domingo, 2 de outubro de 2011

Ascenção de RPGs narrativos e Old School - uma coincidência?


Ascenção de RPGs narrativos e Old School - uma coincidência? 
 
Os adventos dos RPGs narrativos e do fortalecimento dos adeptos do Old School, encabeçado pelo Old Dragon entre outros, não são meras coincidências. Essas correntes iniciadas à cerca de dois anos são uma resposta natural de uma parcela considerável dos jogadores que toma forma cada vez mais concreta.
 
Em tempos de crescente número de sistemas pode-se dividir muito bem os jogadores de hoje e os de ontem, se é que se pode dizer assim. Uma considerável parcela de jogadores, onde eu me incluo, começou a jogar RPG ainda no início dos anos noventa (e alguns ainda antes disso). Naquela época tínhamos dois elementos centrais para a prática desses jogos – a ênfase na interpretação e uma utilização das regras mais livre.O primeiro deles era justamente o que mais chamava a atenção – a possibilidade de mais do que termos jogos realistas nas mãos, termos condição de sentirmos e vivenciarmos o que imaginávamos como se fosse real. Não era uma corrida ensandecida pelo realismo, mas a vivência de um realismo de fantasia.
 
O segundo deles era a possibilidade de gravitarmos entre as regras. Isso fazia que com conversa e bom senso cada grupo tivesse a condição de resolver seus problemas do andamento do jogo conforme desejassem e sem gerar grandes problemas. Era a simples condição de jogarmos usando as regras como apoio e não jogarmos draconicamente conforme as regras.

Mas então acabou a época de ouro do RPG. Jogos cada vez mais específicos eram lançados onde suas regras formavam verdadeiros compêndios de normas que deveriam ser seguidos cegamente para tudo transcorresse com fluidez. Os jogadores que ingressaram na prática do RPG por esta época acabavam se adequando naturalmente à nova dinâmica. Ou melhor, o mercado de RPG se adequou à geração videogame, dando à si mesmo uma nova roupagem. Era um processo quase que retroalimentativo (um alimentava e modificava o outro). Muitos acabaram iniciando no RPG justamente por esta peculiaridade. E conforme isto foi acontecendo eles também foram, além de se acostumando, reproduzindo isso. Pode-se dizer que o ponto final (por que não dizer culminante) foi o lançamento de 4ª edição do D&D.

Nesses anos que se seguiram o mercado se encarregou de manter seus lançamentos de forma contínua, e por que não dizer, privilegiando esta mais recente forma de encarar o RPG. O mercado tendeu para este lado por duas questões de lógica comercial – atender o público mais recente e seus anseios, mantendo-os ligados ao hobby; e ter a possibilidade de produzirmos cada vez mais e mais livros. Parece meio maquiavélico e posso até estar exagerando, mas é certo que com uma enorme necessidade de explicarmos 'tudo' com regras nos possibilita a criação de um sem número de obras, e isso não deve ter passado desapercebido pelas editoras.


Nesta nova faze não podemos reclamar da falta de regras para qualquer coisa, mesmo que para interpretarmos um disputa de cuspe a distância tenhamos que recorrer à física quântica. Nunca se produziu tantos livros sobre tantas nuances de cada sistema. Cada nova classe ou raça era motivo para uma nova obra de referência. Nunca estivemos tão bem munidos de amparo normativo quanto agora.

Mas era isso que desejávamos?

Uma parcela dos jogadores sim. Mas uma outra parcela não. E para essa parcela que vem desde tempos antigos do RPG (diga-se anos oitenta e início dos noventa) é que uma nova onda surgiu e ganhou cada vez mais força. Como um contraponto lógico, aliado ao advento das mídias interativas – diga-se 'internet' – muita experiência foi trocada, grupos de debate formados e iniciativas colocadas em prática. Os 'dinossauros do RPG' perceberam que estavam longe de serem jogadores isolados à beira da extinção e que eram em um número maior do que imaginado. Com isso estávamos com a receita pronta e uma nova etapa da prática do RPG – a fragmentação. E isso já está acontecendo!

Respondendo uma entrevista para um blog de um amigo meu me deparei com a questão: “qual o futuro do RPG?” Respondi com convicção de que estávamos entrando na fase da fragmentação da prática do RPG, e tenho isso com cada vez mais certeza.


 Antes quero salientar que essa fragmentação não significa que um sistema ou outro ou mesmo um ou outro estilos irão terminar, mas sim que as práticas irão fazer com que o universo de jogadores se fragmente entre mais de um sistema. Nunca mais teremos um mercado dividido entre dois ou três sistemas apenas – mais ou menos como foi na época do D&D, GURPS e Storyteller onde ou tu jogava um ou outro ou outro. O que teremos será uma coexistência entre sistemas com jogadores utilizando uma variedade cada vez maior desses sistemas.

Mas como se dá essa fragmentação? Ela se dá principalmente pelo surgimento de muitos sistemas chamados narrativos e pelos adeptos do Old School. E as razões são óbvias. Mas por que esses dois tipos?

Os RPGs narrativos tem a sua principal característica na leveza e simplicidade. Não precisamos de compêndios com trezentas páginas. Em poucas folhas podemos ter todas as regras que precisamos. Essa simplicidade impulsionou sua produção em todos os cantos fazendo com que qualquer tema possa ter seu sistema simples primando pela interpretação e interação entre jogadores. Esses sistema deu tão certo também pois a criação de sistemas como os atuais, que primam por regras e mais regras, precisma de grandes investimentos amparados por editoras. Isso freia consideravelmente iniciativas particulares. Os RPGs narrativos tem como característica sistemas leves e de fácil entendimento onde cerne central está não na quantidade de regras, mas na criatividade atuando sobre as poucas regras existentes. Vemos isso nos sistemas como "Terra Devastada" ou "Violentina".


Já nos sistemas baseados no Old School a peculiaridade está em grupos específicos que aderem à sua criação e prática – os dinossauros e amantes da flexibilidade das regras e da ênfase à interpretação - que não abrem mão de sistemas para jogos de fantasia que traga a emoção perdida do início do RPG. Esse 'reencontro' com outros de igual gosto os estimulou e incentivou à produção de projetos que acabaram por resultar em ótimos trabalhos - caso inegável de Old Dragon (uma de minhas novas paixões), Mighty Blade e outros. São jogos leves em sua estrutura, mas que possibilitam a verdadeira emoção de uma arriscada aventura de RPG nos moldes antigos, onde não se fica esperando apenas por um lance de dados, mas por tuda uma encarnação do personagem. eles em absoluto esqueceram das regras, mas elas são encaradas como apoio e não como algemas.

A fragmentação que vemos, então, entre os jogadores de RPG aqui no Brasil encabeçada, como já disse, pelos RPGs narrativos e os adeptos do Old School impõe-se mais e mais a cada dia. Eles ganham espaços nas mesas sendo jogados juntamente com outros sistemas mais pesados (D&D ou MM ou RdF ou outros). Onde antes éramos obrigados a jogar apenas um sistema (ou ficar em sistemas antigos), agora dividimos espaço entre sistemas e podemos escolher conforme nosso 'humor'.

Vejam bem que não estou aqui para crucificar 'a' ou 'b'. Até mesmo por que eu jogo ambos os tipos - os antigos e os novos. Estou tentando mapear uma tendência que está na nossa cara e que percebemos à cada encontro de RPG e nas mesas de nossos amigos. Uma tendência saudável e que em nada prejudica o mercado de RPG no Brasil. Temos um grande potencial e um mercado que tem espaço para ainda mais sistemas.

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