Capítulo 1
Os
dias da Academia de cadetes da Brigada Ligeira Estelar mantinham a típica
rotina militar. Cronograma diário de tarefas, treinamentos e aulas. Era uma
forma de vida que nem todos estavam preparados para seguir e manter.
Principalmente quando o corpo de cadetes era formado por membros dos mais
diferentes lugares. Como muito comumente se dizia, “não basta ser um cadete,
não basta ser um piloto, tem de ser um hussardo.”
A
academia era uma verdadeira cidade de porte médio com estruturas sob e sobre a
superfície. Com o desenvolvimento tecnológico e o advento dos robôs e naves de
porte grande a questão do espaço foi um elemento que influenciou e muito as
construções desde muitas centenas de anos para cá. Com isso a estrutura da
academia era tão grande para baixo da superfície quanto era para cima. Acima
víamos alojamentos, prédios administrativos, áreas comunais, quadras esportivas
etc. Para baixo estavam os hangares, oficinas e salas de treinamento entre
tantas outras.
Em
meio à tudo isso haviam um enorme contingente de pessoas. Cadetes novos e
veteranos se confundiam com pilotos já graduados. Professores e alunos
perambulavam em grupos. Mecânicos e técnicos levavam equipamentos e peças de
todos os tamanhos para todos os lados. E muitos, muitos robôs dividindo espaço
com essa massa.
Neste
emaranhado de afazeres em constante movimento havia um jovem em passo cadenciado.
Ele poderia ser confundido com qualquer outro dos cadetes. Não tinha nada de
especial ou que o destacasse dos outros. Vestia sua jaqueta de lã sete oitavos
nas cores típicas dos aspirantes à piloto. No cinturão uma espada simples e sem
ornamentos lhe denunciava uma origem aparentemente humilde, mas fora isso, nada
mais era diferente dos outros.
Hasmuss passava rapidamente por entre os
outros em direção ao alojamento. As aulas de tática de combate em solo eram as
que ele mais gostava e esta última, em especial, fora importante, quando sua
última missão de treinamento foi usada como um exemplo pelo professor de como
agir corretamente. Ele nem percebia que estava carregando tantos livros de
grossa espessura nos braços à ponto de fazer sua espada balançar
desengonçadamente conforme desviava das pessoas à sua frente. Ele se sentiria
ridículo, não fosse a sua satisfação.
Mas
mesmo assim ele estava cansado. A última missão havia sido à apenas dois dias e
o corpo ainda doía em alguns pontos, além do sono que ainda não havia sido
recuperado por completo após as mais de 30 horas acordado e em atividade. Essas
missões de preparação eram muito boas para treinar os cadetes na prática, mas
ao mesmo tempo eram exaustivas. Fora os simuladores, que não eram mais do que
grandes videogames, as missões os colocavam de frente aos perigos da atividade.
Lógico que algumas tarefas eram apenas patrulhas de reconhecimento, mas nenhum
deles estava livre de se deparar com piratas, salteadores ou mesmo algum
filhote de gargantus perdido e esfomeado. Eles nunca sabiam o que os esperava.
Hasmuss
jogou os pés sobre a cabeceira da cama do alojamento. O calor não chegava a
incomodar, mas desde que voltaram da última missão as tardes se arrastavam. Ele
não havia visto Ronden, seu colega de quarto e amigo, desde cedo então pensou
em tirar um cochilo quando seu comunicador começou aquele barulho insuportável.
“Diacho...
Não entendo como que eu sou capaz de pilotar várias toneladas de metal, mas não
sei desconfigurar esse toque!?” – ele pensava com a testa franzida. A música
havia sido escolha de uma outra colega, Liana, muito mais para incomodá-lo do
que para ajudá-lo.
O
jovem piloto passou os dedos agilmente pelo visor do comunicador para descobrir
qual o motivo da mensagem enviada pela colega. Ela só enviava alguma notícia
para lembrá-lo de algo que não adiantava mais lembrar ou para avisar sobre
aquilo que eles sempre estavam aguardando – uma nova missão.
No
visor de cristal apareceu em um azul escuro sobre um fundo cinza claro:
“Novidades no mural da Academia C... nos vemos por lá!”.
Seus
olhos arregalaram instintivamente e o coração disparou. Só poderia ser mais uma
missão, o que era incrível por duas razões. Primeiro, era raro os pilotos serem
chamados tão rapidamente depois de uma missão, mesmo tão bem sucedida quanto
fora a anterior. Segundo, eles ainda estavam no começo de sua jornada por uma
subida de posto e era mais natural que grupos de pilotagem mais experientes
tivessem preferência.
Ele
respirou fundo, tentou limpar a mente pensando no cardápio que a cantina estava
reservando para eles para aquela noite, e começou a vestir a casaca novamente.
Deu uma breve olhada no espelho e abriu a porta do alojamento. Quando saiu do
quarto começou a correr despreocupadamente, mas quando se deu conta cruzava por
todos mais rápido do que seu hussardo no campo de batalha.
