Parte 2: A aventura se
inicia
João Eugênio C. Brasil
“Que o Grande Oceano me permita morrer no mar,
no fio da lâmina de meu inimigo junto de meus
companheiros.
Que me aceite em sua morada, nunca negando-me
as ondas sob meus pés, o céu sobre minha cabeça,
a espada em uma de minhas mãos e uma mulher em
cada porto.
E enquanto não chegar minha hora derradeira
que me abençoe com a emoção da vitória
e o ardor do butim.”
- Oração ao Grande Oceano
Capítulo 1: Ambiente novo, velhas histórias
- Senhor,
senhor! Fumaça no horizonte – as palavras quase não saiam da boca do espavorido
vigia – Com certeza vem de Ancaro, senhor.
A
pilha de corpos demonstrava o tamanho da violência aplicada naquela batalha. Ou
melhor, naquele massacre. Nenhum sobrevivente. E não seria necessário procurar
muito para confirmarem isso.
Desde
que desembarcaram na praia já haviam tido uma amostra do que poderiam esperar por
encontrar. Os corpos estavam dispostos quase que como em uma trilha de migalhas
a serem seguidas por um pássaro.
Toda
a tripulação tinha pelo menos um conhecido ou familiar naquela ilha. Por esse
motivo todos os que puderam desembarcaram empunhando alguma espécie de arma. As
imagens das atrocidades, a cada passo, minavam a imaginação com horrores
impossíveis. E quanto mais avançavam, mais e mais o horror aumentava.
O caminho até a entrada da caverna do Monte
Ancaro, que também deu seu nome à ilha, foi longo. Longo demais para o número
de corpos contados um a um. Chorados um a um. Nem pólvora nem o fio das espadas
foram poupado naquelas almas inofensivas e desarmadas.
Dentro
da grande caverna, onde a vila estava protegida e escondida, a visão era ainda
mais impressionante. Não havia nenhuma casa inteira. Nenhum habitante vivo. Nos
rostos dos infelizes cadáveres, crianças e adultos, somente a expressão de
pavor do inevitável momento.
Na
praça central da vila, coberto pela abóbada natural da caverna, colocou-se de
forma imóvel e de olhos no vazio um ser que levava consigo a herança do lobo. O
enorme porte de seu corpanzil atingia facilmente os dois metros. Mas naquele
momento parecia ser minúsculo. Suas duas espadas dispostas em cada lado de sua
cintura pareciam pesar mais do que poderia suportar. Suas costas curvadas
deixavam sua cabeça pendendo sobre o peito, em reverência fúnebre a três corpos
– sua família.
Os corpos de uma mulher e duas crianças estavam em
um estado inimaginável, longe da beleza que ele carregara pelos últimos meses
na memória. Suas lágrimas não escorriam, mas a tristeza era presente. As
orelhas estavam caídas
-
Senhor. Ninguém vivo. Em lugar algum. Nem as crianças – o imediato soltava
as palavras como uma súplica que se perdiam no vazio da praça. O capitão
continuava imóvel. No olhar a tentativa de entender o que não tinha explicação.
Do
fundo da caverna, de uma das inúmeras pequenas entradas nas paredes rochosas,
surge correndo um rapaz – Senhor! Não levaram nenhuma das arcas, somente o
grande livro que estava no pedestal e deixaram isso – nas mãos o infante
trazia uma bandeira negra com uma marca branca no centro.
-
Tudo isto pelo livro! Malditos.... – o grito se perdeu nas profundezas
da caverna enquanto o capitão escondia o rosto na bandeira arrancada das mãos
do rapaz. Foram as únicas lágrimas que alguém viu sair dos olhos do Capitão Garas
Boca Feroz.
Isto
foi a seis anos.
o O o
Já
fazia um mês desde que haviam deixado para trás o Capitão Garas e a embarcação
conhecida como O Alcatéia. Desde então rumavam insistentemente para nordeste.
As cartas náuticas que mestre Tugar havia trocado com o Suni, imediato do navio
de Garas, estavam sendo bem úteis. Já haviam tido a oportunidade de ancorar por
três vezes em algumas ilhotas desabitadas pelo caminho, que serviam de pontos
de abastecimento de inúmeras rotas da pirataria. Elas eram praticamente iguais
a todas as ilhas existentes e conhecidas de Arton. Não havia nada de muito
diferente. Amontoados de terra com alguma vegetação, pontos esparsos de água
doce e cristalina espalhados e sem viva alma. No final das contas Moreania
parecia muito com Arton, pensava Slocun.
Mas
o sabor de novas aventuras adoçava o paladar da tripulação do Gaivota Prateada.
A excitação estava entranhada em cada gota de suor que escorria pelos seus
rostos. Quando ancoravam aproveitavam para esticar as pernas e exercitar o
corpo. Mas ao mesmo tempo contavam os segundo para voltarem ao mar e avançar
mais em direção nordeste.
Suas
mentes estavam repletas de perguntas. Quais as maravilhas que aquele novo mundo
lhes reservava? Que outras belezas estariam à sua espera? Os poucos exemplos
aos quais tiveram contato, quando do encontro com o Alcatéia, lhes inundava a
imaginação com cada vez mais perguntas.
Por
esse motivo, e por simplesmente desconhecerem o ambiente o qual estavam
navegando, tinham a impressão de que a empreitada estava durando muito mais do
que esperavam. A ânsia por chegarem a qualquer lugar mais significativo lhes
consumia por dentro. Mas era uma ânsia gostosa de sentir. Tocava no fundo do
estômago de forma a nascer uma expectativa que mesclava felicidade e suspense.
Era o mais próximo da felicidade que homens do mar poderiam imaginar alcançar.
-
Meus parabéns Tugar, os mapas estão muito
precisos. Sem eles estaríamos navegando à esmo – disse o capitão durante o
desjejum matinal em sua cabine. Essa pequena reunião acontecia diariamente com
as principais patentes da embarcação. Era o momento de colocar todas as
informações em pauta, organizar o dia que seguiria ou apenas fumar e rir um
pouco.
-
O mérito não é meu, não me lembro de ter
visto cartas tão detalhadas nos mares à leste de Arton – resmungava o
mestre entre uma mastigada e outra de pão. Todos sabiam que impressionar Tugar
não era tarefa nada fácil e davam mais valor ainda às cartas náuticas do povo
moreu.
-
Eles parecem ter nascido para a vida no
mar. Deve ser um povo de grande proximidade com a grande imensidão azul. A
experiência transparece em seus movimentos, seus olhares – disse com um
olhar de admiração Slocun – Nunca
imaginei isso, mas temos muito o que aprender com eles.
-
Só mais duas semanas senhor e podermos
ter nossas primeiras impressões, acredito - mais duas semanas navegando e
chegariam, segundo as cartas náuticas, na primeira ilha habitada à sudoeste de
Moreania. Seu nome era Kumbach. Não tinham nenhuma informação sobre ela.
Somente que era uma ilha pequena, com uma comunidade pacífica que tinha uma
certa ligação com a pirataria e, segundo o próprio Garas, “o lugar que adotara como lar”.
E
a expectativa só crescia em seus corações.
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