Criação
de personagens
-
Alguns devaneios -
O
elemento central de um RPG é, mais ainda que sua mecânica e seu cenário, o
personagem em si. Ele é a representação direta do jogador que o controla. Ele
que viverá as aventuras para nós as vivenciarmos.
Quando
resolvemos participar de uma seção de RPG, principalmente no início de nossa
vida nesse hobby, estamos procurando sentir na pele as emoções das aventuras
por terras maravilhosas e cheias de fantasia e mistério ou então nos
transformarmos em nosso personagem favorito e enfrentar perigos inimagináveis.
Quase
todos nós quando ingressamos no RPG temos a normal tendência de tentar criar
personagens perfeitos, ases do combate, com inteligência superior e capazes de
proezas atléticas dignas de um campeão olímpico. Isso é totalmente normal. Nós
enchíamos nosso personagem de vantagens e perícias transformando-o numa mescla
de Sherlock Holmes, Conan e Homem-Aranha. Criávamos uma criatura fenomenalmente
hábil e forte, capaz de superar quaisquer dificuldades.
Em
GURPS, por exemplo, tínhamos uma situação muito peculiar. Para quem conhece o
sistema sabe que, em última análise, para cada coisa positiva que colocávamos
em nosso personagem, tínhamos que colocar algo negativo para equilibrar a
pontuação. Assim acabávamos criando personagens cheios de vantagens que eram
quase impossíveis de jogar, pois também estavam repletos de desvantagens. Era
hilário. Muitas vezes eu acabava com um personagem zarolho, gago, com baixa
resistência a dor e de mau humor para poder ter as vantagens que desejava.
Naturalmente
procuramos um personagem que represente nossos anseios e nossas expectativas
fantasiosas. Queremos ser o herói, aquele que salva a princesa na torre mais
alta. Queremos ser o matador do dragão que aterroriza a vila e libertar o povo
das dificuldades. Queremos vingar a morte do rei ou mesmo ser o ladrão que
rouba para os pobres. Queremos ser aquele que faz a diferença. E o RPG nos
proporciona um modo de sermos tudo isso. Mas ele não é só isso.
De
forma equivocada temos a impressão de que para sermos um ‘herói’ temos que ter
um personagem perfeito, sem máculas, sem nada que denigra sua personalidade ou
imagem. Isso é só um equívoco. Da mesma forma nos equivocamos ao achar que para
nos divertimos temos que ser um herói em toda a acepção do termo. São equívocos
comuns. Outro equívoco comum é o medo que temos de nosso personagem morrer,
como se isso fosse uma heresia ou algo que impossível de ser imaginado ou
vivenciado em uma mesa de RPG e para isso ‘turbinamos’ nosso personagem,
deixando à beira da imortalidade.
A
bem da verdade nada isso são erros. São apenas impressões que normalmente os
novatos têm do RPG. A prática do RPG é uma forma de vivenciarmos uma outra
realidade. É uma forma de termos experiências que seriam, em sua grande
maioria, impossíveis.
Mas
o que nos escapa nesse início é que para termos essas emoções e sermos heróis,
ou melhor, para aproveitarmos a prática do RPG, não precisamos ser invencíveis.
Nem ao menos precisamos ser cheios de qualidades. Se formos analisar à fundo,
muitos dos heróis que conhecemos são falhos em muitos aspectos e quase sempre
são ‘heróis’ apesar das adversidades, quando não por muita sorte.
Criar
um herói tem de levar (ou deveria ter) o que for mais divertido para nós.
Sempre usei com meus jogadores uma noção que aprendi nos videogames. Mesmo
jogos muito bons, quando nos valemos e dicas, malhas, passwords ou walktrough,
perde totalmente a graça. A noção de desafio e sua superação desaparecem por
completo. Não importa a qualidade gráfica, o número de fase e a qualidade do
enredo, tudo isso perde a graça. Da mesma forma, um jogo de videogame daqueles
quase impossíveis, que nos faz perder horas de tentativas, tem um sabor todo
especial quando superamos seus desafios.
No
RPG é exatamente igual. Qual a vantagem se tivermos um personagem que é
impossível de ser morto? Ou que nunca perde um combate? Ou mesmo que nunca caia
em uma armadilha? O jogo com esse tipo de personagem será totalmente
desinteressante, sem emoção e, mesmo que de forma inconsciente, totalmente fora
da realidade. Ora, se procuramos o RPG para nos divertir simulando experiências
como se fossem reais, qual a vantagem de o fazermos assim?
A
diversão em RPG não está na facilidade, mas sim no percalço que deve ser
superado, mostrando nosso valor. A dificuldade é o tempero que dá sabor à vivência
de nosso personagem. Claro que não estou dizendo que o nosso personagem deve
ser um ‘ser’ qualquer, sem facilidades, sem qualidades, ser uma pessoa normal.
Claro que não. Estou dizendo que ninguém é perfeito em todos os seus atributos
à ponto de ser invencível, beirando a perfeição. Estou dizendo que se esse
personagem ficar beirando a invencibilidade, logo logo você perderá o interesse
por ele, pela campanha e até mesmo pela prática do RPG.
Um
personagem bem construído é justamente aquele que possui alguma qualidade, é
óbvio, mas que consegue superar as dificuldades com força de vontade, e indo
até mesmo contra as possibilidades negativas na parada de dados. Um bom
personagem é aquele que representa uma ideia que tenhamos, um conceito, um
parâmetro e que essa ideia não seja a perfeição ou a invencibilidade.
Construa
personagens se valendo de uma noção do que ele é. As classes, existentes em
alguns sistemas representam muito bem isso com aquelas noções que já são senso
comum entre os rpgístas como um mago ser poderoso em seus sortilégios, mas
fraco em sua constituição, ou mesmo um guerreiro que é extremamente forte, mas
com agilidade reduzida. Não importa no que, sempre haverá coisas que ele não
saberá ou não conseguirá fazer.
Um
outro ponto que gosto de apresentar para o novatos é que achar saídas para as
enrascadas ou dificuldades que nosso personagem se envolve, sejam lutas ou
enigmas, tendo uma ficha de um ser não tão perfeito em mãos, é muito mais
divertido. Não existe nada comparado ao grupo de aventureiros decidindo fugir
de um mago que prepara uma bola de fogo ou você se deparar com um dragão.
Há
uma infinidade de sistemas hoje em dia, graças aos deuses. Não importa qual
deles você esteja jogando. Pense por um minuto no que você espera de seu personagem.
O
realismo está na dificuldade de se atingir o objetivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário