sábado, 30 de novembro de 2019

Vamos conhecer Blue Planet, um waterpunk RPG recomendadíssimo


Vamos conhecer Blue Planet,
um waterpunk RPG recomendadíssimo


Quando soube deste jogo, pelo mestre de nossa mesa regular, fiquei muito curioso, tanto que resolvi o pesquisar um pouco mais à fundo. Quero ter mais tempo para ler o sistema com calma, mas queria deixar aqui algumas primeiras impressões que já tive.

Lançado originalmente em 1997 pela Biohazard (posteriormente pela FFG), com design encabeçado por Jeffrey Barber, ele estaria dentro de um estilo de jogos denominado waterpunk (um cyberpunk em um mundo aquático) onde o foco principal está em seu cenário, ocupando quase que a totalidade do livro.

A principal característica que salta aos olhos é a importância com o elemento científico. Ele não quer apenas carregar a alcunha de ficção científica, mas de ser realmente científico. Começamos a percebemos sua seriedade e interesse quando sua primeira edição chega dedicada ao grande oceanógrafo francês Jacques Cousteau. Continuamos percebendo isso com o extremo grau de detalhamento do cenário oficial – Poseidon – que vem descrito em três quartos do livro. Poseidon é um planeta aquático alienígena construído e descrito de forma criativa e realista. Abordando desde elementos de geografia e ecologia, bem como política, ele nos presenteia com um cenário palpável e crível.


O pressuposto do cenário é algo que nos está presente hoje em dia - a destruição do meio ambiente. Em 2075 um buraco de minhoca foi descoberto na borda do sistema solar. Esse buraco de minhoca velava á um distante sistema solar onde seu segundo planeta era habitável e quase que completamente coberto por água. Ele recebeu o nome de Poseidon. Um vasto grupo de exploradores e colonos foi enviado para lá. Cinco anos depois uma catástrofe acontece. Para destruir um poderoso parasita em mutação mega-corporações criam um vírus geneticamente modificado que destrói esse fungo, mas também quase toda a vida vegetal do planeta. Esse evento quase levou à extinção da civilização e a colônia de Poseidon acabou sendo deixada à própria sorte e sem contato. Esse desastre fico conhecido como The Blight.


Em 2199 a humanidade se reergueu com dificuldade. Centrada na ação da GEO (Global Ecological Organization) e com presença de grandes corporações que agora realmente são as detentoras do poder, a praga se encerrou e a terra tem como contatar sua colônia perdida.

O interesse terráqueo é fazer uso da ecologia do planeta alienígena para sustentar o ambiente da Terra. Mas com o contato eles descobrem que a gigantesca expedição tornou-se nativa do novo planeta, integrando-se em harmonia com seu ambiente. Tudo se torna mais radical quando um novo minério revolucionário – chamado de Long John - é descoberto em Poseidon dando início à uma corrida feroz e violenta por ele. Aqui começa uma luta entre os terráqueos e seus fuzileiros geneticamente modificados contra grupos de ecoterroristas nativos de Poseidon. Um grupo achando que tem direito ao minério para salvar e melhorar Terra enquanto outro pretende proteger o seu meio ambiente à todo custo. Alguém se lembrou de Avatar? Só que esse RPG é de quase dez anos antes...

Embora esse ambiente de conflito com tons de cinza amplamente utilizado em títulos cyberpunks nos seja facilmente reconhecível, Poseidon é um cenário detalhado à exaustão, não só em sentido de detalhes, mas principalmente no sentido de sustentação dos detalhes em fatos científicos reais. E o melhor de tudo, com todas essas informações muito bem preparadas para servirem de suporte para suas aventuras. Não são apenas informações científicas soltas. Há uma adequada sinergia ente informação científica, construção do cenário e preocupação com sua utilização e relevância em um cenário de RPG. Isso foi tão reconhecido que logo que foi lançado ele foi indicado à categoria de Jogo do Ano no Origins Awards.

