Fortão, o gato aventureiro de Arton
CAPÍTULO 7
O combate era feroz. Blander movia
sua espada em grandes arcos para manter uns quatro ou cinco inimigos afastados
e dar tempo de Ally se recuperar. Do outro lado Fortão procurava um ponto alto
para um novo salto enquanto o anão Truilli
e Ehle, de constas um para o outro, desferiam golpes à exaustão.
O chão estava banhado de sangue,
mas a luta não parecia que terminaria tão cedo muito embora houvesse se passado
apenas alguns instantes. Na verdade os adversários não eram tão desafiadores
assim, mas a quantidade e a surpresa no ataque tornou tudo mais complicado.
Quando Truilli adentrou na taverna, minutos atrás, pedindo ajuda para resgatar
Gustav, ninguém imaginava o que se seguiria.
Com o alerta de que seu amigo
estava em perigo o grupo aprontou rapidamente seu equipamento e desceu as
escadas como verdadeiros guerreiros prontos para o combate. Fortão já os
aguardava na esquina quando tomaram a rua para seguir o resgate. Truilli esteve quieto por todo o
percurso apenas indicando o caminho que deveriam seguir. Ele insistia que não
sabia quem eram e que, na verdade, poderiam ter vindo por vários motivos.
Em sua longa vida de aventureiro,
antes da aposentadoria e reclusão como armeiro em Valkaria, ele havia acumulado
um bom punhado de desafetos. Qualquer um desses desafetos poderiam ter
descoberto seu paradeiro e pego Gustav por engano ou vingança.
A madrugada havia apenas começado
e algumas pessoas ainda circulavam enquanto o grupo passava apressadamente
tentando não demonstrar que uma luta era eminente. Blander não deseja alertar o
Protetorado, a não ser que fosse necessário. Com armas escondidas sob as
vestes, da melhor forma possível, eles cruzavam ruas e vielas. Mas aquela era
Valkaria e não se poderia dizer que essa movimentação era uma novidade por
completo. No máximo as pessoas davam passagem desviando-se aqui e ali, mas
igualmente sem causar grande efeito ou temor nas pessoas. Ninguém estava
realmente interessado em saber o que estava acontecendo. Quando chegaram à um
pouco mais de uma quadra do local Truilli
parou e apontou.
“- É lá, na loja pintada de
verde!” - ele apontava para uma loja com uma enorme vidraça quebrada e uma
placa dizendo ‘armas de qualidade’ - “fomos atacados lá dentro enquanto
tomávamos um bom vinho que comprara de um comerciante de Hongari … foi tudo
muito rápido... eram muitos, só tive tempo de pular pela janela e vir chamar
vocês... estou enferrujado e não teria como lutar contra todos eles.”
“- Fortão, vai lá!” - Blander
indicou apontando a loja para o gato que prontamente fez o que faz de melhor –
se esgueirou pela escuridão. Ele correu rente às paredes das casas e lojas até
se aproximar ao local. Ele sabia que o dia não terminaria bem. Aquela sensação
na orelha o houvera alertado, mas a beleza da cidade o havia distraído - “isso
nunca mais vai acontecer” - ele pensou. Agora só o que restava seria resgatar o
amigo e descobrir o que estava realmente acontecendo.
Fortão pulou sobre um barril à
alguns metros da loja, de um ponto que tinha uma visão parcial do interior. Ele
lambia sua pata como um felino normal faria enquanto espiava. Nada, nenhum
movimento. Ele desceu do barril, encerrando sua encenação, e aproximou-se do
buraco pela vidraça apoiando as patas da frente e olhando de forma mais atenta
para dentro. Nada ainda. Ele achou muito estranho. Nenhum rastro, nenhum odor.
Nada. Ele olhou para a direção do grupo e decidiu entrar.
