terça-feira, 21 de julho de 2009

Diário de um Escudeiro - 26

Nono dia de Salizz de 1392

Alcançamos a fronteira ainda antes do meio dia. O Deus Azgher estava alto e seus raios furiosos nos banhavam com calor.

Como saímos junto dos primeiros raios do sol a fome já nos incomodava quando chegamos à fronteira. Uma pequena vila – Ranthor Gate – servia como um posto de controle, já que as relações entre Yuden e Bielefeld nunca foram das melhores.

A vila era simples, mas ao mesmo tempo, impecável. Uma pequena paliçada cercava o aglomerado de casas servindo como proteção, parca, mas firme. Sir Constant explicou-me que as flâmulas e brasões esvoaçantes marcavam quais famílias eram responsáveis pela cidade. Uma pequena guarda composta por um cavaleiro mais velho e alguns soldados rasos fazia o controle de quem entrava no território dos Cavaleiros da Luz pela estrada. Um rápido aceno de meu senhor liberou nossa passagem e entrada na vila.

O povo da vila circulava leve em seus afazeres matutinos se preparando para as refeições do meio-dia. Avançamos por quase uma centena de metros dentro da vila até chegarmos à um prédio que servia como sede da guarda dos cavaleiros na cidade. O grande emblema de Khalmyr pairava sobre a porta de entrada. Meu mestre desceu de sua montaria e entrou na sede por alguns momentos e retornou.

“- Vamos descansar aqui por uma ou duas horas. Estamos bem dentro do horário e chegaremos à Norm no prazo adequado!” – disse meu senhor – “cuide dos cavalos e entre para a refeição” – ele terminou apontando para uma pequena taverna do outro lado da rua e saiu.

Tentei ser o mais rápido possível e corri para a taverna, pois a fome era algo que eu não gostava de sentir. Ainda por cima aquele clima mais leve me deixou esfomeado. Entrei e logo localizei a mesa que meu senhor dividia com outros dois cavaleiros de aspecto muito duvidoso. Achei melhor não importuna-lo e me decidi por realizar a refeição no balcão mesmo. O atendente, que já estava à minha espera por orientação de Sir Constant, serviu-me fartamente com uma série de iguarias das mais saborosas que logo absorvi.

Após a refeição, enquanto aguardava em meu canto, Sir Constant encerrou sua conversa e aproximou-se de mim com um pedaço de papel dobrado nas mãos me indicando a porta. O segui de perto enquanto ele permanecia em silêncio até chegarmos perto dos cavalos.

Ele foi rápido em suas orientações:

“- Preciso que faça uma tarefa urgente. Irá andar por uns três quilômetros de volta pela estrada de onde viemos até encontrar um sinal numa das árvores no caminho. Lá deixará este recado. Dará meia volta e correrá para cá. Temos nosso caminho para seguir.”

Ele fez uma pausa e me passou o papel dobrado.

“- Lembre-se que este recado não é para você. N-ã-o o leia! É uma ordem!”

Subi no meu cavalo e o segui até o portão. Sir Constant aproximou-se da guarda e disse-lhes algumas palavras que liberaram minha passagem. Ele apenas virou-se e retornou para o interior da vila.

Segui suas ordens prontamente e galopei por algum tempo conforme ordenado. Mas minha mente não me deixava em paz. A maldita curiosidade que meu avô sempre disse que era uma dádiva, se não me trouxesse problemas, não me deixava em paz. Minha força de vontade durou apenas o primeiro quilômetro e logo que pude li o que dizia no meu bilhete.

Ele era curto e simples: “Sir Amílcar de Westport. Um dia e meio. Três carroças. Quatro homens.” Era só.
Não entendi nada, mas se era a ordem de meu senhor só me cabia atender.

O resto do percurso foi rápido e tranqüilo. Ao chegar ao lado de um enorme e velho carvalho achei meu sinal – uma flecha cravada em seu tronco com um trapo vermelho atado nela. Junto havia uma pequena bolsa de couro vazia. Usei a lógica e coloquei o pedaço de papel que levava dentro do saquinho e voltei.

Mas algumas coisas me deixaram curioso. Sempre fui bom rastreador, graças à minha criação junto das criaturas da Deusa Allihanna e das belezas da vida natural, que minha terra natal me proporcionou. Percebi muitas marcas de patas de cavalos por perto do carvalho, indicando que havia tido movimentação de três, talvez quatro cavalos, muito pesados. Além disso, o som dos pássaros indicava que essas pessoas estavam à minha espreita ainda. Resolvi não arriscar e nem olhei para trás.

Quando cheguei à Ranthor Gate Sir Constant já me aguardava e logo saímos à caminho de Norm.
Como já disse, quando entramos pela fronteira no território de Yuden, temos a nítida impressão, em certos locais, que o ambiente modifica-se junto com o território. Toda aquela sensação de cinza deu lugar à um ambiente colorido. Verdejantes pastos iam até onde a minha vista alcançava intercalados por alguns grupos de árvores aqui e ali. Até os pássaros pareciam mais alegres.

A estrada, perfeitamente calçada, e impecavelmente indicada por placas, nos dava a clara noção de que entráramos em um ambiente civilizado. Todo o ar modificara-se e nossa respiração parecia mais leve e sem receio. Até o humor de meu senhor estava livre dos pensamentos escuros e baixos.

Sir Constant estava irreconhecidamente feliz. Passou todo o caminho conversando e fazendo piadas. Dei boas risadas naquela tarde. Quase não percebi quando chegamos à Portfeld no final da tarde. Um enorme estandarte com a figura um grande lobo dourado apresentava-se por todos os lados da cidade ao redor do castelo. Fomos escoltados até a entrada do castelo, que meu senhor informou-me pertencer à família Goldwolf.

Um representante do prefeito Andrew Goldwolf nos esperava à porta colocando seus préstimos às ordens de Sir Constant. Fui levado à zona dos cavalariços, onde fui muito bem recebido. Lógico que meu senhor que foi encaminhado para o interior do castelo. Não que eu tenha me incomodado. As coisas foram muito divertidas para mim também – comida, boa conversa, música.

Pena que amanhã já estaremos na estrada novamente. Mas espero que em Norm possamos ficar um pouco mais e descansar um pouco da estrada.

Nenhum comentário: