Uma história para Starfinder
Sobrevivência Incerta
Capítulo 02
A
cidade de Daza é um buraco quente e empoeirado. Era o que repetia Sakesh à cada
vez que aportavam por ali, em Akiton. Realmente sua pele escamosa parecia mais
ressecada e quebradiça naquele ambiente seco e quente e a poeira vermelha não
ajudava em nada.
“-
Por que nós viemos aqui Target?” – a pergunta veio antes dele enfiar um pedaço
de algo irreconhecível na boca.
“-
Você disse que não queria ficar nem mais um dia preso naquela nave” – disse de
forma quase mecânica o androide sentado em sua frente olhando-o fixamente –
“principalmente depois de tanto tempo respirando aquela atmosfera artificial e
viciada... foram essas suas palavras exatas.”
Com
aquele capuz marrom sobre sua cabeça ele poderia passar facilmente por um
qualquer, não fosse algumas marcas características por sob a pele e os olhos
violetas - “de minha parte gosto de entrar em qualquer ambiente onde possa
atualizar informações nas redes... e felizmente não padeço das limitações
fisiológicas de espécimes orgânicos.”
Comentários
como esse faziam o velho vesk imaginar onde aquele androide aprenderá à ser tão
sarcástico e sutil. Aquela história de memórias corrompidas ou de modelo
obsoleto que ele sempre usava como desculpa para evadir das perguntas não o
enganavam, embora ele imaginava que aquela sucata já tivesse passado por poucas
e boas até o dia que a capitã Huua o encontro, ou pelo menos uma parte dele.
“-
Além do mais” – continuou Target – “você disse que ninguém o enganaria na troca
com os nossos clientes, embora tenho certeza de que na verdade você não queria
colocar os pés de Absalom.” O olhar sem vida do androide podia ser extremamente
irritante, e ele sabia disso, mas a reação de Sakesh o divertia.
“-
Um lugar bom para morrer é um bom lugar para matar, e todo lugar é bom para
matar... só isso me importa” – ele dizia com o olhar fixo na mesa como se uma
holotela estivesse passando alguma imagem – “mas na verdade eu apenas queria
sair daquele ferro velho mesmo... apenas não imaginava que teria que ser baba
de um monte de sucata de segunda”.
Os
bares de Daza eram todos iguais. Muita poeira, bebida ruim, comida pior,
confusão certa e morte ocasional. Sakesh se sentia em casa nesses lugares,
embora a bebida pudesse ser mais forte, em sua opinião. Era o melhor que se
poderia esperar de uma cidade mineradora em um planeta decadente. Para Target
tanto fazia, desde que ele estabelecesse uma conexão adequada. Nytta já comentara
mais de uma vez que a impressão era de que o androide estava sempre a procura
de algo, quase uma obsessão, embora ele nunca confirmara isso.
De
qualquer forma esse era o lugar mais próximo do ponto de encontro com o contato
da capitã para a entrega da encomenda - uma valise cheia de fosse lá o que
fosse. Sakesh não se importava e não perguntava, a única coisa que interessava
era que isso renderia créditos por um considerável período. Sakesh estava
certo, poucos conseguiriam enganar aquele vesk e a capitã não o teria enviado
para algo tão valioso se não tivesse certeza absoluta disso.
Os
dois permaneceram em silêncio por todo o resto do tempo. Isso era comum entre
eles e justamente por isso que eles se davam tão bem, na medida do possível,
principalmente um deles sendo um vesk. Eles apreciavam a capacidade de não
imporem um ao outro a necessidade de interagirem simplesmente por estarem no
mesmo ambiente, coisa que não podiam dizer de Nytta ou Kroan.
Quando
o sinal foi dado em seus dispositivos de pulso, avisando da hora do encontro, o
vesk entornou seu copo e saiu rapidamente em direção a porta após passar seu
cartão no visor da mesa. O Androide se levantou colocando sua pesada bolsa no
ombro e rumou para a direção contrária. Seus movimentos era firmes, exatos e
quase coordenados.
