João "o escriba" Brasil“Muitas vezes os sonhos invadem nossa realidade. Outras tantas a realidade invade nossos sonhos. Mas o que fazer quando o pesadelo entra, sem ser convidado, em nossas vidas?”
Sushioto Ikazy – sobrevivente de Tamu-ra
Estou deitado sob a sombra de gigantescas árvores. Apreciando o horizonte longínquo, divagando sobre a honra concedida a mim. Mesmo tão jovem alcancei depois de anos de treinamento a honra de ter um mestre a quem dedicar minha vida e minha morte. Sentia-me leve e realizado. Atingira tudo pelo que lute. A honra.
Bem mais adiante, no início do vale, tudo está calmo e sereno. Próximo ao córrego, um velho envolto em panos alaranjados e brancos, caminha rodeado por mariposas e borboletas multicoloridas.Caminha suavemente. Move-se como que com medo de tocar e ferir os belos insetos. Todo o ambiente parece mover-se em seu ritmo.
Até tudo parar lentamente.
O vento caprichosamente detém-se. O córrego está silenciado. Tudo sta paralisado. O velho, as mariposas e borboletas, as nuvens, tudo. Era o quadro mais perfeito que a realidade já produziu. Ou que qualquer artista copiará. É a perfeição que está retratada. Mas mesmo assim está perfeição me agoniza. Algo fora do lugar me alerta. O que era? Por que esta perfeição me incomoda?
E da mesma forma que as folhas de outono perdem o seu verde a pintura viva, modifica-se, transfigura-se, amarela. O córrego, o céu e a relva, tudo assume lentamente colorações rubras. As mariposas e borboletas, antes multicoloridas, adotam tons avermelhados cada vez mais intensos. Avermelham-se até confundirem-se com gotas de sangue pairando no ar. E lentamente começam a cair.
A chuva escarlate tinge, gota-a-gota, o manto do ancião tornando-o vermelho. E cada gota que o atinge parece faze-lo crescer. Agiganta-se mais e mais como se uma força descomunal estivesse encerrada dentro daquele corpo frágil. Esta força interior cresce até que ultrapassa os limites da frágil casca. Rompe-o.
De dentro surge, imponente, um guerreiro. O mais impressionante e sagrado de todos. Um samurai. Ostentando as marcas sagradas e cores sagradas. Vestindo sua armadura em um vermelho tão intenso que parece gotejar o líquido sagrado e vital. Empunhando sua katana com tanta força que parece ter em suas mãos sua única esperança de vida.
E mesmo assim nada, a sua volta, move-se. Tudo permanece inerte. . Inclusive eu. Nada move-se além do grandioso guerreiro. Ele lentamente vira-s para mim. Seus olhos, mesmo ocultos nas sombras, pelas frestas de sua hoate, penetram-me o íntimo causando calafrios.
Em seu movimento lento e contínuo vagarosamente eleva sua lâmina sagrada até apontá-la rija para mim.
De trás da máscara soa uma voz que, mesmo com o tom de um lamento, encerra a força de mil almas. Todo o universo grita através de sua voz. Como se o grande Dragão estivesse por detrás daquela máscara atravessando-me com seu urro. Mas não o ouço naturalmente. Não o ouço com os ouvidos. Escuto-o dentro de minha alma - “VOLTE!”.
Sinto-me como caindo de mil montanhas. Jogado no vazio e na escuridão. Mais e mais rápido até atingir meu próprio corpo deitado sobre a esteira. Acordo de um salto tentando recobrar plenamente a consciência. Suo. Tento recobrar a nitidez da visão como que procurando retornar à lucidez da realidade.
Caminho pesadamente para a janela recordando o sonho e tento me localizar no aqui e agora. Mesmo acordado, ou acordando, a sensação de incômodo do sonho persiste. Vagarosamente percebo o que é. O silêncio.
Mesmo sendo muito cedo levantamos, normalmente, com os primeiros raios de sol. “Por que o silêncio?”, divago, percebendo que na verdade não existe silêncio. Há um som, ensurdecedor, grave e abafado, como o vento de uma tempestade que se pronuncia, encobrindo quaisquer outros sons, se houvessem.
Ao alcançar a janela percebo que todos estão parados, imóveis como no quadro de meu sonho. Nada se move. Todos estão inertes. Mas com expressões que longe seriam atribuídas à serenidade. Há horror em seus olhos.
“- Keni” – o grito desesperado de meu nome consegue atravessar aquele silêncio ensurdecedor.
Tahishi. Onde ela está? Levanto os olhos e vejo minha irmã apontando para o alto com um olhar de quem pede desculpa por uma travessura praticada. Não entendo mas não fico inerte. O instinto e os anos de treinamento fazem que, em instantes, eu esteja ao seu lado empunhando minhas espadas sem nem ao menos perceber.
Ela abraça minha perna, chorando e apontando para o céu, escondendo o rosto. O pesadelo de meu sonho invade agora minha realidade. O céu está vermelho. Não é mais um sonho.
O céu agita-se estranhamente sobre o Palácio Imperial, o ponto central de nossa capital. O céu está revolto como um mar de sangue. As nuvens rubras, em um redemoinho crescente, vão tomando tudo até onde a vista alcança. Todo o espectro de luz que atinge a superfície ganha tons avermelhados.
“- O que está acontecendo?”, pergunto-me em voz baixa sabendo que permaneceria sem resposta. Mas a resposta veio. Veio em forma de silêncio. Agora um silêncio real. Não escuto mais o retumbar ensurdecedor e grave vindo da tempestade.
O momento de vácuo momentâneo é quebrado pelo som de um trovão vindo do centro da tempestade.
Todos, ao meu redor, permanecem inertes, desejando em seu íntimo que tudo acabe.
Mais um trovão ressoa. Agora como o resultado de um relâmpago que cai sobre uma árvore, partindo-lhe ao meio, carbonizada. E ele não é o único. Mais outro e outro e outro e outro. Cada vez mais avassaladores, ensurdecedores e destrutivos. E incrivelmente certeiros.
A apatia desfaz-se e as pessoas, apavoradas, iniciam uma movimentação desordenada. A histeria toma conta de todos. Cada relâmpago equivale a uma casa ou prédio destruído. Caem as primeiras pessoas.
“- Tenho de deixá-la em um lugar seguro!” - penso.
Mas junto com minhas palavras vem as lágrimas. O céu chora sangue.
E a histeria transforma-se em loucura. Todos gritam. Todos correm desesperados. A chuva avermelhada começa do ponto central, sobre o Palácio, avançando para todos os lados. Ela avança lentamente. E junto com ela avança também um cheiro insuportável. Tudo o que é atingido por ela queima, morre. E o odor aumenta. O odor da morte.
Antes que consiga mover o primeiro músculo novos gritos surgem. Mas agora não são gritos de horror ou medo, são gritos irreconhecíveis. Guinchos animalescos. Infernais. Sons que vem do centro da tempestade.
Sinto dedos gelados vagarosamente enterrando-se em minha sanidade e despedaçando-a aos poucos.
Corro. Sou obrigado a correr pelo pouco de clareza de raciocínio que ainda possuo. Não imagino o que está me empurrando, mas o horror ainda permanece em minha mente como se não conseguisse acordar de um sonho. Só vejo o horror e a dor. Sinto esta presença dentro de mim e a minha volta. Algo esta ao meu lado. Está atrás de mim. Corro sentindo-os em meus calcanhares, me abraçando e puxando-me para fora de mim mesmo.
Seguro Tahishi o mais forte possível, cobrindo seus pequenos olhos para que não os veja ou sinta.
Passo por alguns infelizes que simplesmente estão paralisados olhando fixamente para “algo” atrás de mim. Seus olhares são vazios de vida. Seus corpos estão ali, mas suas mentes já foram consumidas.
“- Tenho que correr para coloca-la a salvo e retornar”, penso. Ela é meu bem maior e jurei protege-la, a minha mãe, no leito de morte. “- E cumprirei. Sua vida é minha vida”.
Atravesso ruas, largas e estreitas, vielas e becos. Minha mente vai clareando conforme me afasto do ponto central da tempestade. Mas cenas são as mesmas. Horror, desespero e morte.
