quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Contos da Confraria: Fortão, o gato aventureiro de Arton - Capítulo 7

Fortão, o gato aventureiro de Arton


CAPÍTULO 7

O combate era feroz. Blander movia sua espada em grandes arcos para manter uns quatro ou cinco inimigos afastados e dar tempo de Ally se recuperar. Do outro lado Fortão procurava um ponto alto para um novo salto enquanto o anão Truilli e Ehle, de constas um para o outro, desferiam golpes à exaustão.

O chão estava banhado de sangue, mas a luta não parecia que terminaria tão cedo muito embora houvesse se passado apenas alguns instantes. Na verdade os adversários não eram tão desafiadores assim, mas a quantidade e a surpresa no ataque tornou tudo mais complicado. Quando Truilli adentrou na taverna, minutos atrás, pedindo ajuda para resgatar Gustav, ninguém imaginava o que se seguiria.


Com o alerta de que seu amigo estava em perigo o grupo aprontou rapidamente seu equipamento e desceu as escadas como verdadeiros guerreiros prontos para o combate. Fortão já os aguardava na esquina quando tomaram a rua para seguir o resgate. Truilli esteve quieto por todo o percurso apenas indicando o caminho que deveriam seguir. Ele insistia que não sabia quem eram e que, na verdade, poderiam ter vindo por vários motivos.

Em sua longa vida de aventureiro, antes da aposentadoria e reclusão como armeiro em Valkaria, ele havia acumulado um bom punhado de desafetos. Qualquer um desses desafetos poderiam ter descoberto seu paradeiro e pego Gustav por engano ou vingança.

A madrugada havia apenas começado e algumas pessoas ainda circulavam enquanto o grupo passava apressadamente tentando não demonstrar que uma luta era eminente. Blander não deseja alertar o Protetorado, a não ser que fosse necessário. Com armas escondidas sob as vestes, da melhor forma possível, eles cruzavam ruas e vielas. Mas aquela era Valkaria e não se poderia dizer que essa movimentação era uma novidade por completo. No máximo as pessoas davam passagem desviando-se aqui e ali, mas igualmente sem causar grande efeito ou temor nas pessoas. Ninguém estava realmente interessado em saber o que estava acontecendo. Quando chegaram à um pouco mais de uma quadra do local Truilli parou e apontou.

“- É lá, na loja pintada de verde!” - ele apontava para uma loja com uma enorme vidraça quebrada e uma placa dizendo ‘armas de qualidade’ - “fomos atacados lá dentro enquanto tomávamos um bom vinho que comprara de um comerciante de Hongari … foi tudo muito rápido... eram muitos, só tive tempo de pular pela janela e vir chamar vocês... estou enferrujado e não teria como lutar contra todos eles.”

“- Fortão, vai lá!” - Blander indicou apontando a loja para o gato que prontamente fez o que faz de melhor – se esgueirou pela escuridão. Ele correu rente às paredes das casas e lojas até se aproximar ao local. Ele sabia que o dia não terminaria bem. Aquela sensação na orelha o houvera alertado, mas a beleza da cidade o havia distraído - “isso nunca mais vai acontecer” - ele pensou. Agora só o que restava seria resgatar o amigo e descobrir o que estava realmente acontecendo.

Fortão pulou sobre um barril à alguns metros da loja, de um ponto que tinha uma visão parcial do interior. Ele lambia sua pata como um felino normal faria enquanto espiava. Nada, nenhum movimento. Ele desceu do barril, encerrando sua encenação, e aproximou-se do buraco pela vidraça apoiando as patas da frente e olhando de forma mais atenta para dentro. Nada ainda. Ele achou muito estranho. Nenhum rastro, nenhum odor. Nada. Ele olhou para a direção do grupo e decidiu entrar.

Ser um felino lhe possibilitava uma visão quase perfeita à noite ou em ambientes escuros, embora tudo parecesse ter tons de cinza. Ele subiu pela bancada da vitrine e adentrou a escuridão. De longe seus amigos o perderam de vista e ficaram apreensivos e preparados para o pior. Lá dentro Fortão pisava suavemente sem quebrar o silêncio. Três passos e ele se lançou ao chão da loja caindo sobre uma enorme poça de sangue de um infeliz sem vida. O rosto dele estava coberto por um tecido impedindo que o felino conjecturasse quem eram os agressores. Ele se limitou a farejar as roupas do moribundo, mas não havia indicação em sua memória do que poderiam ser os odores estranhos que estavam ali.

A loja era alongada com prateleiras ao longo das duas paredes. Por todo a extensão haviam bancadas de madeira repletas de armas e instrumentos de metal que agora estavam espalhados no chão em meio à possas de sangue. Fora o corpo estirado do lado de dentro da vitrine, não havia mais ninguém ali dentro. Mas havia algo de estranho A escuridão não era natural pois os olhos do felino não conseguiam distinguir os objetos tão bem quanto sempre ocorreu. Isso era um mal sinal e sua orelha começou a comichar novamente. Fortão deu uma corrida até o fundo da loja onde havia percebido, com dificuldade, uma porta de madeira fechada. O faro apurado dele indicou que Gustav havia passado por ali ou ainda estava lá dentro. Era hora de chamar os outros.

Quando Fortão virou-se sobre as patas para retornar à rua ele percebeu que haviam duas formas escuras envoltas pela estranha penumbra. Eles quase não o haviam notado e ele mesmo não entendi como passara por eles sem os enxergar. Uma terceira figura se aproximou e o espantou como se ele fosse um simples animal passeando à esmo. Aos poucos o gato ia vendo mais e mais obscuros guerreiros mescladas à escuridão. Era uma armadilha e quase deu certo. Ele não acreditava que não os havia percebido ali. Sorte mesmo era eles não o terem visto como uma ameaça. Quando Fortão pensou em correr para alertar todos, uma figura diferente, mais imponente, parou em sua frente. Com trejeitos de chefe a figura rosnou – “esse não é um gato normal... é o gato deles!”.

Espadas foram desembainhadas cruzando o ar e obrigando-o a pular, como que por instinto, para longe, desviando-se com maestria, mas igual dificuldade. Mesmo assim o silêncio imperava e ninguém lá fora percebia o que acontecia ali dentro. Fortão pulou sobre uma bancada virada e dali sobre a cabeça de um dos agressores enfiando as unhas em um de seus olhos enquanto se catapultava por sobre vários outros, caindo suavemente atrás dos agressores.

De longe Blander percebeu nitidamente quando Fortão saiu da loja em desabalada correria, seguido de urros de raiva. “Vamos!” – o guerreiro gritou colocando todos em movimento enquanto o felino vinha em sua direção.

De dentro da loja surgiram pelo menos meia dúzia de guerreiros encapuzados e com roupas escuras. À primeira vista todos achavam que eram aqueles guerreiros filhos de Tamu-ha, que andavam pelas sombras e sumiam na fumaça de seus pequenos artefatos. Mas viram que não se tratavam deles.

Logo que o grupo se aproximou da loja para o combate, percebeu um som típico de armas sendo desembainhadas em suas costas. Eles estavam sendo cercados por mais e mais desses guerreiros misteriosos vindos da escuridão como que por mágica. A rua estava fechada por ambos os lados e eles estavam no meio.

“- Isso não é bom!” – disse Ally.

“- Isso é magia antiga e negra, com certeza... já li isso em algum lugar!” – respondeu Ehle.

“- Em posição... isso vai ser divertido!” – disse Blander com um sorriso de mórbida satisfação.

O grupo se posicionou em um círculo não muito fechado esperando que os estranhos avançassem. Fortão pulou para o ombro de Blander e ficou também à postos, enquanto procurava uma posição vantajosa para se lançar. Alguns instantes se fizeram em silêncio enquanto os grupos se estudavam e os adversários tomavam posição os circundando. A proporção era desvantajosa tendo quase que cinco inimigos para cada um.

A luta começou ao sinal de Blander, um comando curto e rosnado - “Agora!”. Instantaneamente todos os cinco se moveram avançando sobre os adversários.

Blander, com sua enorme espada, descreveu um semi-círculo atingindo mortalmente o abdômen de um dos guerreiros mais próximos e obrigando outros tantos à darem um passo para trás. Os elfos lutavam quase que como um só. Embora ambos empunhassem muito bem o arco, neste tipo de lutas diretas e de curta distância, um empunhava o arco enquanto outro brandia a espada em movimentos cadenciados e marcados. O irmão de Gustav estava com o machado de duas lâminas do irmão e girava-o no ar afastando seus oponentes, mostrando que além de armeiro, ainda mantinha em seu sangue o conhecimento dos combates obtidos nas tantas aventuras que vivera.

Fortão, por sua vez, ao pular do ombro de Blander, alcançou um toldo de uma loja próxima e correu por cima dos adversários até achar um lugar propício para entrar no combate. Como ele sabia que o enorme amigo teria muita chance de se sair bem, mesmo em desvantagem numérica, ele correu para o lado dos elfos se lançando no ar sobre a cabeça de um dos guerreiros que estava bem no meio da trupe adversária. O susto de sua queda foi o suficiente para que dois ou três inimigos perdessem a atenção no combate, facilitando para a espada e Ehle atingisse a um deles, enquanto uma flecha certeira rasgava o ar acertando outro.

Fortão atingiu o chão e em um novo pulo jogou-se sobre a perna de outro adversário cravando fundo suas garras na panturrilha do infeliz. A dor o fez desviar o olhar em um instante mortal para ele, e mais uma vez a espada de Ahle trabalho com perfeição.

O gato não conseguia parar. Ele sentia-se com um vigor poucas vezes experimentado, semelhante ao dia em que correra sobre as árvores na floresta, sentia com a força de dez dele e com a agilidade de um ser inimaginável. Sua vivacidade no combate aumentou em muito a percepção de sua presença chamando a atenção dos adversários próximos. Eles não o viam mais como um mero gato, mas como um membro do grupo adversário que deveria ser exterminado.

