PARTE 10
ANTONYWILLIANS, O INIMIGO DA NAÇÃO
ANTONYWILLIANS, O INIMIGO DA NAÇÃO
Mais uma vez o sol
despontava no longínquo Leste, surgindo por detrás das montanhas vulcânicas no
horizonte. Seu manto de luz e calor corria as pradarias de relva amarelada e
cidades, erguidas aos pés das furiosas montanhas. O costumeiro clima abafado do
reino começava a se revelar pelos cantos mais frios, os nativos erguiam-se de
seus leitos para mais um dia de servidão ao império do deus dragão, acordados
ora pela rotina ora pela temperatura, elevada pela luz solar que se embrenhava
pelas cortinas das casas, majestosa e onipotente.
A capital do reino,
Ghallistryx, era tomada sua cor e zunido habitual. O comercio abria, pessoas já
andavam pelas ruas em seus afazeres cotidianos, a guarda trocava seus turnos,
saindo os fadigados e chegando os descansados.
A capital era como tantos outros
centros urbanos importantes naquele mundo, mas havia uma pequena diferença, em
nenhum outro lugar se encontraria uma capital aos pés de uma colina aonde fosse
encontrar um palácio de regente como Shindarallur, um castelo de proporções
megalomaníacas, com tantas torres erguendo-se até os céus como garras que
pareciam rasgá-lo, trespassando as nuvens, e de muralhas tão bem protegidas e
resistentes como a couraça de um deus dragão. O Palácio representava à cidade a
lembrança de Sckhar, como um lugar indestrutível, impenetrável, megalomaníaco e
que, se tivesse vida, teria poder para esmagar a cidade em instantes. Àqueles
menos sensíveis, apenas o poder da visão do grande palácio bastava para lembrar
que ali dentro residia o regente mais forte do Reinado, talvez mais forte que
todo seu exercito unido, Sckhar, o Rei dos Dragões Vermelhos e imperador
daquele reino.
O palácio estava
tumultuado. Cavaleiros e guardas corriam de um lado para o outro, os empregados
se perguntavam o que haveria ocorrido, e temiam saber a resposta. Tudo
acontecia sem o dragão-rei desconfiar. Este se encontrava em meio aos
corredores, em sua forma de elfo ruivo, abraçado a uma concubina, só não
totalmente nua por vestir uma tanga. Era uma beldade, uma meio-elfa de beleza
respeitosa, com longos cabelos verdes e sarninhas sedutoras no rosto. O Regente
sorria, naquela manha estava cheio de alegria. Sentia um entusiasmo em lembrar
que receberia uma noticia gloriosa.
As portas de lava rubi da
câmara do trono foram abertas por dois soldados quando o regente se aproximou,
foi então que sentiu algo estranho no olhar de um deles. Sckhar não entendeu de
imediato, mas sabia que era um mau sinal.
- IDIOTA! – bradou
apontando a mão para o soldado após este abrir a porta, e em seguida seu olho
foi atingido, sob o elmo, por um raio vermelho que explodiu imbuindo-se em
chamas – Não me traga mal agouros com seu olhar! – disse indiferente voltando a
sorrir e abraçar a meio-elfa assustada.
- Sim, magnânimo! –
grunhiu o soldado atingido levantando-se com voz chorosa pela dor, mas
segurando sua fraqueza, pois podia irritar o monarca com ela, e então seria
pior – Não irá se repetir, senhor!
Sckhar ignorou-o
completamente e seguiu pela câmara até seu trono de lava-rubi esculpida na
forma de dragões. A meio-elfa sorriu sedutora para ele e subiu em seu colo
enquanto o rei tirava sua tanga deixando-a completamente nua. Os soldados que
presenciaram a cena seguraram seus impulsos antes que Sckhar reparasse, e
sabiam que eram raras as vezes que Sckhar sorria por felicidade, e, como já
presumiam, logo não iria mais estar rindo.
Um bufão vestido com
trajes coloridos de palhaço e gorro com guizos começou a fazer algumas
palhaçadas e malabarismos. Sckhar olhou para ele entediado enquanto excitava a
meio-elfa com o dedo entre suas pernas, arrancando gemidos que desconcertavam
os soldados. Em seguida uma empregada ofereceu uma bandeja com uvas. Tendo uma
idéia, Sckhar sorriu maléfico (daquela forma de derrubar de pavor até gigante).
Pegou a uva e tacou no rosto do bufão que parou as palhaçadas com o susto, em
seguida Sckhar ergueu a mão e fez um movimento de açoite, no exato momento em
que surgiu um chicote de chamas em suas mãos que atingiu as pernas do bobo
cortando-as como espadas.
- IDIOTA! HAHAHAH! Pegue
a uva e traga-a para mim! AGORA! – e começou a açoitar as costas do bufão sem
perna que se arrastava aos prantos para pegar a uva que havia sido arremessada
longe dele – MAIS RÁPIDO, IDIOTA! – Açoitando sem parar e gargalhando.
Após muito esforço e com
as costas destroçadas, conseguiu pegar a uva com a boca, começou a voltar ao
rei, mas este apenas sorriu para ele, e transformou o chicote em uma lança
flamejante que lançou no bobo, empalando-o e depois o incinerando com as chamas
da arma mágica que entrou em combustão.
- HAHAHAHAHAH! Limpem
essa sujeira e ressuscitem-no! Este bobo é divertido! – disse beijando a
meio-elfa, revestindo a tanga enquanto sussurrava a seu ouvido mordendo-o de
leve – Depois continuamos para festejar a noticia de hoje! – Beijou-a
ardentemente e em seguida empurrou-a para o chão como se empurra um cãozinho em
seu colo. Ergueu a voz que ecoou poderosa pelo saguão real – Que venham as
noticias de hoje!
Um guarda foi até o
tapete vermelho, fez uma mesura e seguiu até próximo do trono abrindo um
pergaminho.
- Os guardas Rurigan e
Adas faleceram em batalha com rebeldes na cidade de Forlárinn!
- IDIOTAS! Deixem-nos
mortos e arranquem a perna esquerda da mãe deles, para que a família aprenda a
criar soldados dignos, estou farto de inúteis!
O mensageiro engoliu em
seco, anotou e continuou.
- Um grupo rebelde recém
formado foi capturado, a base deles foi queimada e apenas um soldado faleceu,
ao exterminar o líder deles!
- Quero os rebeldes para
o Sckharal! – sorriu maleficamente.
- Não estão com mais
vida, sem permissão os nossos subordinados torturaram-nos e destruíram os
corpos!
Os olhos de Sckhar
brilharam, em reflexo o mensageiro escondeu o próprio rosto com os braços.
Alarme falso.
- Promovam esses
corajosos guerreiros! Coloque-os no lugar daqueles que hesitaram em ordenar a
tortura desses rebeldes! Os defensores da justiça de Sckharshanttallas devem
ser nada menos que extensões de meu poder, e quem ousa ir de contra minhas leis
em meus domínios deve morrer massacrado e em agonia!
As palavras foram
anotadas pelo mensageiro que já esperava algo assim. Quando abriu o outro
pergaminho encontrou uma mensagem que o fez fazer uma careta de pavor, Sckhar
percebeu.
- O que foi agora,
imprestável? – Perguntou Sckhar com indiferença bebendo um cálice de vinho
tinto.
- Errr… Magnânimo… Parece
que chegou um Wyvern da tropa enviada para o extermínio do dragão criminoso
denominado Antonywillians, o Espadachim da Língua Chamuscante, que há alguns
dias liderou o rapto da princesa de Logus!
Sckhar encheu-se de
pompa, seu sorriso aumentou (algo assustador de ver quando se trata de Sckhar
feliz) e sua pele começou a exalar um odor de enxofre infernal pela grande
excitação. Era a noticia que tanto aguardara.
- Quais são os relatórios
da tropa? – indagou ansioso.
- Não tem! – o mensageiro
sentiu o peso de suas palavras.
Sckhar sorriu
surpreendendo-o.
- Como não tem? IDIOTA!
- Apenas veio um Wyvern,
sem cavaleiro e estava ferido! – sentiu a morte a cada instante mais perto –
Usamos magias nele e descobrimos o seguinte: Antonywillians é realmente um
dragão vermelho bem resistente e com poderes mágicos aflorados! Ele está
acompanhado de um dragão vermelho jovem, um goblin e um halfling! Juntos
atacaram a Fortaleza, derrotaram todos, libertaram Risisttlaxy, a dragoa, e
unidos a ela abateram todo o esquadrão de cavaleiros aéreos Wyvern enviado para
a liquidação!