Ser um felino lhe possibilitava
uma visão quase perfeita à noite ou em ambientes escuros, embora tudo parecesse
ter tons de cinza. Ele subiu pela bancada da vitrine e adentrou a escuridão. De
longe seus amigos o perderam de vista e ficaram apreensivos e preparados para o
pior. Lá dentro Fortão pisava suavemente sem quebrar o silêncio. Três passos e
ele se lançou ao chão da loja caindo sobre uma enorme poça de sangue de um
infeliz sem vida. O rosto dele estava coberto por um tecido impedindo que o
felino conjecturasse quem eram os agressores. Ele se limitou a farejar as
roupas do moribundo, mas não havia indicação em sua memória do que poderiam ser
os odores estranhos que estavam ali.
A loja era alongada com
prateleiras ao longo das duas paredes. Por todo a extensão haviam bancadas de
madeira repletas de armas e instrumentos de metal que agora estavam espalhados
no chão em meio à possas de sangue. Fora o corpo estirado do lado de dentro da
vitrine, não havia mais ninguém ali dentro. Mas havia algo de estranho A
escuridão não era natural pois os olhos do felino não conseguiam distinguir os
objetos tão bem quanto sempre ocorreu. Isso era um mal sinal e sua orelha
começou a comichar novamente. Fortão deu uma corrida até o fundo da loja onde
havia percebido, com dificuldade, uma porta de madeira fechada. O faro apurado
dele indicou que Gustav havia passado por ali ou ainda estava lá dentro. Era
hora de chamar os outros.
Quando Fortão virou-se sobre as
patas para retornar à rua ele percebeu que haviam duas formas escuras envoltas
pela estranha penumbra. Eles quase não o haviam notado e ele mesmo não entendi
como passara por eles sem os enxergar. Uma terceira figura se aproximou e o
espantou como se ele fosse um simples animal passeando à esmo. Aos poucos o
gato ia vendo mais e mais obscuros guerreiros mescladas à escuridão. Era uma
armadilha e quase deu certo. Ele não acreditava que não os havia percebido ali.
Sorte mesmo era eles não o terem visto como uma ameaça. Quando Fortão pensou em
correr para alertar todos, uma figura diferente, mais imponente, parou em sua
frente. Com trejeitos de chefe a figura rosnou – “esse não é um gato normal...
é o gato deles!”.
Espadas foram desembainhadas
cruzando o ar e obrigando-o a pular, como que por instinto, para longe,
desviando-se com maestria, mas igual dificuldade. Mesmo assim o silêncio
imperava e ninguém lá fora percebia o que acontecia ali dentro. Fortão pulou
sobre uma bancada virada e dali sobre a cabeça de um dos agressores enfiando as
unhas em um de seus olhos enquanto se catapultava por sobre vários outros,
caindo suavemente atrás dos agressores.
De longe Blander percebeu
nitidamente quando Fortão saiu da loja em desabalada correria, seguido de urros
de raiva. “Vamos!” – o guerreiro gritou colocando todos em movimento enquanto o
felino vinha em sua direção.
De dentro da loja surgiram pelo
menos meia dúzia de guerreiros encapuzados e com roupas escuras. À primeira
vista todos achavam que eram aqueles guerreiros filhos de Tamu-ha, que andavam
pelas sombras e sumiam na fumaça de seus pequenos artefatos. Mas viram que não
se tratavam deles.
Logo que o grupo se aproximou da
loja para o combate, percebeu um som típico de armas sendo desembainhadas em
suas costas. Eles estavam sendo cercados por mais e mais desses guerreiros
misteriosos vindos da escuridão como que por mágica. A rua estava fechada por
ambos os lados e eles estavam no meio.
“- Isso não é bom!” – disse Ally.
“- Isso é magia antiga e negra,
com certeza... já li isso em algum lugar!” – respondeu Ehle.
“- Em posição... isso vai ser
divertido!” – disse Blander com um sorriso de mórbida satisfação.
