sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Resenha de Shadowrun: Anarchy

Resenha de Shadowrun: Anarchy


Recebi gentilmente da New Order uma cópia do Shadowrun: Anarchy para avaliação e resenha e aproveitamos o início do seu financiamento coletivo para lançá-la. O exemplar que recebi ainda está em fase de revisão por isso me aterei ao conteúdo mecânico.

Antes de mais nada quero dizer que Shadowrun: Anarchy não é um RPG convencional como suas edições anteriores, com um Mestres executando a campanha e os jogadores assumindo personagens nesse ambiente e sendo conduzidos. O Anarchy é sobre contar histórias narrativas de forma colaborativas onde o mestre aqui é menos um diretor ou condutor e mais um apresentador. Essa é uma das mudanças mais marcantes dele.

Ninguém discute que Shadowrun possui um cenário além do interessante e tem sua marca fortemente gravada no imaginário dos rpgistas. Mas também ninguém discute que suas regras como um todo eram extremamente complexas e pouco amigáveis, principalmente para quem desejava entrar em seu mundo. A procura de uma alternativa por parte da Catalysm Game Labs que aliviasse essa visão densa e dura e continuasse trazendo jogadores gerou o Anarchy.

O Anarchy é uma re-imaginação narrativa das versões anteriores, tentando manter toda sua alma e cenário espetaculares. Mais interpretação com seus personagens ainda dentro de uma espinha dorsal clássica aliada à narrativa e menos regramento tático e picotado. A mecânica base do  Shadowrun: Anarchy é muito semelhante ao seu antecessor. Ela se baseia em formar uma pilha de dados d6s (acrescentando todos os dados possíveis para a situação/combate), jogá-lo tentando alcançar o maior número de sucessos (5 e 6) possíveis contra os sucessos rolados pelo mestre pelo grau da dificuldade ou pelo Personagem do Mestre.

No Anarchy as modificações começam aqui. O conceito de “Amps das Sombras” se torna muito mais amplo e abrangente. Agora as Amps são praticamente tudo, de feitiços à poderes de adepto, de elementos biônicos e cibernéticos à programas. Tudo tornou-se Amp. Um Amp (Amplificação) é realmente pouco mais que um pequeno bônus estatístico - dados extras na rolagem, nova rolagem de algum dado que não alcançou o sucesso ou mesmo agir como um Lance para uma narração. Isso, além de um posicionamento narrativo, é tudo o que existe em Anarchy. Então, unindo isso à estrutura narrativa compartilhada procurada para este jogo e temos o Shadowrun: Anarchy em corpo e alma.

Aqui o Mestre mostra-se apenas no controle parcial das coisas. Cabe à ele definir o cenário a ser jogado (contexto, pano de fundo e objetivos) enquanto os jogadores andam por ele narrando o que acontece. Eles têm licença criativa total para introduzir novos NPCs, criar encontros e até começar um combate e mais! Lógico que isso não acontece de forma totalmente livre. Existe um sistema de regras para conduzir a participação narrativa dos jogadores.

O jogo é dividido em uma série de turnos com momentos chamados de Narrações onde cada jogador tem sua chance de participar – “Uma Narração dá a um jogador a chance de descrever o que seu personagem faz, assim como acrescentar e descrever outros elementos narrativos”. O conjunto e sobreposição dessas narrações é que formam a história em si. Normalmente ela começa com o jogador à esquerda do Mestre e segue nessa ordem narrativa “o quanto for necessário para o jogo continuar animado e envolver a todos”. Essa frase é importante, pois é a regra sobre as regras - continuar enquanto todos estiverem se divertindo - e a vemos nas entrelinhas em vários momentos do livro.

Lógico que um ordenamento linear e específico tiraria muito a espontaneidade e diversão de um RPG e para bagunçar isso temos os Pontos de Trama (eles podem ser usados ​​para alterar a ordem do turno, rolagens e outras coisas). Eles são o combustível do sistema do Anarchy. Embora comecemos a sessão com alguns, eles são premiações dadas pelo Mestre por narrações particularmente boas. E não só isso. Cada Ponto de Trama gasto pelo jogador para a pilha de Pontos de Trama do Mestre, que pode usá-los para beneficiar personagens do Mestre (PDM) ou criar reviravoltas.