Sckhar soltou
imediatamente um brado, os soldados quase caíram no chão de pavor, o mensageiro
chegou a se atrapalhar e deixar os pergaminhos das noticias caírem no chão, a
esposa soltou um gritinho sem querer. Mas dessa vez Sckhar não estava furioso,
mas sim com um sorriso triunfante.
Há algum tempo, não
muito, um evento importantíssimo ocorrera naquele reino. O mais poderoso herói
que já pisara neste mundo, o lendário e atual falecido Paladino de Arton,
guerreiro sagrado abençoado pelo poder infinito dos vinte deuses e portador da
espada sagrada Holy Avenger, a destruidora de divindades maiores, desafiou
Sckhar e o Rei Dragão perdera a luta de forma humilhante. A noticia se espalhou
rapidamente pelo reino, e a cada pessoa que contava a humilhação de Sckhar era
pior. Furioso, iniciou uma repressão massacrando dolorosamente todo aquele que
comentasse o caso. Havia rumores (os que mais enfureciam o Tirano) de que o
Paladino havia exterminado a própria Rainha dos Dragões Brancos, Beluhga, na
sua frente. Fato confirmado pelo repentino degelo nas Montanhas Uivantes
próximo ao centro do Reinado, um fato inédito na história artoniana. Mas agora
o Rei Dragão iria pôr fim a tudo isso… Com provas de um novo grande perigo ao
reino de Sckharshanttallas, bastava deixar a noticia correr e proclamá-lo uma
calamidade, em seguida enviar toda uma tropa de forças especiais, prende-lo e
executá-lo durante o dia do Sckharal, o feriado em que são queimados na
fogueira os piores criminosos do reino. Este tal dragão espadachim seria o alvo,
o álibe para o fim da humilhação do regente. Foi então que Sckhar reparou em
uma coisa e seu sorriso logo sumiu.
- Repita o relatório!
- Sim, Magnânimo! Usamos
magias nele e descobrimos o seguinte: Antonywillians é realmente um dragão
vermelho, com poderes mágicos...
- NÃO, IDIOTA! SÓ A
ÚLTIMA PARTE! – os olhos de Sckhar literalmente liberaram faíscas.
- Sim, magnífico monarca!
– o mensageiro engoliu em seco, sabia que estava a um passo da morte - Ele está
acompanhado de…
- IDIOTA! EU QUERO O
FINAL!!!!!!! – irado, Sckhar, na forma élfica, sugou o ar e soprou uma labareda
poderosa de chamas em direção ao mensageiro. O sopro de fogo passou próximo da
sua cabeça, mas foi suficientemente quente para derreter o elmo no rosto dele.
O mensageiro urrava de dor enquanto sua pele chiava fundindo-se ao elmo. Sckhar
segurou o braço da esposa meio-elfa, parcialmente desnuda e jogou-a com tal
força no chão que por pouco não quebrou-lhe o braço, então ordenou a ela –
LEIA!!!!
Ela tremeu de medo, tanto
que chegou a perder o controle e urinar em si mesma. Quando Sckhar ameaçou
levantar-se (sinal de que algo muito ruim estava para acontecer), ela segurou o
choro e se levantou apressada para ler aos prantos.
- S-sim, meu senhor! –
ela balbuciou - Juntos atacaram a Fortaleza, derrotaram todos, libertaram
Risisttlaxy, a dragoa, e unidos a ela abateram todo o esquadrão de cavaleiros
aéreos Wyvern enviado para a liquidação!
- Quantos eram no
esquadrão? – rugiu Sckhar, segurando a raiva e com voz baixa.
Desesperada ela procurou
alguma anotação, algum numero, mas submersa no pavor nada encontrou. Começou a
suar, sentiu o olhar de Sckhar esquentar sobre ela. E quando ele falou, ela
desabou no chão em prantos de tão nervosa.
-QUANTOS ERAM???? SUA
MALDITA IDIOTA!!!! – Sckhar indagou se levantando enquanto chamas rodeavam-no
cercando como uma barreira de fogo.
- Cinco, magnífico! – um
guarda intrometeu-se tentando evitar que o tirano matasse a jovem meio-elfa que
estava em uma situação de dar dó – Contando com o líder do esquadrão!
Sckhar sorriu sumindo
toda sua fúria em instantes, então se sentou. O mensageiro ainda urrava de dor.
Sckhar irritou-se com ele, e soprou chamas de novo, mas dessa vez pegou seu
corpo em cheio, sobrando nem o aço derretido da armadura ou mesmo o chão sob
onde estava o guarda.
- Pronto! Agora sim terei
paz! – apontou para dois guardas – Levem essa piranha para o harém e tragam-me
uma mais bela, cansei desta! – assim que os dois a ajudaram, levaram-na cheios
de pena da situação da jovem. Apontou para um – Se aproxime! Você levará minhas
ordens aos seus superiores!
O
guarda aproximou-se receoso e ajoelhou. Sckhar estava com as íris dos olhos em
forma vertical, como um réptil, e delas saíam chamas de preocupação. Sentia que
a liberdade de Risisttlaxy tinha algo a mais além do fato de ter humilhado o
Tirano “seqüestrando” uma de suas esposas, aquele era o covil do pergaminho do
Suplicio Draconiano, sabia que não podia deixar por menos. “Hah! Parece que
este Antonywillians fará jus a se tornar inimigo da nação!”, pensou o deus
dragão, “Servirá de exemplo para esses rebeldes que ousam me desafiar!”.
- Eu proclamo
Antonywillians, O Espadachim da Língua Flamejante, principal inimigo da nação
de Sckharshanttallas! Ordeno que todas as tropas cacem este dragão em cada
canto deste reino, ele não deve escapar! Todo o reino deve estar avisado em 48
horas! Acionem os magos mensageiros, contratem 50 bardos que serão espalhados
pelo reino e produzam para amanha um cartaz de procurado para Antonywillians! A
cabeça dele está a prêmio por 300 mil tibares, entregue vivo e imobilizado!
Risisttlaxy estará com a cabeça a prêmio por apenas 50.000 tibares! – os olhos
de Sckhar explodiam como se estivesse vendo o espadachim sendo massacrado e
caçado como um animal – E enviem um dos melhores Garras de Sckharshantallas da
Facção dos Dragões Vermelhos junto a um reforço da cavalaria aérea real Wyvern
com mais de dez integrantes!
- Sim, magnífico! E para onde
enviaríamos?
- CALE-SE, IDIOTA! –
Sckhar rugiu – Deixe-me terminar! Envie-os a Thenarallann, uma intuição minha
diz que os rebeldes vão se meter na toca antes de agir! – o tirano sorriu – E
não ousem falhar! IDIOTAS! Antonywillians somente perecerá durante o Sckharal!
- Sim, grande monarca! –
consentindo, o guarda levantou-se, fez uma mesura e partiu porta afora para
levar a mensagem a seus superiores.
Sckhar sorriu
maquiavélico, logo voltaria a sua glória anterior. Ergue-se do trono no exato
momento que duas belas esposas chegaram correndo para abraçá-lo. Feliz, Sckhar
se dirigiu até a sacada principal daquele andar, de onde ficou a observar
Ghallistryx logo abaixo. Sua presença na sacada com suas duas esposas o
apalpando era magnífica, as pessoas na cidade abaixo logo paravam para olhá-lo
e saudá-lo com vivas, Sckhar olhava triunfante para seus súditos, para sua
cidade, suas montanhas ao longe, seu território. Até o sol de Azgher, que antes
se erguia como um rei brilhante, agora parecia saudar Sckhar e diminuir seu
brilho ante ao rei dragão. Nada, nem os astros podiam ser mais majestosos que
ele em seu território, e Sckhar ria disso.
Enquanto isso, muito
longe dali, ao extremo leste do reino, uma personalidade estava rumando para
entrar na nossa história. Desse lado há a divisa com uma grande cordilheira que
se estende por muitos quilômetros além do reino. Das pradarias, se podia ver no
horizonte a sua coloração avermelhada, com aparência geográfica assustadora formada
por montanhas semelhantes a grandes presas, com rugidos que vinham ecoando
desde longe providos por bestas que lá habitam, ou mesmo por ser conhecida como
o maior reduto de monstros em toda Arton. Seu nome faz jus a sua aparência: as Montanhas
Sanguinárias.