A chuva queima, embora esteja mais fraca aqui do que nas proximidades do Palácio. Alguns corpos estão destroçados, mas não consigo imaginar o que teria causado isto, – “- Não pode ter sido causado somente pelos relâmpagos”.
Corro o máximo possível. Meus pulmões vão explodir. Ando até encontrar uma pequena taverna. Acho que é a única deste lado da cidade. Me vem a mente que em toda a taverna existe um porão. Ou pelo menos deve existir. Esses comerciantes sempre apreciam deixar “certas coisas” fora dos olhos das autoridades. Lá ela ficará segura.
As marcas do desespero estão claras também ali dentro. Mesas desarrumadas, cadeiras viradas, refeições inacabadas. Perto da janela há um homem, ou o que já foi um. Está encolhido contra a parede, segura os próprios joelhos e esconde o rosto. Chora como uma criança desamparada
“- Ainda não posso ajuda-lo, primeiro ela”.
Atravesso o saguão e entro na cozinha, indo na direção da porta deve levar ao depósito. Panelas ainda estão cozinhando e o odor que vem delas mistura-se com o cheiro de carne queimada e sangue fresco. Abro-a com o ombro. O estardalhaço é superado apenas pelos gritos de muitos que já estão no refúgio.
Desço as escadas de um pulo e deixo minha irmã nos braços de duas anciãs. Elas já consolam outras tantas crianças desesperadas e, quem sabe, já órfãs.
Dou um beijo em sua testa. Por entre todo o inferno de barulhos e ruídos vindos lá de cima não consigo distinguir o que tenta me dizer. Mas seu olhar diz muito mais.
Quando dou por mim já estou de volta ao salão principal da taverna. O homem desesperado já não está mais lá.
Na rua tento me localizar. Tenho de retornar ao centro de tudo. Não posso deixar que outros pereçam. É isto que Lin-wu deseja. É isto que Lin-wu terá.
Outros paladinos do Grande Dragão passam por mim correndo, armados como podem, vestidos como podem, me indicando que direção tomar.
A chuva corrosiva sangüínea ainda não nos alcançou com sua força plena. Mas muitos mostram queimaduras de tamanhos variados. Mas também mostram seus rostos a raiva e a prontidão de quem quer acabar com esta loucura. A dor de quem quer acordar do pesadelo. Por isso correm na procura do ponto central desta tormenta.
Sons de combate tornam-se evidentes. “- Quem estamos combatendo?”, é a única pergunta que me ocorre enquanto corremos atravessando cada viela e beco para encurtar o caminho.
E então a surpresa. Surpresa que só não é maior que o pavor. A pergunta não é quem, mas o que estamos combatendo.
Abaixo do redemoinho de nuvens ensangüentadas, em meio aos escombros do que era o bairro central, temos uma visão perturbadora. Centenas de demônios, ou os seres mais próximos do que acredito ser um demônio. Avançam para todos os lados e varrendo tudo o que resta de vida.
Todos estamos paralisados. A visão dos algozes de nossos irmãos deixa-nos sem ação. Caminham imponentes, mas de forma veloz, com seus corpos que mais parecem terem sido roubados de insetos.
Muitos dos que acompanham-nos, prontos para o combate, têm suas mentes roubadas ou tocadas por um horror inominável. Seus olhos vitrificam e perdem vida ao mesmo tempo em que, lentamente, suas armas vão ao chão. O rosto daqueles poucos que ainda conseguem mover-se transfigura-se em arremedos de humanidade e fogem em debandada. Correm para qualquer lado. Todos eles já perderam o que podemos chamar de vida.
Sobraram apenas os guerreiros do Deus. Sentimo-nos na beira da tênue linha entre realidade e loucura. Não nos movemos. Mas também não recuamos. Por algum motivo nossa coragem mantém nossa sanidade.
“- Eu não tenho vida ou morte, faço das duas uma, tenho vida e morte. Eu não tenho estratégia, faço do direito de matar e do direito de salvar vidas minha estratégia. Eu não tenho inimigos, faço do descuido meu inimigo. Eu não tenho armadura, faço da benevolência minha armadura. Eu não tenho castelo, faço do caráter meu castelo.Eu não tenho espada, faço da perseverança minha espada”. O grito entoado pelo mestre Nagoshi, um dos mais antigos e experientes Paladinos de Lin-wu, inicia como uma voz solitária que, aos poucos, vai ganhando força no uníssono de todos os Paladinos, tirando-nos da apatia aparente e nos lançando, novamente, à realidade. O nosso juramento é a nossa vida. A nossa vida serve para mantermos a honra. E nossa honra é tudo o que temos. Por ela morremos e vivemos.
Ao terminarmos nosso juramento-prece avançamos para o inimigo de Katana em punho dispostos a apaziguar a ira de Lin-wu. Não recuaremos. A idéia de recuar é substituída pelo sentimento de justiça que nossa lâmina trará ao inimigo.
Muitos de nós mal conseguem sequer olhar para os hediondos seres. Mas mais forte que o horror é nossa perseverança, nossa honra. E por ela teremos uma boa morte aqui e agora se Lin-wu assim desejar.
Ao me aproximar percebe que os demônios não portem armas, mas garras e pinças enormes sobressaindo dos braços. Não usam elmos, pois seu elmo é a própria cabeça encouraçada onde o que chama a atenção são os enormes olhos de um esmeralda inexpressivo.
Os primeiros guerreiros sagrados de Lin-wu iniciam os combates com toda a ferocidade que o momento merece. Lâminas rasgam o ar produzindo o zumbido fino e agudo. Os primeiros demônios caem. A vislumbre da vitória surge à nossa frente. “- Somos guerreiros de Lin-wu”, grita um dos guerreiros, “e não pereceremos”.
A visão dos primeiros demônios caindo encoraja-nos. Lanço-me sobre o mais próximo. Minha ira, com o que foi feito a meu povo, deve ser apaziguada.
Valho-me de minha inferioridade, em tamanho, e jogo-me sob seu enorme corpo, por entre suas pernas. Enquanto passo por seus membros desembainho minhas lâminas dando golpes certeiros. Atrás de mim o demônio tomba, agonizando, sem ambas as pernas. Muitos outros continuam a cair.
“- Por Lin-wu, pelo povo, por Tamu-ra” grita um paladino ao meu lado. Mas sua tentativa de incentivar-nos é interrompida. Mal acabara de proferir as palavras de ordem e seu corpo já se encontra no chão.
O clarão inicial de esperança empalidece rapidamente. A vantagem inicial desfaz-se. O inimigo torna-se mais combativo, mais rápido, mais numeroso, mais letal. O combate acirra-se por demais. Os demônios já não caem mais. Agora nós caímos. Cabeças e membros são arrancados. Lâminas quebradas. Mais sangue mancha o chão.
Nosso número reduz-se de forma espantosa. Outros tipos de demônios surgem, mais letais e maiores que os primeiros.
Nosso fim é próximo e certo.
Por mais que lute e deflagre toda a gama de golpes, treinados por anos à fio, já não consigo atingir os seres a minha frente. “- Espero pelo menos que consiga ganhar o máximo de tempo possível para que os inocentes fujam”, consolo-me, tentando reavivar meu empenho.
Mas mesmo com nossa determinação na luta, vamos sendo, aos poucos, empurrados para as zonas vizinhas ao palácio. Os que sobraram de pé, não mais de trinta paladinos e alguns clérigos, só poderiam tentar detê-los. O máximo possível
Percebendo isto e com alguns sinais trocados entre nós, dirigimo-nos o mais rápido possível para as zonas residenciais próximas. Era onde a maior parte da população ainda escondia-se. E onde havia deixado minha irmã.
Nos dirigimos para lá o mais rápido possível. Éramos perseguidos de perto por vários demônios.
“- Temos de ser rápidos” – disse um dos paladinos – “nós seguraremos eles o máximo possível, vocês evacuem as casas e os levem para longe. Que Lin-wu nos acompanhe”. Eles param sua corrida e formam uma barreira em frente aos demônios que, por surpresa ou prazer, igualmente param e preparam-se para lutar.
“- Não podemos fazer nada, muitos ainda dependem de nós. Vamos”, grito.
Vamos alertando todos por onde vamos passando. Temos de tirar todos daqui o mais rápido possível. Uma turba forma-se, atrás de nós, correndo desesperada. Não se via esperança em seus olhos. Os fazemos correr até o limite de suas forças. Esta é sua única esperança. Mas queremos acreditar que Lin-wu não esquecerá de nós deixando-nos à mercê de um inimigo tão poderoso.
