sábado, 3 de dezembro de 2011

Dicas do Mestre - Lidando com Viagens no Tempo



Sugestões de Enredo
- Lidando com Viagens no Tempo -


Muito do imaginário do homem moderno passou pela possibilidade de driblar a constância do 'tempo'. Na literatura, no cinema ou mesmo nos quadrinhos muitos foram os exemplos de criatividade lançando o homem para o passado ou para o futuro.

O RPG, como era de se esperar, foi influenciado por este tema e rendeu bons resultados. Embora ele seja mais uma questão de enredo do que de regras ou sistema, alguns sistemas criaram segmentos exclusivos dentro de seus conjunto de regras contemplando as viagens no tempo. O exemplo mais próximo de nós foi o suplemento 'Viagem no Tempo', do GURPS.

Mas se ele passa por uma questão mais ligada à enredo do que sobre regras, temos que ter algum cuidado especial com ele? A resposta é sim. O ponto principal do enredo passa pela ambientação e pelo paradoxo criado pelas jornadas ao passado ou ao futuro, isto sim detalhes que temos que atentar muito bem para esta natureza de jogo. Não pretendo criar aqui um tratado de física sobre a questão, mas apenas dar algumas pinceladas.

A primeira coisa a dizer é que podemos colocar a 'viagem no tempo', como já disse se o pensarmos mais como um elemento de enredo, em qualquer tipo de campanha de qualquer sistema, seja como ponto central de nossa aventura, seja como elemento adjacente à uma aventura em andamento.

É bom salientarmos que se o tema é principalmente uma questão de enredo ele pode ser utilizado por qualquer sistema de RPG e em qualquer ambiente, não importa se d20, 3d&T, Tormenta RPG, GURPS ou Storytelling, não importa se de fantasia, futurista ou sobrenatural, não importa se em Gotham City, em Valkaria ou na Roma antiga. A beleza desse tipo de elemento é que se encaixa nos jogos, independentemente do sistema que utilizamos, é a possibilidade de os utilizarmos como curingas – sempre servem em qualquer circunstância.


O segundo ponto importante, realmente crucial, para sua utilização em RPG é a preocupação com o desenvolvimento do jogo. Este sim o único e grande perigo para termos ou não uma boa diversão em seções onde a viagem no tempo está inserido.

Estamos acostumados desde nossos primeiras seções de RPG a termos um grande cuidado com a linearidade, uma condição de encadeamento de acontecimentos que podem ou não gerar a relação causa-efeito. Em outras palavras, ações realizadas por um personagem podem gerar reações. Muito além disso, encadeamos acontecimentos, diálogos, encontros entre tantas outras coisas. É um processo natural e que passa por nossa formação, desde nossos primeiros meses de vida, nos primeiros anos escolares até o final da processo acadêmico e pelo resto da vida. Não esperem que eu me aprofunde neste tema... nem física nem psicologia!

Esta espinha dorsal de nosso pensamento é necessário para que as coisas tenham lógica em nossa vida e, em última análise, em nossos jogos. Falando exclusivamente em RPG, usamos essa linearidade para que os jogos tenham o conhecido 'início-meio-fim'. Algumas vezes os mestres até realizam idas e vindas no enredo, mas não como viagens no tempo e sim como deslocamentos para que o grupo jogue algum ponto exclusivo da campanha, mas sempre dentro da mesma linearidade. Mas as viagens no tempo zoneiam isso... ou melhor, destroem isso. Isto é o paradoxo.

Viagens no tempo podem ser utilizadas tanto para o futuro quanto para o passado. Falando em termos de RPG, numa linha temporal de uma campanha a viagem no tempo colocaria nossos personagens em qualquer posição desta linha como um elemento novo à algo que já aconteceu ou que acontecerá.

Diferente dos deslocamentos realizados por mestres, apontados anteriormente, os jogadores aqui não jogarão aquele ponto específico da história pois ele já foi … jogado. Não entendeu? É o  efeito paradoxo.

Quando viajamos para o futuro os efeitos e complicadores na história são menos percebidos. Os personagens que chegam ao futuro irão participar de acontecimentos que em resumo ainda não aconteceram acompanhando passa-a-passo a linearidade daquele ponto em diante. Alguns cuidados devem ser tomados em relação ao quanto os personagens que chegam ao futuro 'sabem', pois bem ou mal eles terão um vácuo de conhecimento dos acontecimentos desde o ponto de início da viagem no tempo até o ponto de chegada no futuro. Mas este é um problema relativamente simples. Eles saberão mais ou menos proporcionalmente a distância percorrida para o futuro. Se a jornada for de alguns dias, ou mesmo semanas, as influências no conhecimento dos jogadores será pequena. Mas se a viagem os lançar para décadas ou séculos à frente os efeitos serão muito maiores. Mas mesmo assim, problemas simples. Sem paradoxo.

