Testamentos da Canção
do Vento
Em laços familiares
Os laços de família são fortes
e podem cegar até os deuses à atrocidade e ao horror. E nenhuma divindade
conhece melhor os perigos de confiar em um irmão do que Shelyn, irmã de
Zon-Kuthon.
Nos primeiros dias da vida
mortal em Golarion, não havia Zon-Kuthon. Ninguém suspeitava do destino sombrio
que esperava o irmão de Shelyn, Dou-Bral, e de fato as duas divindades eram, em
muitas sociedades, adoradas como uma única fé, um par inseparável dedicado à
busca da música e da alegria. Mas mesmo entre as fileiras do divino, nada é
para sempre. Os mais severos e deprimidos aprendem uma lição com isso em que o
tempo limitado de um mortal no mundo é uma bênção. Com mais vida, mais chances
você terá de enfrentar a traição daqueles que você mais considerou queridos.
Argumentos entre irmãos fazem
parte do pacote, e Shelyn e Dou-Bral já tiveram sua parcela de disputas antes,
mas o confronto que quebraria seus laços familiares foi algo tão esmagador que
mudou as duas divindades para sempre. Qualquer que fosse a causa da grande
dissonância entre os irmãos, os resultados foram inegáveis. Dou-Bral abandonou
seus fiéis e sua realidade, deixando sua irmã sofrer e lamentar como se ele
tivesse morrido. As orações dos fiéis de Dou-Bral não foram ouvidas e aqueles
fiéis que sobreviveram a essa traição foram acolhidas na igreja de Shelyn,
enquanto a deusa lutava com os resultados dessa grande tristeza. Passariam
séculos antes que alguém ouvisse novamente sobre o irmão de Shelyn, mas quando
o fizessem, eles - incluindo Shelyn - teriam preferido permanecer para sempre
em luto.
Pois quando ele voltou, ele não
era mais Dou-Bral. Ele se tornara Zon-Kuthon. Desconhecido para os deuses ou os
fiéis, Dou-Bral não apenas abandonara sua família e seguidores, mas também a
própria realidade. Ele havia viajado até as profundezas das Fendas Exteriores, indo
para além das fronteiras mantidas com medo pelos moradores mais antigos
naquelas profundezas abissais desconhecidas, para emergir no Além. E o que ele
encontrou lá o destruiu. E o que ele encontrou lá o reencarnou. Um ciclo de
morte e renascimento ocorreu fora dos auspícios da própria Pharasma, e Dou-Bral
terminou e Zon-Kuthon começou.
Para sempre mudado e
transformado das provações e tormentos inimagináveis sofridos durante sua
ausência, Zon-Kuthon não buscou imediatamente o perdão de sua família ao
retornar, mas, por mais diferente que ele se tornara do que havia sido antes, o
suficiente de Dou-Bral permaneceu dentro do quadro atormentado do novo deus da
perda e da dor para Shelyn perceber.
Zon-Kuthon recompensou a mão
estendida de perdão de Shelyn com trauma e agonia, perfurando a carne da mão
dela com as unhas. Quando ela gritou de dor e mais uma vez ofereceu perdão,
Zon-Kuthon respondeu matando seu pai, Thron. O deus mutilado torceu, quebrou e
transformou Thron em seu próprio arauto escravizado, o Príncipe em Correntes, um ato que levou
Shelyn à algo em que nunca havia se envolvido - em uma batalha.
O combate dos irmãos sacudiu os
pilares da realidade e, em mundos espalhados pelo Plano Material, coisas de
beleza murcharam, choraram, sangraram e morreram. Zon-Kuthon havia se tornado
poderoso de fato por sua exposição àquilo que o transformou Além do Além, mas
Shelyn era fortalecida por sua própria justiça. A batalha terminou empatada
quando Shelyn arrancou a glaive assassina de Zon-Kuthon. Ela esperava que
separá-lo do que ela acreditava ser a fonte de sua corrupção o libertaria, mas
no tempo de horrores que se seguiram, ela percebeu que o glavie em si não era a
fonte - que seu irmão agora era para sempre um escravo da perdissão. À medida
que as notícias do tratamento de Zon-Kuthon para com seu pai e irmã se
espalhavam entre os deuses, um cisma perturbador começou a se formar. Alguns se
ofenderam com os atos e pediram a execução de Zon-Kuthon. Outros expressaram
admiração por sua crueldade e professaram apoio na busca de uma mudança na
ordem divina.
Abadar, eternamente protetor da
sociedade, seja entre os mortais ou o divino, viu os estrondos da guerra civil
entre os deuses e agiu. Ele ofereceu a Zon-Kuthon a opção de aceitar o
banimento do reino prisional de Xovaikain no Plano das Sombras, enquanto o sol
pairava nos céus acima de Golarion, e em troca ofereceu ao Senhor da Meia-Noite
um único item do Primeiro Cofre. Zon-Kuthon concordou e escolheu do cofre a
Primeira Sombra, e mais uma vez deixou as fileiras do divino.
Há quem diga que Zon-Kuthon
sabia da promessa da Queda da Terra, e até outros que ousaram sugerem
que ele tinha uma mão em sua engenharia. Seja como for, a Era das Trevas apagou
o sol acima de Golarion, e Zon-Kuthon foi libertado do que deveria ter sido uma
prisão eterna. Naquele tempo, porém, os ânimos esfriaram. Zon-Kuthon pegou seu
presente, a Primeira Sombra, e usou-a para transformar sua prisão anterior em
seu reino planar e cimentou seu domínio divino sobre a nação de Nidal, mas teve
o cuidado de moderar suas atrocidades para evitar despertar a ira dos outros
deuses. E enquanto seu mal permanece literalmente na sombra de maiores perigos,
da mesma forma que a nação das crueldades de Nidal é ofuscada pelo caos e
tirania mais flagrante da vizinha Cheliax, Shelyn não esqueceu. Ainda assim,
ela procura uma forma de redimir seu irmão perdido. Ainda assim, ela procura
uma maneira de salvá-lo dos horrores do Além do Além. E aqueles que conhecem e
amam a deusa do amor só podem rezar para que ela encontre um caminho, para que
o que transformou seu irmão há muito tempo encontre um novo desespero.
- James Jacobs
Sobre os Testamentos
de Canção do Vento: Nas regiões ao norte da Costa
Perdida de Varisia, fica a Abadia da Canção do Vento, um fórum para discussões
inter-religiosas guardado por sacerdotes de quase vinte credos e liderado por
um legado de Ábade Mascarado. No início da era dos Presságios Perdidos, a
Abadia da Canção do Vento sofreu enquanto seus fiéis lutavam e fugiam, mas hoje
começou a se recuperar. Uma nova Abadessa Mascarada guia um novo rebanho, e os
Testamentos da Canção do Vento - parábolas sobre os próprios deuses - estão
novamente sendo registrados dentro das paredes da abadia. Alguns desses
testamentos são apresentados aqui como mitos e fábulas de Golarion. Algumas
partes podem ser verdadeiras. Outras partes são certamente falsas.
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