sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Diário de um Escudeiro - 17

Vigésimo sétimo dia de Cyd de 1392.

Meu ombro está quase novo em folha. Já consigo segurar as rédeas sem problema nem esforço demasiado. Nestes dois dias percebi uma coisa importante. Eu poderia ter morrido naquele combate impensado nas portas do templo de Keenn.

Eu, como escudeiro de um verdadeiro cavaleiro de Khalmyr, tenho obrigação de ter um desempenho muito melhor. Preciso estar à altura de meu senhor. Por isso depois de quase quatro dias sem trocar muitas palavras com Sir Constant disse-lhe minha idéia. Ele não mostrou-se lá muito entusiasmado.

“- Gostaria que me ensinasse algo útil para um combate, meu senhor.”

“- A troco de quê?” – devolveu-me a pergunta sem tirar os olhos da estrada.

Eu tive de escolher muito bem as palavras. Já o conhecia um pouco para saber que isto não se daria do nada.

“- O senhor, sendo um grande cavaleiro, como és, merece alguém mais bem preparado para ser seu escudeiro.”
As palavras foram perfeitas. Ele parou o cavalo e olhou-me profundamente. Abriu um sorriso sincero – “é verdade, mereço mesmo, terás de treinar muito”.

Passei o resto do caminho pensando no que viria pela frente.

Estamos chegando ao final do verão que virá com final do mês de Cyd. Por todo o caminho as cores das folhagens ganham cada vez mais tons ocre e amarronzados. A chuva dos últimos dias não deixou de ser um sinal de que o verão dá seus suspiros finais. Mas, ao mesmo tempo, a viajem se torna muito mais agradável e menos desgastante.

No final da tarde encontramos uma estalagem muito movimentada. Estamos à três dias de Gallienn e este parece ser um dos últimos pontos para ter-se uma boa cama e um pouco de comida nova antes da grande cidade. Com uma placa simples e um nome mais simples ainda – ela chamava-se apenas “Estalagem” – ela era o retrato deste povo sóbrio e regrado.

Mas, de qualquer forma, ela era o reduto de uma mescla de pessoas das mais variadas possíveis. Claro que todos os movimentos, dentro e nos arredores da Estalagem, eram cuidadosamente escrutinados por vários milicianos das tropas de Yuden. Mas isso não desanimava as populações estrangeiras.

Estranhei muito, por sinal, essa grande massa de pessoas de fora. Normalmente os estrangeiros tentam ficar longe daqui. E, da mesma forma, os yudeanos são avessos à estrangeiros. Mas há uma razão para isso, que me havia escapado. E é o assunto na maioria das mesas do salão de refeições da estalagem. Daqui a cinco dias será o Dia do Duelo. O dia que marca o início do Outono e o equilíbrio das forças do universo.

Pelo que escutava de meu avô, neste dia, em muitas localidades do Reinado, grandes conflitos e pendengas são resolvidos. É o dia dos grandes combates na Arena em Valkaria e em outras tantas espalhadas por todo o território. E, pelo que se escuta hoje, muitos combates serão resolvidos em Gallienn neste ano. Isso é motivo mais do que suficiente para trazer muitas pessoas para a cidade. Sejam yudeanos, comerciantes ou curiosos, todos direcionam-se para lá, pelo visto.

Já estou em meus aposentos, ou o mais próximo que isto seja de um aposento – um dos vários quartos minúsculos nos fundos da estalagem. Mas, mesmo assim, é quente, seco e tem uma cama.Amanhã será um dia um pouco melhor. Pelo menos o humor de Sir Constant estará melhor já que ele subiu acompanhando de uma das tantas mulheres viajantes que estão neste lugar.

2 comentários:

Gabriel disse...

Muito boa a narraçao...trabalh de mestre!!
gostei muito!!

João Brasil disse...

Obrigado......e aguarde que as coisas vão ficar muito mais movimentadas!!!!