segunda-feira, 26 de março de 2018

Conto: O Homem Feliz, por Franz Andrade


O Homem Feliz
conto por Franz Andrade


Todos acham que no futuro não haverão mais doenças. Que o maior símbolo do futuro será um mundo sem vírus ou debilidades.

2300, ano novo.


Edgar, em seu carro elétrico, corria para sua família com uma novidade no bolso. Estava rico. E feliz, muito feliz. O carro desgovernou. Mas Edgar não bateu. Ele era um daqueles experts em direção.

Edgar, o homem feliz, descobriu que tem uma doença degenerativa das fibras musculares. Não Há dinheiro que dê jeito. Não ainda. E em seu último espasmo muscular o médico lhe advertiu: Cuidado, do jeito que o senhor estiver, quando os músculos pararem, fica! E Edgar resolveu que ficaria sentado. Deitado cansaria e seria mais trabalhoso para os médicos. Como sempre, um homem de princípios. E outra: Decidiu-se por estar sorrindo quando a paralisia chegasse. E assim fez.

Ano 2310.

Não podia mais falar. Nem se movia há anos. Sorrindo em frente à televisão ele via as tecnologias ficarem cada vez mais extraordinárias, e a mágica das criações superaram todo o limite dos pensamentos de Edgar. Prédios como pináculos rígidos brilhantes alcançavam as alturas de éon de distâncias. Carros que dirigiam-se sós. Trens mais rápidos que bala e voos domésticos que atravessavam o planeta em minutos graças à propulsão nuclear. Marte, colônia segura. Talvez ele fosse pra lá.

Ah, mas muitos ouviram falar do homem feliz. Edgar virou exemplo de superação. E quantos não se doaram mais? E quantos não trabalharam para criar um mundo melhor graças ao simples pensamento de que lá, naquela casa, há um homem que mesmo destituído dos sentidos, sorria? Caravanas para visitá-lo. Fotos ao seu lado. Todos rindo com ele e lhe contando seus problemas. E ele lá. Sorrindo.

Ano 2330.

E finalmente as leis das naturezas tecnológicas responderam ao sorriso sincero de Edgar. E eis que um cientista humanitário, levado pela vontade e incentivo espiritual dados pelo sincero sorriso do homem feliz, cria aparato tecnológico ímpar! Os jornais alardeiam, os outdoors elétricos comemoram. O homem feliz iria falar!

Repórteres do mundo todo (uns de Marte) fizeram fila na casa do homem feliz. Fotos, festas. Uma multidão com camisas de Edgar sentado serenamente. Especiais da CNN, MTV. Marte faria um filme para homenagear o homem que fez o mundo superar suas deficiências graças à sua tenaz vontade de sorrir.

E lá estavam. Família. Filhos e filhas. Todos de mãos dadas. A mulher lhe beijava a fronte bem na hora da foto. E a máquina lhe foi acoplada. Coisa simples. Transmitia seus pensamentos em forma de algoritmos para uma grande tela. Fácil e lindo!

Carros com feixes de luz voavam ao seu redor lá no céu. Arco-íris artificiais e fogos preparados. Ele ia falar!

Silêncio. Tensão. Todos juntos de mãos dadas. Sorrisos feito arcos esticados nos rostos, que começam a ganhar lenta e inexoravelmente o formato de pontas caídas no canto da boca. Edgar, o homem feliz, escreve em língua universal:

Please, kill me.”

Sobre a autora: Franz Andrade é paraibana, trans militante, mestre de RPG, colaboradora em publicações de Old Dragon e escreve literatura fantástica e de horror já há um tempo. Ultimamente anda se aventurando com literatura voltada ao RPG. O conto “O Homem Feliz” é uma ponderação curta, mas profunda, sobre como nos escondemos ou protegemos atrás de máscaras até quase não identificarem quem realmente somos ou o que realmente sentimos. Sobre como o sofrimento pode vir traduzido em um sorriso.

2 comentários:

Marú Jr disse...

Muito foda!

Unknown disse...

Um belo texto inebriante, cheio de pequenos detalhes para ser degustado devagar.