Se isso já é muito bom, não esqueça que o cenário se passa no futuro e que ele se pretende como uma variação de cyberpunk, o que significa que temos muitos equipamentos de alta tecnologia para nossos personagens usarem e abusarem, além de intrigas nebulosas próprias desse tipo de gênero. Realismo científico não descarta o elemento fantasioso do cenário e sim, ele está presente e muito bem utilizado. De cibertecnologia à biomods, de aprimoramento respiratório à armamentos, tudo está presente e embasado. Some-se à isso um ambiente de manipulação política e investigação perigosa.

Como esse RPG é em homenagem à Cousteau, e o próprio autor também é um oceanógrafo, temos um capítulo todo focado em cetáceos e como eles foram alterados geneticamente para se enquadrarem nas necessidades dos nativos na proteção de Poseidon... e você pode sim interpretar um golfinho ou uma baleia assassina modificado! Já que falamos nisso vamos ver nossos personagens.


A criação do personagem em Blue Planet é um dos elementos que mais gera estranheza devido à sua demora, embora seja condizendo com o caráter do jogo de ser realista e abraçando a diversidade proposta pelo cenário. Nada de personagens gerados rapidamente. Um cenário detalhado como esse acaba por gerar uma construção de personagens igualmente detalhada. Você começa selecionando conceito, motivação e atitude para seu personagem. Ora, este é um RPG onde claramente seu posicionamento frente ao tema fará toda a diferença dentro do andamento da campanha. É lógico que ele começará por este elemento antes mesmo de você escolher qualquer atributo. Você pode selecionar uma espécie entre ‘chimp’ (humanos não modificados), os ‘modi’ (humanos melhorados geneticamente), ‘genie’ (humanos redesenhados geneticamente), ‘aquaform’ (humanos anfíbios), ‘híbrids’ (super-soldados), ‘alphas’ (melhores aptidões e mais longevidade) e ‘cetáceos’ (golfinhos ou orcas). Cada uma dessas espécies geram modificadores para uma série de 4 atributos principais (físico, coordenação, cognição e psique) que influenciam 3 atributos derivados (resistência, fortitude e reflexo – tradução minha)... nenhuma grande novidade, não é?

Também temos vantagens (conforme a espécie), perícias (graduadas em três categorias e gerando modificados de 1 a 10 dentro de um espectro dessa categoria), backgrounds (que podem gerar alguns modificadores específicos) e uma série de arquétipos e profissões (para poupar trabalho ou apenas dar idéias).

Bom, isso ainda é um jogo de RPG. Como são suas regras? Ele se vale de um sistema de regras próprio chamado Synergy Game System com uso de d10s (dados de 10 faces) e que é adotado para a segunda edição (que estamos vendo aqui). Ele é baseado em não ultrapassarmos um valor mínimo chamado de Target Number (TN) para a execução bem sucedida de qualquer tarefa, onde esse valor normalmente é baseado em duas características – perícias (classificadas de 1 a 10) e um dos 4 atributos – que são representados pelos próprios dados. Para tentar realizar uma tarefa, o jogador lança dados d10 procurando obter o menor resultado. Se esse resultado for igual ou menor que o TN, o personagem será bem-sucedido. Se o resultado for maior que o TN, ele falhará. A diferença entre o número rolado e o TN representa o grau de sucesso ou fracasso do personagem, chamado Action Value (AV).


O sistema em si é extremamente mortal no que tange à combates. Ele claramente diz que “qualquer ataque que possa prejudicar o personagem, pode matá-lo”. Você pode morrer com apenas uma facada e disparos de armas de projeteis são tão eficientes quanto na vida real. Em Blue Planet temos que nos afastar do pensamento de combates de longos com muitos acertos sendo cometidos e tempo de sobra para recuperação. Por isso mesmo ele acaba por criar cenas rápidas e sem exagero de tempo gasto. Combates acabam por serem utilizados de forma muito mais interligada à narrativa da campanha como um recurso pensado e estudo, e menos como uma reação automática para algum momento de tensão. Se o jogador pode ser morto facilmente ele tenderá em escolher de forma muito mais racional quando se valer desse recurso.

