Parte 2 - A aventura inicia -
João Eugênio Córdova Brasil
VI. O Menino
A aparência do casebre não diferia muito do estado das poucas casas que ainda permaneciam de pé no fúnebre vilarejo. Estava até um pouco melhor do que as outras – ainda tinha paredes e teto. As paredes externas estavam chamuscadas e o teto parcialmente intacto. A coloração esbranquiçada – que outrora poderia ser chamada de pintura – já havia adquirido tons amarronzados à algum tempo.
O sol, que avançava em seu eterno percurso abençoado pelo deus Azgher, ia chegando perto do centro do céu. Sua posição trazia claridade para a vila, mas também criava um manto negro dentro da casa impossibilitando a qualquer um enxergar para dentro da habitação.
O som estranho se repetiu seguido agora de um gemido. Todos as atenções estavam depositadas na abertura daquela casa. Slocun já havia guardado seu sabre e recuperado sua pistola, deixando-a firme na mão. Tary, juntamente com outro marujo, estavam postando-se de ambos os lados da porta enquanto os outros permaneceram perto dos feridos.
Mais um gemido.
Slocun se aproximou lentamente, tentando fazer com que seus olhos se acostumassem com a pouca luminosidade do interior daquele cômodo.
Outro gemido.
Slocun já estava no vão de entrada, mas só conseguia divisar, com a claridade, alguns passos à sua frente. Mas sabia que não poderia ficar naquele impasse. A mão continuava firme em sua arma de pólvora. Deu mais um passo e adentrou no casebre. No segundo passo foi engolido pela escuridão.
Silêncio.
Do lado de fora todos permaneceram tensos na prontidão que lhes era esperada. Os ouvidos tentavam escutar muito além de suas possibilidades, mas agora até os gemidos haviam sumido.
Ninguém soube muito bem quanto tempo havia passado. Nem um instante ou uma eternidade seriam percebidos naquele momento.
De um ponto mais distante, junto com alguns marujos e à frente da porta, Syan segurou a respiração. À sua frente somente a porta e o breu. Alguns instantes e a mente começava a trabalhar na construção de fantasias – normalmente desagradáveis e pessimistas.
Um som novamente, baixo. Quase um sussurro.
Não era mais um gemido, mas sim um passo. Um passo em direção à porta. Algo estava saindo. A ansiedade mesclava-se à imaginação. Um pesadelo podia tornar-se quase palpável. Mas ainda era somente a ansiedade.
Um vulto transpareceu, ainda que enegrecido pelo breu do interior. A única certeza era de que estava vindo, lentamente, em direção à porta. Mais um passo e a figura disforme tomou consistência Outro passo e todos reconhecem Slocun. E em seus braços um rapaz. O capitão trazia junto um olhar frio, mas cheio de raiva, como se estivesse em muitos lugares, menos ali.
Ao sair da casa ele manteve o passo firme e constante sempre em frete, na direção de Syan.
Todos estavam paralisados. Mais pelo olhar no rosto do homem que se acostumaram a ver sempre descontraído e jovial, do que por todo aquele amontoado de atrocidades, ou pelo ente que carregava nos braços.
Slocun parou à um passo do sacerdote fitando-o firme – “Não o deixe morrer” – disse engasgando em cada sílaba. Abaixando-se lentamente colocou, com cuidado, o corpo do rapaz no chão. Ele não deveria ter mais do que treze anos.
- “Mas quem é ele Joshua?”
- “Ajude-o!” – gritou o capitão, passando a um “por favor” em sussurro como que caindo em si.
Prontamente Syan abre uma das pequenas bolsas que trás penduradas nos ombros. Enquanto procurava seus produtos apenas com o benefício do tato, ia avaliando a situação do jovem rapaz. E não era nada boa.
A fuligem e o sangue ressecado escondiam quase todo o corpo dele. Tinha os cabelos marrons e os olhos azuis. Seu olhar estava perdido mirando o vazio Tinha passado por muito mais do que se espera possível a sanidade suportar em um rapaz de sua idade. Os ferimentos eram abundantes e em todos os lugares imagináveis. Tinha perdido muito sangue. Era um milagre que tivesse sobrevivido.
“- Vocês, entrem e vejam se há outros sobreviventes” – ordenou Slocun – “e você Tary, vasculhe o que sobrou da vila”.
o O o
“- Ele está bem Joshua”.
“- Obrigado Syan. E os outros três?”– Slocun não tirava os olhos do jovem.
“- Estavam em melhor estado que o garoto, mas inconscientes”.
“- O garoto não pode morrer, entendeu?”
“- Ele vai sobreviver, não se preocupe. Mas por que tanta preocupação com ele Josh?”
“- Eu entendo a dor dele.”
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