O grupo se posicionou em um
círculo não muito fechado esperando que os estranhos avançassem. Fortão pulou
para o ombro de Blander e ficou também à postos, enquanto procurava uma posição
vantajosa para se lançar. Alguns instantes se fizeram em silêncio enquanto os
grupos se estudavam e os adversários tomavam posição os circundando. A
proporção era desvantajosa tendo quase que cinco inimigos para cada um.
A luta começou ao sinal de
Blander, um comando curto e rosnado - “Agora!”. Instantaneamente todos os cinco
se moveram avançando sobre os adversários.
Blander, com sua enorme espada,
descreveu um semi-círculo atingindo mortalmente o abdômen de um dos guerreiros
mais próximos e obrigando outros tantos à darem um passo para trás. Os elfos
lutavam quase que como um só. Embora ambos empunhassem muito bem o arco, neste
tipo de lutas diretas e de curta distância, um empunhava o arco enquanto outro
brandia a espada em movimentos cadenciados e marcados. O irmão de Gustav estava
com o machado de duas lâminas do irmão e girava-o no ar afastando seus
oponentes, mostrando que além de armeiro, ainda mantinha em seu sangue o
conhecimento dos combates obtidos nas tantas aventuras que vivera.
Fortão, por sua vez, ao pular do
ombro de Blander, alcançou um toldo de uma loja próxima e correu por cima dos
adversários até achar um lugar propício para entrar no combate. Como ele sabia
que o enorme amigo teria muita chance de se sair bem, mesmo em desvantagem
numérica, ele correu para o lado dos elfos se lançando no ar sobre a cabeça de
um dos guerreiros que estava bem no meio da trupe adversária. O susto de sua
queda foi o suficiente para que dois ou três inimigos perdessem a atenção no
combate, facilitando para a espada e Ehle atingisse a um deles, enquanto uma flecha
certeira rasgava o ar acertando outro.
Fortão atingiu o chão e em um novo
pulo jogou-se sobre a perna de outro adversário cravando fundo suas garras na
panturrilha do infeliz. A dor o fez desviar o olhar em um instante mortal para
ele, e mais uma vez a espada de Ahle trabalho com perfeição.
O gato não conseguia parar. Ele
sentia-se com um vigor poucas vezes experimentado, semelhante ao dia em que
correra sobre as árvores na floresta, sentia com a força de dez dele e com a
agilidade de um ser inimaginável. Sua vivacidade no combate aumentou em muito a
percepção de sua presença chamando a atenção dos adversários próximos. Eles não
o viam mais como um mero gato, mas como um membro do grupo adversário que
deveria ser exterminado.
Sua atuação também chamou a
atenção dos elfos que apenas esboçavam um sorriso de aprovação de canto de boca
à cada nova investida de Fortão, e os faziam ter certeza de que algo especial
estava reservado para o amigo de quatro patas.
Com o tempo a quantidade de
adversários começou a pesar e descuidos foram inevitáveis. Ally, embora hábil
com seu arco e flecha, não foi tão hábil para escapar de tantos golpes
simultâneos contra ele e acabou sendo atingido na perna, de raspão é verdade,
mas mesmo assim o suficiente para que deixasse seu arco cair. Blander
prontamente postou-se ao lado do amigo para lhe dar tempo de se recuperar
enquanto o anão, agora com dois machados, um em cada mão, disferia golpes para
afastar os adversários que o haviam isolado do grupo.
Fortão havia se afastado um pouco
para retomar o fôlego e procurar um novo ponto para saltar, mas mesmo ele era
um alvo para os adversários e não pode ficar parado por muito tempo. Dois
inimigos estavam em seu encalço e tão logo o localizaram conseguiram tirar um
tufo de pelos de sua cauda em uma quase certeira estocada.
Isso o irritou por demais. Ele
olhou para a cauda arranhada e logo depois para os dois adversários como que os
questionando se eles sabiam o que haviam feito e se sabiam o que iria acontecer
com eles. Os dois achavam muito engraçada a forma como o gato os olhava.