Não há pontos de vida para serem reduzidos com os ataques. Ao invés disso, temos três categorias de dano – menor, sério e crítico – e que gostei muito de como funcionam. Você pode acumular danos menores e sérios. Cada dano menor sofrido implica em um redutor de -1 em suas jogadas de dados. Danos sérios implicam em um redutor de -2 e um teste adicional quando do sofrimento do dano para ver se o personagem não entra em choque ficando incapacitado e gerando um série de problemas. Já os danos críticos tendem em ser mortais. Um dano crítico gera duas jogadas obrigatórias ao jogador. A primeira é para ver se o dano será mortal (o grau da falha determina se o personagem está morrendo ou se morreu instantaneamente). A segunda jogada (se o personagem não morreu instantaneamente) será para determinar se ele entra em choque (fica incapacitado) ou se ele poderá continuar a agir com um redutor de -3, embora ele ainda esteja morrendo e precise de atendimento em um prazo estipulado.


Edições
Blue Planet foi lançado, como eu já disse anteriormente, em 1997 pela Biohazard. Essa sua primeira edição causou grande impacto pela qualidade e riqueza da construção do cenário, embora suas regras baseadas em porcentagens fosse um tanto confusa e complicada. Ele teve dois suplementos lançados: Archipelago: A Guide to the Islands of Blue Planet (1998) e Acess Deneid: A Moderator’s Resource (1999).



A segunda edição foi lançada pela Fantasy Fight Games (FFG) em 2000 já com o sistema de regras apresentado anteriormente – o Synergy Game System. Foi uma adequação de um ótimo cenário à todo o feedback recebido sobre a mecânica de jogo. Agora ele vinha com dois livros básicos – Blue Planet Player’s Guide e Blue Planet Moderator’s Guide. Além disso, ele teve o lançamento de mais cinco suplementos: Ancient Echoes (2000), Natural Selection (2000), Fluid Mechanics (2001), First Colony (2001) e Frontier Justice (2001). Uma curiosidade é que tivemos em 2003 uma versão de Blue Planet lançada para GURPS pela Steve Jackson Games baseada nessa segunda edição.


Mais de uma década depois, em 2012, uma edição revisada da segunda edição, foi lançada pela FASA. Novamente com dois livros básicos e atualização de imagens e design a série permanece quase a mesma. Foram lançados Blue Planet Player’s Guide (Revised) (2012) e Blue Planet Moderator’s Guide (Revised) (2013), seguido dos suplementos Ancient Echoes (Revised) (2013), Bloodspot (2015), Dolphins, Guns and Money (2015) e Expanded Skills use for Blue Planet (2016).


Recentemente, em 7 de agosto de 2019, foi anunciado no site da Biohazard uma parceria com a Gallant Knight Games para o retorno da franquia com Blue Planet: Recontact, onde foi disponibilizado um Quickstart (link) anunciando novas regras e muitas novidades. Segundo o próprio site “Recontact apresenta uma evolução moderna da mecânica da segunda edição com construção de um mundo tecnológico, científico e sociológico totalmente atualizado. Recontact é o termo do jogo para o fatídico dia de 2165, quando o almirante da UNSS Robert Perry entrou em órbita em torno de Poseidon, reconectando os colonos com a Terra 69 anos depois de serem abandonados. Desde que mais de duas décadas se passaram desde a publicação da primeira edição, RECONTACT parecia uma legenda apropriada para a nova versão do jogo.”



Finalizando
Blue Planet é um RPG que merece ser experimentado nem que seja uma vez. Ele possui uma temática muito atual e necessária e que não esconde qual a visão dos ‘vilões’ da história, conectando naturalmente com o momento atual. Com um sistema fora do eixo normal e com uma mecânica ‘mortal’ ele poderá causar uma nova experiência em jogadores acostumados com franquias mais difundidas. Além disso, seu cenário é um capítulo à parte e que, me mãos habilidosas poderão gerar grandes aventuras com temáticas que girarão entre combates ecológicos, investigações contra mega-corporações e descobertas de mistérios nativos. De tudo um pouco.

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