Apesar da presença do Rei
Dragão, ultimamente tem ocorrido uma grande quantidade de invasões de bestas
que atravessam a fronteira a fim de atacar cidades e vilarejos próximos. Para
impedir catástrofes, foram erigidos vários fortes em diversas regiões do limite
que são ocupados por uma facção especial do exército, conhecidos como os Garras
de Sckhar, especializados na captura e exterminação de monstros variados. Contudo,
quando o assunto são dragões que invadam as terras vulcânicas do reino, recorrem
a ajuda de uma força especial desvinculada do Estado Tirânico, os Lanças de
Sckharshantallas, uma ordem de caçadores de dragões financiados pela corte do
reino. Infelizmente, mesmo com tamanha proteção ainda é muito comum o avanço de
criaturas sobre os lugares mais próximos, como um caso recente que envolvia
derrotar uma revoada de bárbaros que cavalgam Wyverns que haviam tomado uma
cidade muralhada como um ninho para si. Ao longe, em meio a planície rochosa já
era possível ver as chamas que consumiam as estruturas do lugar. As labaredas
devoravam as casas e lambiam as ameias da muralha, e como se não bastasse, era
possível ver dois seres brigando… o chefe da revoada e uma figura que emanava
fogo e explosões poderosas. Os cavalos pareciam relutantes de avançar.
- Hunf! Isso só pode ser
um sinal de que finalmente o encontramos! – Bazhill, um Garra veterano bradou a
seus companheiros enquanto sacudia mais uma vez as rédeas para assumir o
controle da montaria.
- Sim, capitão! Agradeço
a escolta… - sussurrou o mago envolto em um manto de veludo púrpura com
detalhes em fios de rubi com o capuz cobrindo seu rosto, deixando a mostra
apenas a boca e a barba de um dourado intenso.
O homem velho desmontou
de imediato ajeitando a borda das vestes que prendiam nas pedras do chão. Os
outros Garras chegaram após uma varredura na área. Nada havia sido encontrado,
além do alvo que lutava contra o líder dos wyverns, que já estava bem fatigado.
Bazhill, um homem de pele escura pelo sol, cicatrizes profundas causadas pelas
unhas animalescas de suas presas e porte musculoso de um ogro repetiu a ação do
mago e desembainhou a enorme lança de lava-rubi que levava nas costas.
- Melhor aguardar o fim
do combate, não é seguro se aproximar, senhor!
- Tens medo de um lagarto
com asas, capitão!? – o mago desdenhou cruzando os braços dentro das enormes
mangas de seu manto, que pendiam – Acho que devo me lembrar disso quando fizer
meu relatório! Hah!
Bhazhill calou-se suando
frio, mas apertou a haste da lança como se fosse o pescoço do mago. Sabia que não
podia retrucar, afinal o homem era uma autoridade maior, membro dos Magos Dracônicos,
como revelava o emblema em forma de uma cabeça de dragão bordada a suas costas
em fios de metal raro. Eles eram nada menos que uma das muitas linhas de defesa
do reino, mestres arcanos especialistas em magias capazes de capturar e derrotar
os lagartos alados, ou mesmo se transformar neles… Um cargo arcano na corte
abaixo apenas dos membros da Ordem da Estrela Vermelha, mas isso fica para
outra hora!
- Comandante Ghallard, o
que prefere? – o mago indagou de costas aguardando uma posição daquele que
realmente comandava aquela expedição.
- Não há o que temer! Nos
aproximemos logo, não gosto dessas montarias terrestres desconfortáveis. Pretendo
voltar ao meu Malkuth o quanto antes… - respondeu Ghallard Escama Negra,
comandante prodígio da facção dos Escamas negras da Real Cavalaria Aérea.
O fogo devorava tudo sem
medidas. Fosse mármore, terra, palha, madeira ou carne, nada restava no caminho
de destruição que ficava enquanto as labaredas lambiam esfomeadas cada canto da
cidade condenada, estalando e ardendo. Os corpos dos bárbaros já não eram mais
que figuras inertes escurecidas caídas próximas às suas montarias abatidas, que
ainda teimavam em não querer queimar graças a suas escamas resistentes ao calor
intenso. Apenas um deles ainda se mantinha em vôo resistindo… ainda…
O maldito não aparecia.
Desde a última explosão que ele conjurara, tinha sumido em pleno ar, o líder da
tribo que já estava encharcado de suor e queimado em todo flanco esquerdo do
rosto, sabia que a vitória era impossível contra aquele bruxo das terras
civilizadas, e tentar retornar era praticamente impossível, sempre sendo
barrado por uma cortina de fogo que o ser conjurava como que brincando com ele.
Então veio a gargalhada fina que parecia ser a risada das próprias chamas. O líder
bradou em sua língua nativa para que o covarde aparecesse, e assim ocorreu.