Se
você não conhece Akiton pode-se resumir a que toda e qualquer cidade daquele
planeta, por mais moderna que parece, é um enorme comércio irregular à céu
aberto, camuflando uma decadência crescente e uma clientela perigosa. Você pode
encontrar, comprar e vender de tudo por lá, sabendo onde procurar e como sair
vivo da negociação. Não se pode dizer que seja uma terra de bandidos, mas com
certeza os frequentadores não são da melhor qualidade.
Sakesh
estava recostado em um pilar tentando contato com a capitã Huua. Ela gostava de
ser atualizada das atividades constantemente quando estava longe, mas ele não
estabelecia link desde cedo. Acabou deixando uma mensagem gravada e a enviou no
momento que o comprador chegou.
“-
Vejo que aprecia pontualidade… não sabia que veskssss sabiam contar o tempo” -
disse a figura baixa e guardada por três seguranças fortemente armados. Essa
era outra característica de Akitan, todos estão sempre armados.
“-
Eu não sabia que roedores tinham dinheiro… roubou de quem para nós pagar?”. O ysoki
não demonstrou irritação, embora eles pareciam sempre irritados na opinião de
Sakesh.
“-
Estou decepcionado com a capitã Huua” - disse o indivíduo baixinho - “é muito
amadorismo mandar alguém sozinho para negociar créditos que equivalem a duas ou
três naves… algo pode dar errado.”
Outras
duas figuras surgiram às costas de Sakesh com pistolas encostadas nele.
“-
Nem sua melhor armadura o protegerá de disparos à queima roupa. Agora passe a
carga, de meia volta e comece a pensar numa desculpa para sua capitã.”
Sakesh
estava irritantemente calmo.
“-
Algumas pessoas não gosta de androides” – disse Sakesh enquanto tirava a alça
da valise de seu ombro – “Para mim não existe gostar ou não gostar. Vesks
apenas confiam ou não, isso é o máximo de empatia que temos. No meu caso eu
confio em androides…”
“-
Mais um que gosta de monólogos, pessoal” – o ysoki tinha um sorriso cheio de
dentes e babado, embora o,olhar continuasse perigosamente mortal.
“-
Eu confio na mira dos androides. Já vi um acender a ponta de um cigarro a duzentos
metros de distância. Imagine o que alguém com o nome Target consegue fazer a
menos de cem metros?”
Um
som seco zuniu perto da cabeça do líder do grupo ganhando a atenção de todos
embora não fosse surpresa para Sakesh. Instintivamente todos olharam em todas
as direções à procura de um indício do atirador. O ysoki sacou sua pistola
apontando para o vesk.
“-
Não, não. Você não entendeu. Eu é que estou lhe dando o privilégio de sair vivo
e com o seu produto, e nós com o pagamento. Todos saem felizes, eu
principalmente, depois de ver sua cara. A capitã tem palavra. Marcamos um
negócio e vamos fechar esse negócio.”
“-
Ninguém brinca comigo e permanece vivo. Esse seu atirador misterioso pode ser
bom, mas não vai conseguir acertar a todos nós seis antes de matarmos você” -
disse enquanto escondia-se sutilmente atrás de um de seus capangas.
Por um momento ninguém pareceu
respirar. As pessoas ao redor, como que prevendo instintivamente o que estava
por vir, não circulavam por entre eles.
Target sabia que era inevitável
o confronto e tomou a frente das ações, mas ele tinha seis alvos e, agora, três
projéteis em seu rifle. Cuidadosamente ele fez um disparo certeiro atingindo de
uma só vez os dois capangas que estavam atrás de seu companheiro vesk. Um
disparo limpo na têmpora de ambos. A ação do androide desencadeou tudo. Sakesh
jogou-se para trás sacando suas pistolas e atingindo o peito do capanga que servia
de cobertura para o covarde ysoki, jogando-o por cima dele. O outro capanga, um
humano corpulento, sacou e tentou atingir o vesk, mas o disparo apenas passou
perto de sua cabeça e antes que tentasse novamente Sakesh o atingira com sua
outra pistola laser, quase ao mesmo tempo em que Target atingia a testa do
último.
Tudo terminou como começou.
Rapidamente.
Só depois que o quinto capanga
estava no chão é que a multidão ao redor se deu conta do que estava acontecendo
e começou a correr.
O ysoki ainda estava tentando
sair debaixo de seu capanga, um androide um tanto grande e pesado, quando Sakesh
se agachou ao seu lado com a arma apontada para seu focinho - “Você estava
dizendo…” - caçoou o vesk.
...
Os dois caminhavam
silenciosamente em direção ao hangar. Os créditos da transação estavam no chip
subcutâneo de Target. O término do negócio fora rápido, dados os argumentos e condições
impostas por Sakesh. Em resumo, tudo conforme o planejado. Eles permaneciam,
como na maior parte do tempo, em silêncio.
Embora fosse estranho ver um
vesk e um androide juntos sem estarem se matando, quem os conhecia, como a
tripulação da Icarus, poderia jurar que ambos apreciavam a companhia um do outro,
do jeito deles.
Já estavam terminando as
últimas checagens no exterior da Nymbus quando o comunicador deu sinal de vida.
Na pequena holotela que surgiu no antebraço de Target a imagem de Nytaa fazendo
careta, uma imagem gravada por ela logo quando o androide se juntou ao grupo.
“- Já não era sem tempo!” –
resmungou Sakesh enquanto se aproximava do androide e enquadrava o corpo para
visualizar a comunicação – “as coisas devem ter sido quentes naquele monte de
ferro flutuante de Absalon”.
Com um comando a mensagem
começou a rodar, mas de forma estranha. Ao invés da costumeira imagem de alguém
numa das poltronas da Icarus, a tela alternava entre o desfocado e o preto.
“Precisamos... ajuda...[bzzz]...
cordenad... 34G.... [bzzz]... caímos... [bzzz]... uns bichos.... [bzzz]...
rápido!” – a mensagem se misturava ao som de disparos de lasers pesados,
explosões e sons animalescos e indistinguíveis.
Os dois foram pegos de
surpresa. Esperavam tudo, até mesmo um puxão de orelha da capitã pela demora em
contatá-la. O que estava acontecendo? Era para a Icarus aportar em Absalon para
a capitã resolver alguns de seus assuntos misterioso e encontrar com a Nymbus
na órbita, para depois voltarem à base. Algo havia dado errado.
Realmente eles trabalhavam bem
juntos. Uma sincronia perfeita. Tão logo a mensagem encerrou e ambos estavam
automaticamente, como se estivessem em controle remoto, terminando os
preparativos para saírem. Em alguns instantes ambos estavam sentados em seus
assentos, Sakesh pedindo permissão pelo comunicador para sair do hangar, enquanto
Target rastreava a mensagem de Nytaa.
A boa notícia. A Nymbus era
rápida. A ruim. Não sabiam se chegariam à tempo. Logo ao saírem da atmosfera Target
passou para o sistema a localização do ponto de chegada. Um local entre a Diáspora
e Idari. Pela localização deve ter acontecido quando ainda estavam indo para
Absalon, ou seja, muitas horas atrás. Os motores de Deriva foram acionados e o
silêncio tomou conta da cabine com todos os sistemas em stand-by enquanto preparavam-se
para cruzar o espaço.
“- Será que estão vivos?” –
questionou Target com sua voz pausada e desinteressada enquanto revisava
algumas informações na tela.
“- Se elas pensam que vão matar
coisas sem mim, estão muito enganadas!”
[Motor de Deriva acionado]
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