“Muitas
vezes os sonhos invadem nossa realidade. Outras tantas a realidade invade
nossos sonhos. Mas o que fazer quando o pesadelo entra, sem ser convidado, em
nossas vidas?”
Sushioto Ikazy – sobrevivente de Tamu-ra
Estou
deitado sob a sombra de gigantescas árvores. Apreciando o horizonte longínquo,
divagando sobre a honra concedida a mim. Mesmo tão jovem alcancei depois de
anos de treinamento a honra de ter um mestre a quem dedicar minha vida e minha
morte. Sentia-me leve e realizado. Atingira tudo pelo que lute. A honra.
Bem mais adiante, no início do
vale, tudo está calmo e sereno. Próximo ao córrego, um velho envolto em panos
alaranjados e brancos, caminha rodeado por mariposas e borboletas multicoloridas.Caminha
suavemente. Move-se como que com medo de tocar e ferir os belos insetos. Todo o
ambiente parece mover-se em seu ritmo.
Até tudo parar lentamente.
O vento caprichosamente
detém-se. O córrego está silenciado. Tudo sta paralisado. O velho, as mariposas
e borboletas, as nuvens, tudo. Era o quadro mais perfeito que a realidade já
produziu. Ou que qualquer artista copiará. É a perfeição que está retratada.
Mas mesmo assim está perfeição me agoniza. Algo fora do lugar me alerta. O que
era? Por que esta perfeição me incomoda?
E da mesma forma que as folhas
de outono perdem o seu verde a pintura viva, modifica-se, transfigura-se,
amarela. O córrego, o céu e a relva, tudo assume lentamente colorações rubras.
As mariposas e borboletas, antes multicoloridas, adotam tons avermelhados cada
vez mais intensos. Avermelham-se até confundirem-se com gotas de sangue
pairando no ar. E lentamente começam a cair.
A chuva escarlate tinge,
gota-a-gota, o manto do ancião tornando-o vermelho. E cada gota que o atinge
parece faze-lo crescer. Agiganta-se mais e mais como se uma força descomunal
estivesse encerrada dentro daquele corpo frágil. Esta força interior cresce até
que ultrapassa os limites da frágil casca. Rompe-o.
De dentro surge, imponente, um
guerreiro. O mais impressionante e sagrado de todos. Um samurai. Ostentando as
marcas sagradas e cores sagradas. Vestindo sua armadura em um vermelho tão
intenso que parece gotejar o líquido sagrado e vital. Empunhando sua katana com
tanta força que parece ter em suas mãos sua única esperança de vida.
E mesmo assim nada, a sua
volta, move-se. Tudo permanece inerte. . Inclusive eu. Nada move-se além do
grandioso guerreiro. Ele lentamente vira-s para mim. Seus olhos, mesmo ocultos
nas sombras, pelas frestas de sua hoate, penetram-me o íntimo causando
calafrios.
Em seu movimento lento e
contínuo vagarosamente eleva sua lâmina sagrada até apontá-la rija para mim.
De trás da máscara soa uma voz
que, mesmo com o tom de um lamento, encerra a força de mil almas. Todo o universo
grita através de sua voz. Como se o grande Dragão estivesse por detrás daquela
máscara atravessando-me com seu urro. Mas não o ouço naturalmente. Não o ouço
com os ouvidos. Escuto-o dentro de minha alma - “VOLTE!”.
Sinto-me como caindo de mil
montanhas. Jogado no vazio e na escuridão. Mais e mais rápido até atingir meu
próprio corpo deitado sobre a esteira. Acordo de um salto tentando recobrar
plenamente a consciência. Suo. Tento recobrar a nitidez da visão como que
procurando retornar à lucidez da realidade.
Caminho pesadamente para a
janela recordando o sonho e tento me localizar no aqui e agora. Mesmo acordado,
ou acordando, a sensação de incômodo do sonho persiste. Vagarosamente percebo o
que é. O silêncio.
Mesmo sendo muito cedo
levantamos, normalmente, com os primeiros raios de sol. “Por que o silêncio?”,
divago, percebendo que na verdade não existe silêncio. Há um som, ensurdecedor,
grave e abafado, como o vento de uma tempestade que se pronuncia, encobrindo
quaisquer outros sons, se houvessem.
Ao alcançar a janela percebo
que todos estão parados, imóveis como no quadro de meu sonho. Nada se move.
Todos estão inertes. Mas com expressões que longe seriam atribuídas à
serenidade. Há horror em seus olhos.
“- Keni” – o grito desesperado
de meu nome consegue atravessar aquele silêncio ensurdecedor.
Tahishi. Onde ela está? Levanto os olhos e
vejo minha irmã apontando para o alto com um olhar de quem pede desculpa por
uma travessura praticada. Não entendo mas não fico inerte. O instinto e os anos
de treinamento fazem que, em instantes, eu esteja ao seu lado empunhando minhas
espadas sem nem ao menos perceber.
Ela abraça minha perna,
chorando e apontando para o céu, escondendo o rosto. O pesadelo de meu sonho
invade agora minha realidade. O céu está vermelho. Não é mais um sonho.
O céu agita-se estranhamente
sobre o Palácio Imperial, o ponto central de nossa capital. O céu está revolto
como um mar de sangue. As nuvens rubras, em um redemoinho crescente, vão
tomando tudo até onde a vista alcança. Todo o espectro de luz que atinge a
superfície ganha tons avermelhados.
“- O que está acontecendo?”,
pergunto-me em voz baixa sabendo que permaneceria sem resposta. Mas a resposta
veio. Veio em forma de silêncio. Agora um silêncio real. Não escuto mais o
retumbar ensurdecedor e grave vindo da tempestade.
O momento de vácuo momentâneo é
quebrado pelo som de um trovão vindo do centro da tempestade.
Todos, ao meu redor, permanecem
inertes, desejando em seu íntimo que tudo acabe.
Mais um trovão ressoa. Agora
como o resultado de um relâmpago que cai sobre uma árvore, partindo-lhe ao
meio, carbonizada. E ele não é o único. Mais outro e outro e outro e outro.
Cada vez mais avassaladores, ensurdecedores e destrutivos. E incrivelmente
certeiros.
A apatia desfaz-se e as pessoas,
apavoradas, iniciam uma movimentação desordenada. A histeria toma conta de
todos. Cada relâmpago equivale a uma casa ou prédio destruído. Caem as
primeiras pessoas.
“- Tenho de deixá-la em um
lugar seguro!” - penso.
Mas junto com minhas palavras
vem as lágrimas. O céu chora sangue.
E a histeria transforma-se em
loucura. Todos gritam. Todos correm desesperados. A chuva avermelhada começa do
ponto central, sobre o Palácio, avançando para todos os lados. Ela avança
lentamente. E junto com ela avança também um cheiro insuportável. Tudo o que é
atingido por ela queima, morre. E o odor aumenta. O odor da morte.
Antes que consiga mover o
primeiro músculo novos gritos surgem. Mas agora não são gritos de horror ou
medo, são gritos irreconhecíveis. Guinchos animalescos. Infernais. Sons que vem
do centro da tempestade.
Sinto dedos gelados
vagarosamente enterrando-se em minha sanidade e despedaçando-a aos poucos.
Corro. Sou obrigado a correr
pelo pouco de clareza de raciocínio que ainda possuo. Não imagino o que está me
empurrando, mas o horror ainda permanece em minha mente como se não conseguisse
acordar de um sonho. Só vejo o horror e a dor. Sinto esta presença dentro de
mim e a minha volta. Algo esta ao meu lado. Está atrás de mim. Corro
sentindo-os em meus calcanhares, me abraçando e puxando-me para fora de mim
mesmo.
Seguro Tahishi o mais forte
possível, cobrindo seus pequenos olhos para que não os veja ou sinta.
Passo por alguns infelizes que
simplesmente estão paralisados olhando fixamente para “algo” atrás de mim. Seus
olhares são vazios de vida. Seus corpos estão ali, mas suas mentes já foram
consumidas.
“- Tenho que correr para
coloca-la a salvo e retornar”, penso. Ela é meu bem maior e jurei protege-la, a
minha mãe, no leito de morte. “- E cumprirei. Sua vida é minha vida”.
Atravesso ruas, largas e
estreitas, vielas e becos. Minha mente vai clareando conforme me afasto do
ponto central da tempestade. Mas cenas são as mesmas. Horror, desespero e
morte.
A chuva queima, embora esteja
mais fraca aqui do que nas proximidades do Palácio. Alguns corpos estão
destroçados, mas não consigo imaginar o que teria causado isto, – “- Não pode
ter sido causado somente pelos relâmpagos”.
Corro o máximo possível. Meus
pulmões vão explodir. Ando até encontrar uma pequena taverna. Acho que é a
única deste lado da cidade. Me vem a mente que em toda a taverna existe um
porão. Ou pelo menos deve existir. Esses comerciantes sempre apreciam deixar
“certas coisas” fora dos olhos das autoridades. Lá ela ficará segura.
As marcas do desespero estão
claras também ali dentro. Mesas desarrumadas, cadeiras viradas, refeições
inacabadas. Perto da janela há um homem, ou o que já foi um. Está encolhido
contra a parede, segura os próprios joelhos e esconde o rosto. Chora como uma
criança desamparada
“- Ainda não posso ajuda-lo,
primeiro ela”.
Atravesso o saguão e entro na
cozinha, indo na direção da porta deve levar ao depósito. Panelas ainda estão
cozinhando e o odor que vem delas mistura-se com o cheiro de carne queimada e
sangue fresco. Abro-a com o ombro. O estardalhaço é superado apenas pelos
gritos de muitos que já estão no refúgio.
Desço as escadas de um pulo e
deixo minha irmã nos braços de duas anciãs. Elas já consolam outras tantas
crianças desesperadas e, quem sabe, já órfãs.
Dou um beijo em sua testa. Por
entre todo o inferno de barulhos e ruídos vindos lá de cima não consigo
distinguir o que tenta me dizer. Mas seu olhar diz muito mais.
Quando dou por mim já estou de
volta ao salão principal da taverna. O homem desesperado já não está mais lá.
Na rua tento me localizar.
Tenho de retornar ao centro de tudo. Não posso deixar que outros pereçam. É
isto que Lin-wu deseja. É isto que Lin-wu terá.
Outros paladinos do Grande
Dragão passam por mim correndo, armados como podem, vestidos como podem, me
indicando que direção tomar.
A chuva corrosiva sanguínea
ainda não nos alcançou com sua força plena. Mas muitos mostram queimaduras de
tamanhos variados. Mas também mostram seus rostos a raiva e a prontidão de quem
quer acabar com esta loucura. A dor de quem quer acordar do pesadelo. Por isso
correm na procura do ponto central desta tormenta.
Sons de combate tornam-se
evidentes. “- Quem estamos combatendo?”, é a única pergunta que me ocorre
enquanto corremos atravessando cada viela e beco para encurtar o caminho.
E então a surpresa. Surpresa
que só não é maior que o pavor. A pergunta não é quem, mas o que estamos
combatendo.
Abaixo do redemoinho de nuvens ensanguentadas, em meio aos escombros do que era o bairro central, temos uma
visão perturbadora. Centenas de demônios, ou os seres mais próximos do que
acredito ser um demônio. Avançam para todos os lados e varrendo tudo o que
resta de vida.
Todos estamos paralisados. A
visão dos algozes de nossos irmãos deixa-nos sem ação. Caminham imponentes, mas
de forma veloz, com seus corpos que mais parecem terem sido roubados de
insetos.
Muitos dos que acompanham-nos,
prontos para o combate, têm suas mentes roubadas ou tocadas por um horror
inominável. Seus olhos vitrificam e perdem vida ao mesmo tempo em que, lentamente,
suas armas vão ao chão. O rosto daqueles poucos que ainda conseguem mover-se
transfigura-se em arremedos de humanidade e fogem em debandada. Correm para
qualquer lado. Todos eles já perderam o que podemos chamar de vida.
Sobraram apenas os guerreiros
do Deus. Sentimo-nos na beira da tênue linha entre realidade e loucura. Não nos
movemos. Mas também não recuamos. Por algum motivo nossa coragem mantém nossa
sanidade.
“- Eu não tenho vida ou morte,
faço das duas uma, tenho vida e morte. Eu não tenho estratégia, faço do direito
de matar e do direito de salvar vidas minha estratégia. Eu não tenho inimigos,
faço do descuido meu inimigo. Eu não tenho armadura, faço da benevolência minha
armadura. Eu não tenho castelo, faço do caráter meu castelo.
Eu não tenho espada, faço da perseverança minha espada”. O grito entoado pelo
mestre Nagoshi, um dos mais antigos e experientes Paladinos de Lin-wu, inicia
como uma voz solitária que, aos poucos, vai ganhando força no uníssono de todos
os Paladinos, tirando-nos da apatia aparente e nos lançando, novamente, à
realidade. O nosso juramento é a nossa vida. A nossa vida serve para mantermos
a honra. E nossa honra é tudo o que temos. Por ela morremos e vivemos.
Ao terminarmos nosso
juramento-prece avançamos para o inimigo de Katana em punho dispostos a
apaziguar a ira de Lin-wu. Não recuaremos. A ideia de recuar é substituída pelo
sentimento de justiça que nossa lâmina trará ao inimigo.
Muitos de nós mal conseguem
sequer olhar para os hediondos seres. Mas mais forte que o horror é nossa
perseverança, nossa honra. E por ela teremos uma boa morte aqui e agora se
Lin-wu assim desejar.
Ao me aproximar percebe que os
demônios não portem armas, mas garras e pinças enormes sobressaindo dos braços.
Não usam elmos, pois seu elmo é a própria cabeça encouraçada onde o que chama a
atenção são os enormes olhos de um esmeralda inexpressivo.
Os primeiros guerreiros
sagrados de Lin-wu iniciam os combates com toda a ferocidade que o momento
merece. Lâminas rasgam o ar produzindo o zumbido fino e agudo. Os primeiros
demônios caem. A vislumbre da vitória surge à nossa frente. “- Somos guerreiros
de Lin-wu”, grita um dos guerreiros, “e não pereceremos”.
A visão dos primeiros demônios
caindo encoraja-nos. Lanço-me sobre o mais próximo. Minha ira, com o que foi
feito a meu povo, deve ser apaziguada.
Valho-me de minha
inferioridade, em tamanho, e jogo-me sob seu enorme corpo, por entre suas
pernas. Enquanto passo por seus membros desembainho minhas lâminas dando golpes
certeiros. Atrás de mim o demônio tomba, agonizando, sem ambas as pernas.
Muitos outros continuam a cair.
“- Por Lin-wu, pelo povo, por
Tamu-ra” grita um paladino ao meu lado. Mas sua tentativa de incentivar-nos é
interrompida. Mal acabara de proferir as palavras de ordem e seu corpo já se
encontra no chão.
O clarão inicial de esperança
empalidece rapidamente. A vantagem inicial desfaz-se. O inimigo torna-se mais
combativo, mais rápido, mais numeroso, mais letal. O combate acirra-se por
demais. Os demônios já não caem mais. Agora nós caímos. Cabeças e membros são
arrancados. Lâminas quebradas. Mais sangue mancha o chão.
Nosso número reduz-se de forma
espantosa. Outros tipos de demônios surgem, mais letais e maiores que os
primeiros.
Nosso fim é próximo e certo.
Por mais que lute e deflagre toda a gama de
golpes, treinados por anos à fio, já não consigo atingir os seres a minha
frente. “- Espero pelo menos que consiga ganhar o máximo de tempo possível para
que os inocentes fujam”, consolo-me, tentando reavivar meu empenho.
Mas mesmo com nossa determinação na luta, vamos sendo, aos
poucos, empurrados para as zonas vizinhas ao palácio. Os que sobraram de pé,
não mais de trinta paladinos e alguns clérigos, só poderiam tentar detê-los. O
máximo possível
Percebendo isto e com alguns
sinais trocados entre nós, dirigimo-nos o mais rápido possível para as zonas
residenciais próximas. Era onde a maior parte da população ainda escondia-se. E
onde havia deixado minha irmã.
Nos dirigimos para lá o mais
rápido possível. Éramos perseguidos de perto por vários demônios.
“- Temos de ser rápidos” –
disse um dos paladinos – “nós seguraremos eles o máximo possível, vocês evacuem
as casas e os levem para longe. Que Lin-wu nos acompanhe”. Eles param sua
corrida e formam uma barreira em frente aos demônios que, por surpresa ou
prazer, igualmente param e preparam-se para lutar.
“- Não podemos fazer nada,
muitos ainda dependem de nós. Vamos”, grito.
Vamos alertando todos por onde
vamos passando. Temos de tirar todos daqui o mais rápido possível. Uma turba
forma-se, atrás de nós, correndo desesperada. Não se via esperança em seus
olhos. Os fazemos correr até o limite de suas forças. Esta é sua única
esperança. Mas queremos acreditar que Lin-wu não esquecerá de nós deixando-nos
à mercê de um inimigo tão poderoso.
E ele nos mostrou sua
intervenção.
Após uma esquina encontramos
mais alguns paladinos. Eles escoltam nossa última fagulha de esperança. O
imperador-dragão Tekametsu. Sua magnânima imagem sempre me trouxe uma aura de
tranqüilidade e paz. Como se o próprio Deus falasse por seus lábios. E isso
acontece também com todos os seus súditos.
A população que fugia
desesperada, ao vê-lo, joga-se a seus pés suplicando por auxílio e proteção.
Mesmo não sendo comum o contato do imperador com seus súditos este era um
momento ímpar. Nossos costumes nunca colocam o imperador e a população comum
frente-a-frente. Mas ele nunca deixaria seus súditos desamparados.
“- Vidas demais já pereceram
hoje. Mas ainda tenho forças para tentar manter aceso o espírito de nossos
ancestrais”, diz o imperador com tranqüilidade, “nunca deixemos de acreditar e
orar a Lin-wu. Os espíritos de nossos ancestrais sempre nos acompanharão”.
Mas palavras, muitas vezes,
perdem a força frente às imagens. O inevitável acontece. Juntamente com as
primeiras gotas corrosivas, que continuam a avançar desde o ponto central da
tormenta, surge um grande número de seres demoníacos. Eles avançam com a
ferocidade de um animal raivoso. E nós somos o alvo.
O imperador começa a se
encaminhar, lentamente, na direção do inimigo, dizendo à população que ameaça
entrar em desespero - “- Rápido, entrem nas casas e não saiam em hipótese
nenhuma. Confiem em mim e não duvidem dos desígnios de Lin-wu”.
Todos correm automaticamente
para as casas mais próximas fechando portas e janelas. Escondem-se como podem e
oram.
Sempre aprendi, em meus
estudos, que devemos reconhecer o perigo como as feras reconhecem. Talvez por
isso os demônios tenham hesitado por um breve instante frente à figura
imponente de nosso imperador. Tempo suficiente para a fagulha de esperança
tornar-se um feixe de luz.
Tekametsu para ao lado dos
paladinos que restaram. “- Está quase acabado. Descansaremos em breve. Ao lado
de você terei a honra de ingressar em Sora. Só peço mais alguns instantes.
Impeçam-nos de chegar perto de mim por alguns instantes e teremos realizado o
que foi escrito”.
A chuva maldita nos alcança
novamente. A dor de cada gota, tocando minha pele, faz-me sentir queimando
vivo. Mas ainda não está acabado.
O imperado para com os olhos
fechados. A chuva o atinge, mas ele permanece inerte como se nada estivesse
acontecendo. Ele eleva as mãos até a altura do peito e começa a movê-las
desenhando símbolos no ar. Elas vão deixando um rastro luminoso. Todo o ar ao
nosso redor começa a agitar-se, numa crescente que vai tomando as ruas.
Mas o breve instante de trégua
termina e as criaturas avançam agora mais rapidamente do que antes como que
prevendo algo de deveriam deter.
“- Pela última batalha. Por uma
morte honrada. Por Lin-wu”, grito iniciando o caminho derradeiro. Sou
acompanhado por todos. Todos sabemos o que devemos fazer. Todos sabemos qual
será o nosso fim.
Atrás de mim percebo apenas uma
luz crescendo em intensidade até quase ofuscar o sol da manhã. O ar gira tanto
que até a chuva vermelha é deslocada para longe de nós. Os relâmpagos que ainda
insistem em soar ficam com seu retumbar abafados.
Então tudo para.
A chuva volta a cair
normalmente com o fim do turbilhão de ar. O relâmpago volta a soar.
Dou uma última olhada para trás
à tempo de ver as vestes de Tekametsu caindo ao chão. Atrás dele tudo sumiu.
Todas as ruas por onde tanto andei, quando criança, desapareceram. Ele estava
certo afinal. Nunca podemos duvidar da força de nosso Deus.
Corro mais aliviado para a
batalha. A paz toma conta de mim. Só um pensamento em minha mente – “minha irmã
estava naquelas ruas”.
João Eugênio Brasil
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