A evolução da arte de mestrar
Tenho lido bons artigos em vários blogs com o intuito de ajudar mestres e jogadores à terem uma boa diversão em suas seções de RPG. Mas qual o limite que não deve ser ultrapassado para que a diversão vire um martírio.Ao mesmo tempo que temos muita gente que não leva à sério a prática do RPG, um igual número leva à sério de mais. São mestres que procuram a perfeição acima de tudo. Eles criam em suas mentes um modelo de RPG que seria magnífico se acontecesse ao natural, mas que de forma artificial torna-se quase uma camisa de força.
Existem mestres que quando sentam em suas cadeiras, à frente de um grupo de jogadores, esperam que cada um dos passos que foram planejados em horas de exaustivo preparo, que cada uma das dungeons milimetricamente criadas, que cada NPC calculado com esmero, sejam peças de um quebra-cabeça perfeito. Eles esperam que cada jogador assuma o papel que ele, mestre, cálculos e imaginou. Que cada combate aconteça no local imaginado e com os resultados esperados.
Ora, isso só pode resultar em uma coisa – frustração.
Esta é uma tecla que eu baterei mais uma vez. RPG é diversão. RPG é liberdade. RPG é criatividade. RPG é surpresa. De modo algum conseguimos prever o que acontecerá após o grupo sair de determinada taverna, ou após um encontro com determinado personagem. No momento que lidamos com pessoas interpretando personagens, se essas interpretações forem realistas, perdemos quase que por completo a possibilidade de previsão. Isso é um horror para alguns mestres. Eles odeiam se verem perdidos sem parâmetros os quais possam se segurar para levar o grupo e a aventura.
Mas eu considero isso um passo importante para a evolução da arte de mestrar. No início cada mestre se arma com toneladas de papéis, referências, mapas, fichas e dúzias de livros com todas as regras imagináveis – e algumas inimagináveis também. Tudo isso para poder manter a “ilusão” de que seu jogo será perfeito. Para manter essa ilusão ele faz de tudo para que tudo siga uma espécie de roteiro pré-determinado. Isso é quase uma violência ao RPG. Mas não imaginemos que isso é algum tipo de paranóia criada pelo jogo ou mesmo um desvio psicológico do mestre. É antes um desejo de todo mestre de que aquela aventura que ele crio divirta ao máximo seu grupo. É uma forma de auto-cobrança para que todos aproveitem o que o RPG pode proporcionar.
Nesta busca por satisfazer seu grupo um mestre iniciante (ou quem sabe inexperiente) acaba caindo nessa ‘violência’ ao RPG. Esse tipo de caso causa alguns problemas. O primeiro deles é a frustração já mencionada. Um mestre que passa horas, dias ou semanas preparando um jogo que logo na primeira esquina todos resolvem fazer aquilo que ele não havia planejado acaba por trazer um enorme desânimo à ele. É uma impressão de que todo o trabalho que ele teve não serviu para nada. E todos sabemos que um jogo conduzido por um mestre desanimado e frustrado só tem um resultado possível – um péssimo jogo.
O segundo problema é a diversão. Jogadores percebem prontamente quando um mestre está direcionando o jogo. Claro que existem casos em que uma pequena intervenção ‘divina’ é entendível para o bom andamento do jogo. Todos entendem isso. Mas a condução descarada leva o grupo a perder o interesse na campanha ou seção.
Mas vamos voltar a questão primeira – o mestre deseja que seu jogo seja perfeito para que todos os jogadores possam desfrutar ao máximo de tudo aquilo que o RPG pode proporcionar. E onde está a ‘perfeição’ no RPG? Podemos simplificar em uma palavra – diversão. Todo jogador procura no RPG o máximo de diversão que as regras e o sistema possam proporcionar. E para isso não precisa, necessariamente, haver perfeição na criação do mestre. Precisa, sim, de coerência, respeito aos jogadores em sua liberdade de jogar e, antes de mais nada, que o mestre também se divirta.
Para isso não precisamos que cada passo seja planejado pelo mestre de antemão. Muito menos que todas as regras sejam seguidas à risca tentando anular por completo os erros e enganos.
Lembram quando eu falei antes que este processo era importante na evolução da arte de mestrar. Pois bem, quis dizer que todo mestre acaba passando por este estágio por pura inexperiência. É uma etapa comum que mestres e jogadores devem aprender a superar naturalmente. E isso só é possível jogando, errando e tentando acertar.
Por experiência própria sei que os melhores jogos, aqueles inesquecíveis, foram justamente aqueles em que as coisas aconteceram de forma inesperada. Aqueles em que o mestre teve de suar a camiseta criando de última hora um local novo, ou um encontro surpreendente, ou até uma ficha de um monstro para satisfazer o simples desejo de diversão de seu grupo.
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