E ele nos mostrou sua intervenção.
Após uma esquina encontramos mais alguns paladinos. Eles escoltam nossa última fagulha de esperança. O imperador-dragão Tekametsu. Sua magnânima imagem sempre me trouxe uma aura de tranqüilidade e paz. Como se o próprio Deus falasse por seus lábios. E isso acontece também com todos os seus súditos.
A população que fugia desesperada, ao vê-lo, joga-se a seus pés suplicando pelo auxílio e proteção. Mesmo não sendo comum o contato do imperador com seus súditos este era um momento ímpar. Nossos costumes nunca colocam o imperador e a população comum frente-a-frente. Mas ele nunca deixaria seus súditos desamparados.
“- Vidas demais já pereceram hoje. Mas ainda tenho forças para tentar manter aceso o espírito de nossos ancestrais”, diz o imperador como a tranqüilidade, “nunca deixemos de acreditar e orar a Lin-wu. Os espíritos de nossos ancestrais sempre nos acompanharão”.
Mas palavras, muitas vezes, perdem a força frente a imagens. O inevitável acontece. Juntamente com as primeiras gotas corrosivas, que continuam a avançar desde o ponto central da tormenta, surge um grande número de seres demoníacos. Eles avançam com a ferocidade de um animal raivoso. E nós somos o alvo.
O imperador começa a se encaminhar, lentamente, na direção do inimigo, dizendo à população que ameaça entrar em desespero - “- Rápido, entrem nas casas e não saiam em hipótese nenhuma. Confiem em mim e não duvidem dos desígnios de Lin-wu”.
Todos correm automaticamente para as casas mais próximas fechando portas e janelas. Escondem-se como podem e oram.
Sempre aprendi, em meus estudos, que devemos reconhecer o perigo como as feras reconhecem. Talvez por isso os demônios tenham hesitado por um breve instante frente à figura imponente de nosso imperador. Tempo suficiente para a fagulha de esperança tornar-se um feixe de luz.
Tekametsu para ao lado dos paladinos que restaram. “- Está quase acabado. Descansaremos em breve. Ao lado de você terei a honra de ingressar em Sora. Só peço mais alguns instantes. Impeçam-nos de chegar perto de mim por alguns instantes e teremos realizado o que foi escrito”.
A chuva maldita nos alcança novamente. A dor de cada gota, tocando minha pele, faz-me sentir queimando vivo. Mas ainda não está acabado.
O imperado para com os olhos fechados. A chuva o atinge, mas ele permanece inerte como se nada estivesse acontecendo. Ele eleva as mãos até a altura do peito e começa a move-las desenhando símbolos no ar. Elas vão deixando um rastro luminoso. Todo o ar ao nosso redor começa a agitar-se, numa crescente que vai tomando as ruas.
Mas o breve instante de trégua termina e as criaturas avançam agora mais rapidamente do que antes como que prevendo algo de deveriam deter.
“- Pela última batalha. Por uma morte honrada. Por Lin-wu”, grito iniciando o caminho derradeiro. Sou acompanhado por todos. Todos sabemos o que devemos fazer. Todos sabemos qual será o nosso fim.
Atrás de mim percebo apenas uma luz crescendo em intensidade até quase ofuscar o sol da manhã. O ar gira tanto que até a chuva vermelha é deslocada para longe de nós. Os relâmpagos que ainda insistem em soar ficam com seu retumbar abafados.
Então tudo para.
A chuva volta a cair normalmente com o fim do turbilhão de ar. O relâmpago volta a soar.
Dou uma última olhada para trás à tempo de ver as vestes de Tekametsu caindo ao chão. Atrás dele tudo sumiu. Todas as ruas por onde tanto andei, quando criança, desapareceram. Ele estava certo afinal. Nunca podemos duvidar da força de nosso Deus.
Corro mais aliviado para a batalha. A paz toma conta de mim. Só um pensamento em minha mente – “minha irmã estava naquelas ruas”.
Versão 2. Finalizada em 02 de maio de 2006.