segunda-feira, 13 de abril de 2015

Por Mares Nunca Antes Navegados - Parte 2 - Capítulo 1


Parte 2: A aventura se inicia
João Eugênio C. Brasil


“Que o Grande Oceano me permita morrer no mar,
no fio da lâmina de meu inimigo junto de meus companheiros.
Que me aceite em sua morada, nunca negando-me
as ondas sob meus pés, o céu sobre minha cabeça,
a espada em uma de minhas mãos e uma mulher em cada porto.
E enquanto não chegar minha hora derradeira
que me abençoe com a emoção da vitória
e o ardor do butim.”

- Oração ao Grande Oceano

Capítulo 1: Ambiente novo, velhas histórias

- Senhor, senhor! Fumaça no horizonte – as palavras quase não saiam da boca do espavorido vigia – Com certeza vem de Ancaro, senhor.

A pilha de corpos demonstrava o tamanho da violência aplicada naquela batalha. Ou melhor, naquele massacre. Nenhum sobrevivente. E não seria necessário procurar muito para confirmarem isso.

Desde que desembarcaram na praia já haviam tido uma amostra do que poderiam esperar por encontrar. Os corpos estavam dispostos quase que como em uma trilha de migalhas a serem seguidas por um pássaro.


Toda a tripulação tinha pelo menos um conhecido ou familiar naquela ilha. Por esse motivo todos os que puderam desembarcaram empunhando alguma espécie de arma. As imagens das atrocidades, a cada passo, minavam a imaginação com horrores impossíveis. E quanto mais avançavam, mais e mais o horror aumentava.

O caminho até a entrada da caverna do Monte Ancaro, que também deu seu nome à ilha, foi longo. Longo demais para o número de corpos contados um a um. Chorados um a um. Nem pólvora nem o fio das espadas foram poupado naquelas almas inofensivas e desarmadas.

Dentro da grande caverna, onde a vila estava protegida e escondida, a visão era ainda mais impressionante. Não havia nenhuma casa inteira. Nenhum habitante vivo. Nos rostos dos infelizes cadáveres, crianças e adultos, somente a expressão de pavor do inevitável momento.

Na praça central da vila, coberto pela abóbada natural da caverna, colocou-se de forma imóvel e de olhos no vazio um ser que levava consigo a herança do lobo. O enorme porte de seu corpanzil atingia facilmente os dois metros. Mas naquele momento parecia ser minúsculo. Suas duas espadas dispostas em cada lado de sua cintura pareciam pesar mais do que poderia suportar. Suas costas curvadas deixavam sua cabeça pendendo sobre o peito, em reverência fúnebre a três corpos – sua família.

Os corpos de uma mulher e duas crianças estavam em um estado inimaginável, longe da beleza que ele carregara pelos últimos meses na memória. Suas lágrimas não escorriam, mas a tristeza era presente. As orelhas estavam caídas

- Senhor. Ninguém vivo. Em lugar algum. Nem as crianças – o imediato soltava as palavras como uma súplica que se perdiam no vazio da praça. O capitão continuava imóvel. No olhar a tentativa de entender o que não tinha explicação.

Do fundo da caverna, de uma das inúmeras pequenas entradas nas paredes rochosas, surge correndo um rapaz – Senhor! Não levaram nenhuma das arcas, somente o grande livro que estava no pedestal e deixaram isso – nas mãos o infante trazia uma bandeira negra com uma marca branca no centro.

- Tudo isto pelo livro! Malditos.... – o grito se perdeu nas profundezas da caverna enquanto o capitão escondia o rosto na bandeira arrancada das mãos do rapaz. Foram as únicas lágrimas que alguém viu sair dos olhos do Capitão Garas Boca Feroz.

Isto foi a seis anos.

o  O  o

Já fazia um mês desde que haviam deixado para trás o Capitão Garas e a embarcação conhecida como O Alcatéia. Desde então rumavam insistentemente para nordeste. As cartas náuticas que mestre Tugar havia trocado com o Suni, imediato do navio de Garas, estavam sendo bem úteis. Já haviam tido a oportunidade de ancorar por três vezes em algumas ilhotas desabitadas pelo caminho, que serviam de pontos de abastecimento de inúmeras rotas da pirataria. Elas eram praticamente iguais a todas as ilhas existentes e conhecidas de Arton. Não havia nada de muito diferente. Amontoados de terra com alguma vegetação, pontos esparsos de água doce e cristalina espalhados e sem viva alma. No final das contas Moreania parecia muito com Arton, pensava Slocun.

Mas o sabor de novas aventuras adoçava o paladar da tripulação do Gaivota Prateada. A excitação estava entranhada em cada gota de suor que escorria pelos seus rostos. Quando ancoravam aproveitavam para esticar as pernas e exercitar o corpo. Mas ao mesmo tempo contavam os segundo para voltarem ao mar e avançar mais em direção nordeste.

Suas mentes estavam repletas de perguntas. Quais as maravilhas que aquele novo mundo lhes reservava? Que outras belezas estariam à sua espera? Os poucos exemplos aos quais tiveram contato, quando do encontro com o Alcatéia, lhes inundava a imaginação com cada vez mais perguntas.

Por esse motivo, e por simplesmente desconhecerem o ambiente o qual estavam navegando, tinham a impressão de que a empreitada estava durando muito mais do que esperavam. A ânsia por chegarem a qualquer lugar mais significativo lhes consumia por dentro. Mas era uma ânsia gostosa de sentir. Tocava no fundo do estômago de forma a nascer uma expectativa que mesclava felicidade e suspense. Era o mais próximo da felicidade que homens do mar poderiam imaginar alcançar.

- Meus parabéns Tugar, os mapas estão muito precisos. Sem eles estaríamos navegando à esmo – disse o capitão durante o desjejum matinal em sua cabine. Essa pequena reunião acontecia diariamente com as principais patentes da embarcação. Era o momento de colocar todas as informações em pauta, organizar o dia que seguiria ou apenas fumar e rir um pouco.

- O mérito não é meu, não me lembro de ter visto cartas tão detalhadas nos mares à leste de Arton – resmungava o mestre entre uma mastigada e outra de pão. Todos sabiam que impressionar Tugar não era tarefa nada fácil e davam mais valor ainda às cartas náuticas do povo moreu.

- Eles parecem ter nascido para a vida no mar. Deve ser um povo de grande proximidade com a grande imensidão azul. A experiência transparece em seus movimentos, seus olhares – disse com um olhar de admiração Slocun – Nunca imaginei isso, mas temos muito o que aprender com eles.

- Só mais duas semanas senhor e podermos ter nossas primeiras impressões, acredito - mais duas semanas navegando e chegariam, segundo as cartas náuticas, na primeira ilha habitada à sudoeste de Moreania. Seu nome era Kumbach. Não tinham nenhuma informação sobre ela. Somente que era uma ilha pequena, com uma comunidade pacífica que tinha uma certa ligação com a pirataria e, segundo o próprio Garas, “o lugar que adotara como lar”.


E a expectativa só crescia em seus corações.

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