Sua atuação também chamou a atenção dos elfos que apenas esboçavam um sorriso de aprovação de canto de boca à cada nova investida de Fortão, e os faziam ter certeza de que algo especial estava reservado para o amigo de quatro patas.

Com o tempo a quantidade de adversários começou a pesar e descuidos foram inevitáveis. Ally, embora hábil com seu arco e flecha, não foi tão hábil para escapar de tantos golpes simultâneos contra ele e acabou sendo atingido na perna, de raspão é verdade, mas mesmo assim o suficiente para que deixasse seu arco cair. Blander prontamente postou-se ao lado do amigo para lhe dar tempo de se recuperar enquanto o anão, agora com dois machados, um em cada mão, disferia golpes para afastar os adversários que o haviam isolado do grupo.

Fortão havia se afastado um pouco para retomar o fôlego e procurar um novo ponto para saltar, mas mesmo ele era um alvo para os adversários e não pode ficar parado por muito tempo. Dois inimigos estavam em seu encalço e tão logo o localizaram conseguiram tirar um tufo de pelos de sua cauda em uma quase certeira estocada.

Isso o irritou por demais. Ele olhou para a cauda arranhada e logo depois para os dois adversários como que os questionando se eles sabiam o que haviam feito e se sabiam o que iria acontecer com eles. Os dois achavam muito engraçada a forma como o gato os olhava.

“- Ora...o que foi....ficou bravinho?” - disse um deles.

“ - Será que ele quer se vingar de nós?” - disse o outro enquanto ria.

Fortão correu para eles sem aviso mordendo e cravando as garras nas partes pudicas de um deles com o máximo de força que tinha. O infeliz pulava na tentativa de tirá-lo dali enquanto manchas vermelhas de sangue começavam a salpicar o chão. Quanto mais o infeliz se movia para se soltar, mais sentia dor. Seu colega estava atônito, sem saber o que fazer. Quando o gato achou que já o havia ferido o suficiente e que já estava ficando perigoso ficar naquela posição, ele saltou deixando o inimigo caído e encolhido no chão.

“- Gato infeliz... vou usar seu couro em um par de luvas para o próximo inverno!” - disso o outro enquanto corria na sua direção.

Fortão prontamente também correu na direção do inimigo pulado o mais alto que conseguia. Num movimento impossível o gato escapa do balanço da espada caindo com as patas dianteira sobre o rosto do adversário e cravando-lhe as garras com firmeza, ao mesmo tempo que girou o corpo para o lado. O movimento foi muito forte, tão forte que girou a cabeça do homem até causar um som de um graveto sendo quebrado. O homem caiu sem vida com o pescoço partido. Ao lado do corpo Fortão estava em pé, bufando, com o pelo ouriçado e olhos esbugalhados.

A cena foi vista por todos como se todas as atenções estivessem concentradas ali. Era algo impossível para a maioria. Como um gato, um simples gato havia conseguido quebrar o pescoço de um homem adulto? Blander não conseguia entender, mas os elfos deram vivas como se começassem a perceber o que estava acontecendo. O certo foi que a ação do gato serviu como estopim para que uma reação começasse no grupo até que não haviam mais adversários vivos.

Muito sangue estava espalhado pelas ruas entre vários corpos. Blander correu para dentro da loja junto do irmão de Gustav enquanto os outros recuperavam o fôlego e tratavam de seus ferimento. Fortão estava ainda de prontidão como se a luta ainda não houvesse terminado, olhando de um lado para o outro em alerta. Ally, mancando, se aproximou do gato lhe causando um susto.

“- Calma amigo, a luta terminou e você se saiu muito bem... recolha sua força e descanse.”

As palavras do elfo fizeram o gato se tranquilizar deixando transparecer que ele também estava exausto, quase não se aguentando sobre as quatro patas.

De dentro da loja Gustav apareceu amparado pelo enorme guerreiro e por seu irmão. Nitidamente ferido ele mancava enquanto olhava tudo em volta espantado com a quantidade inimigos mortos.

“- Truilli, acho que tu nos deve uma explicação e bem convincente!” - disse Gustav.

“- Na verdade, todos vocês devem explicações” - a voz soou como um trovão enquanto guerreiros e mais guerreiros com trajes metálicos de combate cercavam o grupo de aventureiros. Do alto das casas próximas alguns arqueiros em trajes mesclando metal prateado e couro também estavam com cordas esticadas e flechas prontas. No chão os vários soldados muito bem armados eram liderados por dois descomunais guerreiros, um homem e uma mulher, que nem precisavam ser anunciados para que o grupo soubesse de quem se tratava.

Uma pausa se fez.

“- Sou Arkam Braço Metálico, do Protetorado do Reino, e acho muito desagradável uma festa em nossa cidade, sem sermos convidados!”

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal e divertido o conto até agora, valeu, no aguardo de mais.

João Brasil disse...

Muito obrigado!!!! Em breve vem mais!!!

Deran Son disse...

Adorei essas historias, são muito boas.
Ainda planeja continuar o conto?