Agora tudo se complica quando vamos para o passado. A ideia chave que temos que ter para entender este 'paradoxo' e a noção de causa-efeito.

Vamos para um exemplo simples. Se tivéssemos a possibilidade de voltar em uma viagem no tempo para matar Hitler e impedirmos que as atrocidades cometidas por ele se tornassem realidade antes dele assumir o comando da Alemanha? O que aconteceria? Com a morte de Hitler possivelmente o mundo não teria vivido a Segunda Grande Guerra... possivelmente!! Ao voltarmos no tempo e modificarmos um elemento dele criamos uma verdadeira linearidade nova. Não podemos imaginar que apagando este elemento simplesmente o mundo estaria consertado e tudo teria corrido da mesma forma até os dias de hoje. TUDO seria completamente diferente. Um outro líder poderia ter tomado o poder e ter sido ainda muito mais cruel que Hitler, podendo ter vencido a Segunda Grande Guerra. Poderíamos ter tido um mundo perfeito com uma paz generalizada que perduraria por séculos. Nunca saberíamos.

Este exemplo é com um acontecimento de grande proporção, mas ele vale mesmo para coisas aparentemente simples e sem importância. Não temos e nunca teremos a medida do grau de influência no tempo para qualquer alteração que realizarmos nele. Mesmo um grão de areia pode ser crucial em algum momento do continuum – o conhecido 'efeito borboleta'. Isto é o paradoxo.

Exatamente por isso que o trabalho do mestre, quando utilizando este recurso de enredo, torna-se muito mais cansativo e minucioso, embora as aventuras tendam a serem muitíssimo mais agradáveis.

Mexer com o tempo requer muitos cuidados devido a sua nova dinâmica, assumida com a nossa presença. Atente que quando voltamos no tempo estamos tendo contato com algo que já aconteceu. Por isso mesmo apenas nossa presença já é interferência suficiente para que tudo, dali em diante, torne-se algo novo. Imagine assim. Se um personagem faltou à um encontro com um informante que trazia notícias sobre um atentado ao mago da cidade. O mago acaba sendo morto por sua falha. O personagem então volta no tempo e consegue se encontrar com o informante, impedindo assim o assassinato do mago. Perfeito? Nem sempre... na verdade quase nunca. Você salvou o mago, mas não sabia que ao salvá-lo o assassino teve que encontrar outro alvo e acabou sendo a primeira pessoa com quem ele esbarrou – sua colega maga do grupo de aventureiros. E você não pode mais voltar no tempo pois ela era a única pessoa que poderia fazer isso por você. Esta é somente uma das alternativas possíveis, pois mexendo com o tempo as alternativas são infinitas. Algumas mais plausíveis outras nem tanto, algumas macabras outras agradáveis.

Neste ponto é que entra o mestre. Se o infinito é o limite de possibilidade, cabe ao mestre direcioná-lo. O mestre tem uma tarefa importantíssima neste ponto. Ele deve impedir que, com a viagem no tempo, os acontecimentos se repitam. Um movimento de regresso do grupo no tempo tem de ser entendido por eles como algo irreversível no que diz respeito às mudanças dos acontecimentos. A dinâmica das mudanças cabe ao ritmo dado à aventura pelo mestre. Isso pode ser aos poucos e gradual ou exageradamente traumático. A criatividade passa a ser o elemento central da diversão. Você, como mestre, poderá fazer tudo (realmente tudo). Uma campanha pode se tornar completamente nova com este recurso. Claro que essa liberdade exagerada pode trazer problemas se não for bem conduzida.

O principal problema é a confusão que a aventura pode se tornar. Minha sugestão é nunca exagerar nas modificações se você não tem em mente exatamente onde quer chegar. Pense que pequenas alterações na história já podem ser traumáticas para o grupo. Explore isso. Muitas vezes apenas mudar o rumo dos acontecimentos, fazendo o grupo acreditar que conseguiu resolver um problema mas na verdade criou outros, já é mais do que suficiente.

Outro problema é o grupo ficar desinteressado com a aventura como se ‘tudo tivesse sido em vão’. Faça com que o novo caminho tenha um ponto final que os estimule e o enseje à prosseguir.

Não recomendo que este recurso da jornada pelo tempo seja utilizado muitas vezes numa mesma aventura, à não ser que a viagem no tempo seja o tema central da campanha. Na maioria dos casos uma pequena modificação já é mais que suficiente para gerar inúmeras novas aventuras.

Aventure-se pelo tempo, mas com cautela.

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