Com zunido alto, dezenas
do que pareciam setas de lava rubi inflamáveis dispararam da praça abaixo,
algumas o acertara nos lados rasgando e queimando sua pele, e outras batiam
contra sua montaria protegida por uma resistente carapaça que praticamente fez
o ataque apenas incomodá-la. Levitando em frente a uma fonte de mármore
derretido estava ele, um jovem ruivo de olhar desafiador e sorriso insano,
usando uma calça como dos povos do deserto e trazendo o torso atlético nu onde
em suas costas uma marca de nascença exótica, no formato de uma garra em chamas
reluzia magicamente diante das labaredas. Ele sem dúvidas não podia ser humano,
não só por seus traços mais desenhados e perfeitos como por seus poderes natos
de feiticeiro com uma força incontrolável que lhe corria pelo sangue, ele era o
que chamamos de Qareen, o meio-gênio. Apesar do termo, nem todos são
descendentes de gênios, por vezes são frutos de um sangue arcano intenso da
linhagem de fadas, dragões e outras criaturas mágicas. O olhar arrogante, a
comunhão com as chamas, a bravura destemida, as presas maiores e a forma que
suas mãos ficavam similares a garras deixavam claro sua genealogia dracônica… Afinal,
ele era nada menos que Aleph Big Blast Boom, neto de Sckhar!
O jovem feiticeiro era um
dos grandes matadores de dragões em todo o reino. Não era um militar
necessariamente, não tinha nenhuma patronagem, trabalhava sozinho e obedecia
apenas a seu próprio ímpeto, tendo se tornado um Lança de Sckharshantallas honorariamente
após ter eliminado sozinho nas Sanguinárias dois dragões vermelhos jovens. Alguns
consideravam isso uma lenda e teria chegado a tal posto apenas por corrupção
dos alto escalões para agradar a corte com outro descendente de Sckhar em suas
fileiras, mas estavam enganados… O jovem tinha realmente um poder enorme,
graças a sua capa mágica.
O Wyvern enfurecido
investiu contra a presa sob o brado bárbaro de fúria de seu condutor, as garras
poderosas abriram prontas para se enterrarem na carne mágica do alvo.
-
HYYYAAAAAAAAAAARRRRRHHHHH!!!!!!
O alvo apenas cruzou os
braços zombeteiro enquanto sua capa rubra simplesmente pegou fogo e criou vida,
se moldando a sua frente como um enorme escudo de lava-rubi coberto por um turbilhão
flamejante que bloqueou e queimou o oponente, envolvendo-o em uma grande mão
ardente que o segurou e lançou contra uma casa em destroços para finalizar
disparando mais uma saraivada de setas vermelhas flamejantes que perfuraram e
queimaram o bárbaro. O calor escaldante que já derretera monumentos, a fonte e
mesmo o pavimento, enfraquecera o líder que caíra de sua montaria atordoado. O
Wyvern guinchou de dentro dos escombros que tremiam ameaçadores.
- BIG...
A capa de fogo se dividiu
em diversas fivelas de tecido mágico brilhante e começou a girar, enquanto
Aleph se erguia em meio ao ar com as duas mãos abertas com as palmas
direcionadas ao último bárbaro e sua criatura.
- BLAST...
Incrivelmente as chamas
de toda a cidade pareceram responder e foram simplesmente sugadas em direção a
capa de fivelas que giravam, como uma grande hélice que absorvia todas as
chamas do lugar. Uma luz começou a surgir nas mãos do Qareen. Seus olhos
estavam vidrados em uma doentia obsessão piromaníaca.
- BOOM!!!
Em poucos segundos a
cidade se apagara, todo o fogo fora consumido pela capa mágica que agora era
uma imensa turbina ardente enquanto em suas mãos um enorme globo de fogo se
formara, e com a última palavra, disparou em uma velocidade incrível entrando
na casa e explodindo.
BOOOOOOOOOMMM!!!!!!!!
Destroços, cascalhos,
telhas e tudo que havia no rastro de algumas dezenas de metros simplesmente foi
varrido em um impacto flamejante sendo reduzido a cinzas arremessada em todas
as direções. O próprio Aleph não calculara seu poder e fora jogado contra o
muro arruinado que protegia a entrada de um campanário que ruiu de vez
desabando sobre o templo logo ao lado e sobre o jovem imprudente.
