Criando
personagens:
A eficiência ou o conceito?
Um debate
rapidinho para este sábado. Essa semana vi alguns comentários em um debate
sobre a construção de um personagem em um determinado sistema. O debate girava
em torno de uma tal característica e se ela seria ‘cara’ ou não. Daí comecei a
me perguntar – o que pode ser considerado caro ou não na construção de um
personagem e como isso pode ser relevante?
Temos aqui duas
formas de ver RPG e sei que os meus palpites vão atiçar a ira de alguns
jogadores. Muito vêem o RPG como uma forma de simular a realidade em fatos,
acontecimentos e mundos que não existem, de fantasia ou futuristas. Esse tipo
de rpgísta vê na diversão e na aventura o sentido final da função desse hobby
que sou fã e praticante à mais de vinte anos. Eles anseiam pela hora de jogar
para desafiar a engenhosidade do mestre e superar as dificuldades do cenário,
tudo isso levando em conta a diversão. Claro que eles são exigentes, tanto com as
regras e sua utilização quanto com a condução da seção, mas mais do que tudo
eles desejam que a experiência seja prazerosa.
Mas temos outro
tipo de rpgístas também. Aquele que eu considero como sendo mais frio,
calculista e metódico. Aquele que vê no RPG uma oportunidade de vitória não
importa contra quem ou contra o que, mas vitória. Um rpgísta que monta seu
personagem como quem arruma um arsenal, querendo manter-se vivo à todo o custo.
Esse tipo de rpgísta vê na prática do RPG uma forma de superar todos, de ser o
herói não importa quantos tenha que passar por cima ou matar. Ele quer ter a
solução de todos os desafios em sua ficha e que os outros o invejem do início
ao fim da seção pelas sua infinita lista de combos fodásticos. Esse rpgísta vê a
prática deste hobby como uma forma de se sobressair. Eles também são exigentes,
é claro, pois nas regras e no enorme conhecimento que eles têm delas está toda
a diversão que eles precisam para seres mais do que o resto do grupo e do que o
mestre.
Quem de vocês
nunca encontrou esses dois tipos de jogadores por aí? Pois para entender o
debate “se uma característica é cara ou não?” essa diferenciação é fundamental.
Quando vamos
construir um personagem – não importa para qual sistema ou cenário – usamos para
isso um sistema de regras, que se encaixam em uma mecânica e nos baseamos em
certos custos. Até aqui tudo perfeito, pois é necessária alguma ordem básica
para gerarmos parâmetros e termos todos dentro de um certo nível na mesa.
Esses dois tipos
de rpgístas, que apresentei anteriormente, vêem esse momento de construção do
personagem de forma muito distinta. O primeiro tipo pensa normalmente em um
conceito para seu personagem, pensa em como ele vai agir, suas motivações ou
mesmo o que seria interessante desse personagem fazer. Depois disso ele vai
montando seu personagem para que ele se encaixe em seu ‘conceito’. Para este
tipo de jogador o que importa é o resultado e impacto que o personagem terá
como um ‘ente’ em si e desejando testar e vivenciar a forma com que ele se
adapta ao mundo que o cenário irá lhe proporcionar.
Já o segundo
tipo de jogador também irá passar pelo processo de criação do conceito para seu
personagem. Mas a grande diferença vem na hora de construir o personagem em si.
Ele irá vasculhar cada canto do livro para montar um personagem invencível, não
importa qual seu conceito. Para ele as palavras ‘falha’ ou ‘derrota’ não podem
existir. Ele usará cada subterfúgio para que seu personagem possa ultrapassar
cada desafio incólume. Ele criará um personagem que será capaz de realizar
combos que nem os escritores dos livros conceberam. Para ele não importa a
emoção de vencer um desafio, importa apenas passar de forma gloriosa e superior
pelos desafios.
Quando falamos
de caro ou barato em questão de características dos personagens, isso
claramente vem de encontro à esses dois tipos de rpgístas. O primeiro tipo não
tem muito claro (ou não se importa) com questões de caro ou barato. Para ele o
ponto central está na forma como o personagens está sendo construído e de que
forma seu conceito é finalizado. Se para isso as características assumidas são
as mais caras, ele não se importa. Ele quer um personagem relevante e que tenha
‘alma’.
Já o segundo
tipo de rpsísta não pensa assim. Tudo para ele, na construção do personagem, é
resumido em números e valores. Ele pensa quantitativamente na forma como
otimizar os pontos que ele possui para montar seu personagem de uma forma
arrebatadora e mortal. Ele não deixará que o conceito o limite para que
fraquezas surjam, ele fará de tudo para construir uma máquina que sobressaia
aos outros participantes deixando até mesmo o mestre de queixo caído. Para este
tipo de rpgísta existe significado em ‘caro’ e ‘barato’ para a aquisição de
elementos e característica para seu personagem. Ora, se seu diferencial é
quantitativo para que isso otimize a qualidade do personagem, ele não pode
desperdiçar seus ricos pontos em coisas supérfluas ou que não surtam efeito
efetivo. Este tipo de rpgísta tem sim uma noção de caro e a usará para pesar a
utilização ou aquisição qualquer tipo de característica.
Confesso que
acho essa atitude, a do segundo tipo de jogador, um desperdício completo. O que
deveria ser uma oportunidade para diversão e descontração acaba se tornando uma
fonte de trabalho desperdiçado e busca incessante de superioridade. Perde-se aqui
a noção de experiência e vivência de que o RPG tanto nos aproxima. A
possibilidade de simularmos mundos reais desaparece no ar e resta apenas a
vitória, a vitória e a vitória. A construção do personagem fica restrita aos
fins que o jogador deseja atingir, quando na verdade deveria ser procurado uma
forma de construir um personagem para depois perceber-se como ele reagiria ao
mundo e quais repostas ele daria aos problemas encontrados.
Como disse, eu
não vou me estender muito, pois é um assunto que acho que muitos de vocês – os rpgístas
de verdade – já perceberam e sabem como se vacinar contra este mal. É uma
opinião meio radical minha? Talvez. Todos têm de aceitá-la? Claro que não. Propus
apenas um momento de reflexão para os praticantes desde hobby que adoro.
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