A construção de personagens me pareceu mais simplificada que no SR 5E. Achei bem mais linear e intuitivo, facilitado a vida de novatos principalmente. As pequenas tabelas e listas de cada item, usados no Anarchy, são visualmente muito mais atraentes e perceptíveis. Um dos elementos dessa edição são os Lances. Eles são “frases que podem ser afirmações que um personagem pode fazer em determinada situação, ou podem ser usados para dar uma ideia de que direção um personagem pode querer seguir”. Essas frases ou palavras dão a tônica do personagem nas diferentes situações possíveis do jogo e descrevem sua forma de agir e de ver seu redor. Esses Lances servem quase como uma indicação de como o personagem agirá antecipadamente frente à situações do jogo.

Lances como os do personagem pré-criado Gavião – “Tenho um plano reserva, mas vai precisar de muita munição”; “A lei não vai cuidar da gente. Esse é o nosso trabalho”; e “Minha equipe. Minha incursão. Minhas regras” – demonstram facilmente como ele agiria frente à diferentes momentos e situações do jogo. Essas são apenas três de oito Lances existente. A criatividade e percepção do jogador sobre seu personagem criam uma infinita possibilidade de dar vida e tempero ao seu personagem... e isso é utilizável na mesa!

Outra mudança que me agradou foram as armas. De tabelas e mais tabelas temos agora uma página com armamentos e armaduras possíveis e outras duas de explicações. Nada de exageros. Isso segue a premissa de que mais do que variar pelas regras frias, a variação vem pela interação narrativa dos personagens. Com isso a mesma arma pode agir de forma incrivelmente variada conforme a narrativa, sem a necessidade de grandes descrições.

Por fim, as aventuras receberam alterações. Elas agora têm uma página, contendo o cenário, uma lista de cenas em potencial à serem exploradas e algumas notas sobre os tipos de complicações que podem aparecer para os personagens dos jogadores. O livro básico já vem com algumas dezenas de aventuras nesses estilo que podem servir de ponto de partida para as suas próprias criações ou encadeadas como achar melhor.

O que dizer para finalizar essa pequena resenha? Shadowrun: Anarchy é o mesmo cenário que conquistou os amantes do cyberpunk ao longo do tempo, mas com uma roupagem nova. Ele está menos complexo e mais amigável se você quer ingressar nesse mundo gigantesco de referências sem fim, mas não simplista ao ponto de ter jogado todo o legado mecânico fora. Pode-se dizer que ele foi adequado à uma nova realidade de trazer mais e novos jogadores. Ao mesmo tempo, sua nova roupagem coloca os jogadores como participantes principais na interação com seu maior aspecto - o cenário - o que pode resultar em uma afinidade ainda maior dos fãs com o ambiente.

Shadowrun: Anarchy é uma ótima opção e oportunidade para quem ainda não foi fisgado pelo cenário. É uma ótima opção e oportunidade para quem já é fã redescobrir o cenário sob uma nova forma de participar da mesa. Ou seja, é uma ótima oportunidade para todos. Termos esse RPG sendo lançado no Brasil em português é, sim, uma incrível oportunidade para os rpgistas brasileiros, nos colocando no mesmo patamar que outros países em termos de acesso à produção de ponta do RPG mundial.

O financiamento coletivo da editora New Order para Shadowrun: Anarchy começou essa semana (durará até 06 de outubro) e pretende entregar o livro aos seus financiadores em março de 2021. Mas esse financiamento tem muitas outras surpresas. Junto à ele há disponíveis o Shadowrun: Acelerado e Shadowrun: Queda Londrina, bem como muitos outros livros da série Shadowrun. Corra, confira e apoio!


Um comentário:

Filipe Lutalo disse...

Incrível como o Shadowrun cresceu. Adoro a ambientação. Parabéns pela resenha.