Ele
chegou rápido ao painel de avisos de missões e recados em geral. Um grupo
considerável de cadetes, muitos deles seus colegas de alojamento, se aglomerava em um ponto específico
do painel. Era uma algazarra que mais lembrava uma festa do que uma ordem de
serviço. Muitos rostos saiam dali com um ar de decepcionados. Apenas um rapaz
mais distante tinha um sorriso de satisfação própria. Era Erik, um cadete como ele,
mas com grande potencial, todos reconheciam isso.
Ele
se aproximou vagarosamente. Estava ansioso ao mesmo tempo que resignado com uma
não indicação para a próxima missão. Como ele bem já havia dito para si mais de
mil vezes no caminho do dormitório até ali, era quase impossível cadetes serem
indicados para missões seguidas.
De
qualquer forma não custava nada verificar. A emoção, mesmo que não desse em
nada, era interessante para ele. Hasmuss
chegou perto à ponto de conseguir distinguir o que estava impresso. Era uma
lista curta, pouco mais de dez nomes, o que significava que era uma missão
básica. Ele foi lendo de cima para baixo calmamente.
“-
Eu não acredito!” – ele pensou em uma voz sussurrada. O nome, não só dele, mas
o nome dos outros dois amigos também estavam lá. Era impressionante. Eles
estavam em uma nova missão logo depois de terem saído de uma. Tudo bem que eles
foram muito bem sucedidos e que eles serviram de exemplo a semana toda em suas
respectivas turmas, mas mesmo assim era um fato que o deixava quase chocado.
Mas
a emoção foi interrompida por um enorme solavanco no exato momento em que ele
se virava para sair do aglomerado de rostos desiludidos. Ele sentiu seu corpo
sendo atingido com força e acaba indo ao chão com um peso sobre ele.
Mas
não era um ataque.
“-
Eu não disse que iríamos abafar!” – gritava Liana se levantando de cima dele,
mas ainda grudada em seu pescoço com o um forte abraço que quase o sufocava.
Logo atrás estava Ronden com um
sorrido malandro por detrás de seus óculos escuros de lente arredondada. Eram conhecidos
como o trio de fracassados, como muitos os chamavam.
“-
Parece que termos mais ação” – disse o evo Ronden enquanto tirava os óculos
para limpar as lentes – “acho que gostaram de nós!”
“-
Isso é incrível cara! Eu não imaginava que isso seria possível! Quantos pontos
será que serão disponibilizados com essa missão?” – Hasmuss se esforçava para
falar, já de pé, mas com Liana pendendo em seu pescoço.
Os
pontos eram um detalhe importante para os cadetes. Além das aulas e
treinamentos diários os cadetes eram agraciados com pontos conforme seu
desempenho em missões. Só assim eles conseguiam subir de postos.
“-
Não sei grandão, mas o certo é que estamos na frente dos outros!” – ela solta
do pescoço do amigo e começa a sussurrar apenas para os três escutarem – “e
acho que agora eles gostam menos ainda de nós!”
Era
nítida a situação. Mesmo em uma academia daquele tamanho todos os cadetes se
conheciam, nem que fosse pelos nomes e uma situação ímpar como essa se
espalhava mais rápido do que uma praga de lavouras de Villaverde. Os olhares de
censura e reprovação eram evidentes e até mesmo constrangedores.
O
trio não tinha a fama de ser o grupo dos mais badalados da academia. A Academia
de cadetes da Brigada Ligeira Estelar é reconhecida por querer os melhores dos
melhores, sem fazer qualquer tipo de distinção de qualquer espécie. Mas isso
não significa que a vida dos que estão lá dentro seja mais fácil ou que lá,
entre eles, não haja distinções cruéis. E os três eram um prato cheio para
isso.
Logo
que chegaram à academia os três se aproximaram sem nenhum motivo aparente. Algo
que poderia ser chamado de destino, se isso existisse. Eles separados poderiam
não chamar a atenção, mas juntos...
Juntos
eles representavam as três coisas que mais incomodavam o status quo vigente.
Naquele trio tínhamos um representante dos evos, alguém que não era considerado
como um humano normal, já quer eram criados por engenharia genética. Tínhamos
uma mulher, que mesmo em uma sociedade tão ‘avançada’ ainda era desconsiderada
frente os homens para algumas atividades e pilotar um hussardo era uma dessas
atividades. E tínhamos um humano fora das castas mais altas da sociedade. Desta
forma, neste trio, a academia teve o seu quadro dos excluídos e, por assim
dizer, eles tiveram um alvo plantado em suas testas para os comentários
maldosos e as brincadeiras desnecessárias.
Mas
mesmo assim, com todos os olhares de desaprovação, a satisfação ainda era muito
maior. Talvez por isso os três se entreolharam e começaram a rir. O sorriso do
vencedor. Aquele que mais incomoda os outros.
“-
Próxima para, Cantina!” – declarou Liana de forma exageradamente formal,
seguida de uma reverência forçada e cômica – “temos que comemorar!”. Logo
depois ela novamente se joga sobre Hasmuss sem aviso aparente derrubando mais
uma vez. Era sua marca registrada.