com uma embarcação usurpada.

O capitão de uma embarcação pirata era muito mais presente do que nos casos ‘oficiais’. Ele realmente, como se diz, ‘colocava a mão na massa’ e trabalhava em muitas atividades rotineiras da embarcação.

Abaixo dele temos o Contra-mestre/Mestre, Imediato, Homem-de-armas e o Piloto. Suas funções são idênticas aos seus postos em navios ‘oficiais’. O Mestre ou Contra-mestre deveria manter a ordem e bom funcionamento da embarcação como um todo transformando as ordens do capitão em ação dentro do navio. Em suma, na maioria dos casos, ele tinha uma grande autonomia para tomar decisões, mas não tão grande quanto nos navios ‘oficiais’ pois o capitão participava mais da vida da embarcação. O Imediato era o braço direito do Mestre/Contra-mestre. O Homem-de-armas era o responsável pela manutenção e funcionamento de tudo o que tinha relação com os armamentos ou aparatos de combate. O Piloto era o responsável por tudo o que dizia respeito à navegação e condução da embarcação. Ele era capaz de ler com exatidão cartas náuticas e de se localizar usando os principais instrumentos da época.

Depois deles todas as outras funções – desde o despenseiro até os grumetes – estavam num mesmo nível de importância. A hierarquia não existia aqui com relação à função, mas sim com relação a experiência e vivência do pirata. Um pirata velho, que tivesse sobrevivido à muitos combates e pilhagens adquiria um status superior aos outros servindo inclusive como auxiliar (ou conselheiro) extra-oficial do capitão. Não raro esses membros mais experientes trabalhavam juntamente ao mestre como imediatos.

Normalmente o médico era uma figura que não existia nestas embarcações. Quem exercia a função era na maioria das vezes o cozinheiro, principalmente em questões tais como de amputações. Também não tinham a figura do capelão ou sacerdote. Qualquer atividade religiosa era exercida pelo Mestre ou pelo Capitão, mas estas se restringiam a funerais ou orações de agradecimento e proteção.