“- Ora...o que foi....ficou
bravinho?” - disse um deles.
“ - Será que ele quer se vingar de
nós?” - disse o outro enquanto ria.
Fortão correu para eles sem aviso
mordendo e cravando as garras nas partes pudicas de um deles com o máximo de
força que tinha. O infeliz pulava na tentativa de tirá-lo dali enquanto manchas
vermelhas de sangue começavam a salpicar o chão. Quanto mais o infeliz se movia
para se soltar, mais sentia dor. Seu colega estava atônito, sem saber o que
fazer. Quando o gato achou que já o havia ferido o suficiente e que já estava
ficando perigoso ficar naquela posição, ele saltou deixando o inimigo caído e
encolhido no chão.
“- Gato infeliz... vou usar seu
couro em um par de luvas para o próximo inverno!” - disso o outro enquanto
corria na sua direção.
Fortão prontamente também correu
na direção do inimigo pulado o mais alto que conseguia. Num movimento
impossível o gato escapa do balanço da espada caindo com as patas dianteira
sobre o rosto do adversário e cravando-lhe as garras com firmeza, ao mesmo
tempo que girou o corpo para o lado. O movimento foi muito forte, tão forte que
girou a cabeça do homem até causar um som de um graveto sendo quebrado. O homem
caiu sem vida com o pescoço partido. Ao lado do corpo Fortão estava em pé,
bufando, com o pelo ouriçado e olhos esbugalhados.
A cena foi vista por todos como se
todas as atenções estivessem concentradas ali. Era algo impossível para a
maioria. Como um gato, um simples gato havia conseguido quebrar o pescoço de um
homem adulto? Blander não conseguia entender, mas os elfos deram vivas como se
começassem a perceber o que estava acontecendo. O certo foi que a ação do gato
serviu como estopim para que uma reação começasse no grupo até que não haviam
mais adversários vivos.
Muito sangue estava espalhado
pelas ruas entre vários corpos. Blander correu para dentro da loja junto do
irmão de Gustav enquanto os outros recuperavam o fôlego e tratavam de seus
ferimento. Fortão estava ainda de prontidão como se a luta ainda não houvesse
terminado, olhando de um lado para o outro em alerta. Ally, mancando, se
aproximou do gato lhe causando um susto.
“- Calma amigo, a luta terminou e você
se saiu muito bem... recolha sua força e descanse.”
As palavras do elfo fizeram o gato
se tranquilizar deixando transparecer que ele também estava exausto, quase não
se aguentando sobre as quatro patas.
De dentro da loja Gustav apareceu
amparado pelo enorme guerreiro e por seu irmão. Nitidamente ferido ele mancava
enquanto olhava tudo em volta espantado com a quantidade inimigos mortos.
“- Truilli, acho que tu nos deve uma explicação e bem convincente!” -
disse Gustav.
“- Na verdade, todos vocês devem
explicações” - a voz soou como um trovão enquanto guerreiros e mais guerreiros
com trajes metálicos de combate cercavam o grupo de aventureiros. Do alto das
casas próximas alguns arqueiros em trajes mesclando metal prateado e couro
também estavam com cordas esticadas e flechas prontas. No chão os vários
soldados muito bem armados eram liderados por dois descomunais guerreiros, um
homem e uma mulher, que nem precisavam ser anunciados para que o grupo soubesse
de quem se tratava.
Uma pausa se fez.
“- Sou Arkam Braço Metálico, do Protetorado do Reino, e acho muito
desagradável uma festa em nossa cidade, sem sermos convidados!”
3 comentários:
Muito legal e divertido o conto até agora, valeu, no aguardo de mais.
Muito obrigado!!!! Em breve vem mais!!!
Adorei essas historias, são muito boas.
Ainda planeja continuar o conto?
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