Por instantes mais nada
era escutado além do crepitar das chamas que restaram apenas nas casas
incendiadas pela explosão, e pelo eventual desmoronamento de algum lugar da
pequena cidadela. Aos poucos o som de passos metálicos começaram a ecoar pelas
cinzas do que antes fora uma rua de comércio vívido. Capitão Bashill seguia a
frente da comitiva com sua lança de lava-rubi preparada, observando a destruição
com olhar de desaprovação. De repente, como que sem aviso dos destroços das ruínas
em fogo saltou o Wyvern com as escamas ainda chiando pelo fogo mágico que lhe
devorava e com metade do corpo derretido, a besta ferida investiu sobre o grupo.
Em questão de segundos a lança de lava-rubi trespassava seu pescoço e crânio
com um movimento ágil e hábil próprio de um Garra de Sckhar como Bashill. O ser
despencou ao chão inerte e sangrando.
- Esses vermes alados serão
uma boa janta para as tropas! – disse cuspindo na carcaça.
Outros dois soldados Garras
já puxavam os escombros do campanário, com a ajuda mágica de uma poção de força
fornecida pelo Mago Dracônico que as trazia presas ao cinturão alquímico. Após
algum tempo viram a cúpula rubra transparente de lava-rubi protegendo o Qareen que
se levantava zonzo. Assim que o último destroço sobre ele foi removido, a lava
rubi que o protegia começou a se tornar flexível, a transparência assumiu um
vermelho carmesim, e pedra virou tecido em instantes, na forma de uma bela capa
rubra. Batendo na roupa, Aleph se ergueu e saiu dos escombros em um salto com
um pouco de levitação para ajudar, enquanto estalava os dedos fazendo a
tatuagem em suas costas brilhar e imbuir seu dorso em chamas que se dissiparam
deixando um colete de tecido fino e escuro o cobrindo.
- Fala aí, Capitão!
Problema resolvido! – disse sorrindo antes de dar um assovio como que tentando
chamar algo.
- Senhor Aleph, quando
convocamos vocês Lanças para essa missão não pretendíamos a devastação do resto
da cidade! O fogo que você espalhou torrou todos os registros de fronteira que
este local possuía, e espero que ninguém tivesse sido capturado vivo pelos bárbaros,
pois nem as cinzas acho que acharemos! – Bashill falou quase como um rugido.
- Foi necessário! – Aleph
respondeu indisplicente voltando a assoviar, sem ter resposta do que esperava.
O capitão parecia que já
iria responder, tendo sua cor morena tomada por um rubro tão intenso quanto do
Lava-Rubi, mas quando a mão do mago lhe encostou o ombro, se acalmou e retirou
dali. O Qareen pareceu sequer perceber o mago dracônico, pois olhava para o
lado contrário ao grupo emitindo assovios, até que se surpreendeu com o homem
que vinha atrás. Trajado em uma armadura de metal ébano, mais negro que ônix,
bem delineado com seu corpo e com uma espécie de máscara de pilotagem de mesmo
material dando um aspecto de dragão pelo estilo de escamas que o traje possuía –
e realmente era, de dragão negro no caso – se aproximou um homem de cabelos
ruivos e porte magnífico que alguns confundiam com um meio-dragão, mas que
nunca chegara perto de ser isso, tendo linhagem trazida de uma tribo bárbara
humana nativa do reino há gerações antes de Sckhar vir sobrevoar ali para
tornar seu reino. Lorde Ghallard fez uma breve reverência contida, seguido de
outros quatro Reais Cavaleiros Aéreos Wyverns de armadura escura, que lhe
escoltavam.
- Um prazer conhece-lo, senhor
Aleph, neto de nosso magnânimo deus! - a
voz de Ghallard era rouca, porém bela, com um sotaque próprio dos que viviam no
ducado ao sul do reino onde se concentravam as cidades formadas pela unificação
das tribos bárbaras – Sou Lorde Ghallard, comandante das tropas dos Escamas
Negras. Venho sob ordens para convoca-lo a lutar ao meu lado!
- Hmm!? Já até havia
ouvido falar de tu, zé! – o termo usado por Aleph fez Bashill trincar os dentes
de nervoso, como podia tratar um oficial de alto escalão assim… - Foi o lorde da
cavalaria daquelas histórias de ter liderado as tropas que abateram o dragão
negro que fez seu lar próximo a Nivnallarax anos atrás… Nem os idiotas dos
Lanças foram capazes de acha-lo! Hah! Me lembro que naquela vez eu mesmo estava
ocupado nas Sanguinárias, onde consegui esta capa mágica!
Mais um assovio e logo
uma coisa surgiu de em meio a alguns destroços, trazendo uma tira de couro e
escamas ensanguentadas de um Wyvern. A coisa subiu pelas pernas com suas
garrinhas até alcançar o ombro de seu mestre, um dragonete de Sckharshantallas,
uma espécime rara que nada tinha haver com seus primos feéricos.
- Graaarr! Dragões escaldantes!
Nem porso cumê!? Ruurr… - disse a voz fina e chata da criatura que voltou a
mordiscar o naco de carne.
- Cala a boca, praga!
Temos visitas – bradou Aleph irritado.
Este é Ralph, um
dragonete o jovem monstrinho era o único verdadeiro parceiro (e muito
indesejado por sinal) de Aleph. O feiticeiro teria lhe resgatado nas
Sanguinárias das garras de um homem-escorpião e assim o pequeno acabou se
tornando um companheiro de aventuras inseparável. Ralph até desenvolvera
habilidades ao lado do guerreiro, até compartilhavam algumas, mas acabou que se
tornou um encosto. A criatura sempre falava demais, era irritante, fazia piada
com tudo, adorava pregar peças e tinha o maldito costume de sempre atrapalhá-lo
de alguma forma, fosse com intenção ou não. Mas o Qareen não podia negar a
afeição com o pequeno.
O mago deu um passo a
frente observando interessado a pequena criatura, mas não se ateve a isso, logo
voltando os olhos para os dourados do Lança impetuoso que finalmente o percebeu
e pareceu hesitar diante da figura encapuzada de barbas louras.
- V-você é um dos Magos
Dracônicos correto? Se for assim a coisa deve ser séria mesmo… A que devo sua
presença velho?
- Adirvirnha… - disse
Ralph com ironia entrando nos trajes do dono e colocando a cabeça de réptil
para fora de seu colarinho.
O mago estendeu a mão lhe
entregando um pergaminho enrolado.
- A Ordem dos Lança de
Sckharshantallas foi acionada e sob o nome de Sckhar, nosso magnífico monarca. Você
deve seguir para Thenarallann e exterminar um certo elfo! Ele é um dragão
adulto que se rebela contra o reino e está acompanhado de mais dois dragões
vermelhos!
- Baratas escaldantes!!! –
guinchou o dragonete com os olhos reptilianos arregalados – Os reberdes têrm
dragões?
Aleph abriu o rolo do
pergaminho e viu o cartaz de procurado.
- Antonywillians, O
Espadachim da Língua Chamuscante… Me parece divertido! – o Lança sorriu – Está
com a cabeça a prêmio por 300 mil tibares! Uma boa grana! Acho que daria para
me aposentar!
- Hurhurhur! Vamos cortar
a língua chamuscante dele então! – o dragonete riu saindo de seus trajes.
- Eu irei voltar até o
Forte Curanthor… - declarou o Lorde Ghallard voltando a montar seu cavalo – De lá
partirei o mais rápido possível em meu Wyvern… O mago irá guia-lo magicamente
até a cidadela! Nos encontramos lá!
- Entendido, chefe! Vamos
para Thenarallann! – o Qareen devolveu o pergaminho e passou um braço sobre o
pescoço do mago de maneira irreverente – Irei com o velho de boa!
- Olha o palavreado! –
bradou Bashill furioso com a forma que Aleph tratava as autoridades.
Os olhos do Qareen
brilharam em um vermelho intenso, assim como sua tatuagem e mãos. Cerrando os
dentes era possível ver faíscas saltarem de seus dedos, mas o toque enrugado do
mago em seu braço o despertou de sua raiva.
- Acalme-se, senhor
Aleph! Guarde seu poder para o verdadeiro objetivo! – o sorriso fingido sob a
barba do mago transparecia problema, então o Qareen cessou e infantilmente
mostrou a língua pro capitão dos Garras que só faltou soltar vapor pelos poros
de raiva.
- Sem problemas, mago! Vamos
embora logo daqui! – Aleph deu uma última olhada na bagunça que fizera na
cidade – Não quero mais confusão! Odeio matar seres sem escamas!
- Muito confortável esse seu comentário escaldante! –
Ralph retrucou deitado no ombro dele. _____________ CONTINUA APÓS COMENTÁRIOS ________________ |
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